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Ariane Daniela e Artur Cole: harmonia na arte e na vida

 

Ariane a cidade se traduz em paisagens, onde a luz é uma constante. Na mostra, ela apresenta uma série de telas de 30 cm x 30 cm que revela o contraste dos prédios, dos reflexos e do céu

 

A simples imagem de um caminhão, uma barraca ou uma árvore ganha uma nova dimensão no desenho de Sergio Niculitcheff

 

Niculitcheff: foco nos objetos do cotidiano







Artur Cole explode em cores e formas sem regras. Admite a influência do pintor norte-americano De Kooning. Seu trabalho conta com a orientação de Evandro Carlos Jardim

Ariane Daniela Cole, Sergio Niculitcheff e Artur Cole caminham pela arte contemporânea sem se preocupar com estilos, tendências. Dividem algumas trilhas comuns como, por exemplo, nascer, morar e trabalhar em São Paulo e também por estarem ensinando desenho pelas universidades da cidade. Mas, ao mesmo tempo, seguem suas próprias intuições e a sensibilidade emerge em tons e formas completamente diferentes. É esse trio de idéias e ideais que pode ser apreciado a partir desta segunda-feira (dia 20) no Espaço Caramelo na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. A exposição “Redesenho por três artistas” tem a curadoria dos professores Issao Minami e Carlos Zibel Costa.
A mostra sugere a paisagem e o cotidiano urbano com muita sutileza. Em uma profusão de azul, Ariane Daniela propõe uma leitura da cidade entre prédios e reflexos. Já Niculitcheff fecha o foco, isolando elementos do cotidiano como uma moto escondida por uma capa, uma barraca ou uma árvore de uma rua qualquer. E Cole é o humano explodindo num turbilhão de cores, sem o limite da forma. Revela a busca incessante da vida e do sonho.
Embora o Caramelo tenha um espaço generoso, os três artistas optaram por levar um número reduzido de obras de suas séries mais recentes; algumas estão sendo apresentadas pela primeira vez. Niculitcheff exibe quatro telas de 1 m x 1,40 m. Cole também fez uma seleção de quatro quadros de grandes dimensões. E Ariane mostra oito óleos sobre tela de 30 cm x 30 cm. Com essas proporções, o salão fica por conta de quem vem e de quem vê. O espectador fica à vontade para ver a obra a distância ou chegar bem pertinho para quase encostar o nariz nas telas de Ariane e se integrar na sua paisagem. Pequenina e rica.
Ariane Daniela e Artur Cole dividem o mesmo espaço na arte e na vida há 25 anos. Têm dois filhos: Eduardo, 22 anos, e Willian, de 10. O ateliê no bairro da Saúde estampa esse casamento de idéias e ideais. No entanto, é possível identificar os limites e o brilho de cada um. Há paredes só para as telas gigantes de Cole e outras para as de Ariane. Ele ocupa a sala de entrada do ateliê, onde expõe também as suas esculturas em pedra, madeira, barro, metal. Ela pinta junto do jardim, em uma mesa protegida por telhas.
Nas paredes tem também quadros de amigos, das mães e avós do casal, retratos dos filhos. É nesse ambiente que eles extraem uma pausa da rotina agitada para pintar. “A gente sempre encontra um tempo, nem que seja para ficar desenhando de madrugada”, conta Ariane. Ambos são arquitetos, lecionam artes plásticas na UniABC, na Belas Artes, no Mackenzie e estão fazendo doutorado na USP. Ela, sob a orientação de Isao Minami, na FAU, e ele se prepara, com a ajuda do artista Evandro Carlos Jardim, para apresentar sua tese no Departamento de Artes Plásticas. Irá defendê-la, no final do ano, com uma exposição no Memorial da América Latina.
Sempre que pode, a família sai pelo interior afora. “Nós colocamos os cavaletes, as tintas dentro do carro e vamos procurando um lugar diferente”, diz Cole. “Aí paramos, Ariane fica em um canto, eu em outro. Trabalhamos horas a fio.”
A mesma paisagem, no entanto, tem leituras, tons e contornos diferentes. Em pinceladas comedidas, Ariane Daniela distribui a luz e a sombra. O sol persegue as suas paisagens. Em algumas telas, é revelado em nuances de amarelo, vermelho. Um equilíbrio quase oriental.
Agora, Cole — como ele mesmo admite — persegue a inquietação, lembrando o pintor norte-americano De Kooning (a quem dedicou uma das telas da exposição). Seus quadros revelam o movimento do seu olhar através de pinceladas enérgicas. Abusa das cores e das formas sem preconceitos.
O resultado das viagens do casal também está nas esculturas de Cole montadas, muitas vezes, com pedras e material que vai recolhendo. Cole e Ariane se completam na arte contemporânea pela harmonia das diferenças.

Foco no cotidiano

Paulistano, 42 anos, Sergio Niculitcheff desenha o tempo inteiro. Na prancheta ou na memória. Quando sai pela cidade, leva sempre uma caderneta. Tem inúmeras. Se está dentro do ônibus (não gosta de dirigir) ou em qualquer outro lugar e pinta uma imagem, pega o lápis ou caneta e começa a rabiscar. É deste jeito que nascem inúmeras telas. “Vou anotando para não esquecer”, explica. “São coisas que vejo ou imagino. Para mim, a pintura é uma coisa particular. Independe de estar em São Paulo, embora aqui eu veja muita coisa. Tenho muitas informações e a própria cidade acaba refletindo no trabalho.”
Niculitcheff começou a pintar com 15 anos e não parou mais. Vem participando de diversas exposições individuais e coletivas. Tem obras em coleções do Museu de Arte Contemporânea do Paraná, MAC-USP, MAM do Rio de Janeiro e de São Paulo, Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro e Pinacoteca do Estado de São Paulo. É professor de artes plásticas na UniABC e de pintura no curso livre do MAM de São Paulo.
O que o destaca nas artes plásticas é a disposição de priorizar a forma, o desenho. Niculitcheff elege um objeto do cotidiano e fecha o foco. Um simples pregador de roupa ou uma vassoura ressurgem com magnitude. O artista valoriza cada detalhe. Detalhes que passam despercebidos. Ao pintar um copo de água americano, por exemplo, valoriza cada linha e o objeto fica translúcido. Sai de sua simplicidade e salta para a realidade como uma escultura. É possível identificar até o reflexo da janela em suas bordas. O desenho do pneu com todas as suas fissuras no jogo de luz e sombra ganha mais importância do que o próprio automóvel. Não é o mesmo pneu que se perde pela cidade entre milhares de outros. “A minha proposta é provocar o espectador”, diz o artista. “Quero chamar a sua atenção. É como seu eu dissesse: pare um pouco. Veja esta tampinha de caneta. Só esta tampinha de caneta.”
Em alguns trabalhos de Niculitcheff, o crítico e professor Tadeu Chiarelli detectou, como ele próprio definiu, uma presença sutil de Picasso. “É algo espontâneo. Gosto de Picasso. Quando sinto que pinto alguma coisa relacionada com o trabalho dele, deixo rolar”, justifica o artista. “Acho que ninguém faz um trabalho do nada. Todo mundo tem uma influência durante toda a sua vida. O trabalho surge a partir daí, depois das coisas que aconteceram ou estão acontecendo.”



Arte e arquitetura: questão de cumplicidade

No mundo contemporâneo, o crescente e diversificado processo cultural socializou o espaço vivencial, conferindo-lhe imagens que apontam como o lugar onde o indivíduo veste-se no povo, na multidão e expressa-se em público. Seus anseios, valores, ritos, enfim, suas emoções urbanas colidem-se na mescla de imagens públicas e privadas, no íntimo e no depravado, nos inúmeros mundos da vedação e do permissível, nos signos de solidão individual e do domínio público. Enfim, o personal cedendo ao coletivo. A imagem da cultura urbana, da sociabilidade, tomando o seu espaço.
O reflexo imediato disso na arte contemporânea pós-vanguardista é verificar que cabe ao artista o desafio da atitude criadora de fazer aquilo que julgar interessante. Todavia, um dilema ao espectador: que caminho estético, que regras, que produção deseja ver?
É uma mostra desse desafio que podemos ver na exposição “Redesenho por três artistas” que apresentamos na FAU. Sergio Niculitcheff traz indagações com uma linguagem visual incomum e imagens comuns de domínio e repertório público, obras de outros incorporadas e administradas, além da mera releitura. Obras que são sem título (ele considera que suas obras prescindem necessariamente de títulos) propondo que o observador descubra por si só. Singeleza à parte: assuntos com imagens genéricas, ícones do tempo e do lugar-comum, irônicos ícones.
Curiosa expressão do cotidiano em tons claros e escuros dos volumes, modificando nosso olhar perante a realidade visível: ossos voadores, cubos em expressão quadrada, tampa de caneta, prendedores de roupa, foguete, pingüim de geladeira, pneu, vaso, caracol, fogo... Revisitação mágica alegórica no tempo e no espaço de objetos vistos em qualquer lugar em busca da essência da forma.
Artur Cole discorre de um universo de cores saturadas, extremamente espontâneo e a presença em sua obra do abstracionismo cromático refletindo um certo ar de crueldade. Expõe pouco, apesar de sua grande produção, devido ao seu caráter introvertido, minucioso e cuidadoso. Mas, nas poucas vezes que expõe, sempre desperta os elogios da crítica. Ariane Daniela Cole, doutoranda sob a minha orientação, também tem um olhar muito singular. Fez uma bela exposição individual no Centro Universitário Maria Antonia. Tem uma experiência de intervenções na cidade e uma pesquisa cromática baseada na luminosidade das paisagens urbanas de São Paulo.

Issao Minami é arquiteto, urbanista e professor do curso de graduação e pós-graduação na FAU/USP, onde também é coordenador do Grupo de Disciplinas de Programação Visual do Departamento de Projeto.
 




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