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Com
outros cientistas: um exemplo de interação com
muitas áreas |
Na
manhã da última quinta-feira (16), cientistas e jornalistas
foram surpreendidos com a notícia de que José Reis havia
morrido, vítima de complicações decorrentes de
pneumonia. Médico formado pela Faculdade Nacional de Medicina
e pelo Instituto Oswaldo Cruz, ambos no Rio de Janeiro onde
também atuou como professor secundarista , especializado
em virologia pelo Rockefeller Institute, de Nova York, Estados Unidos,
Reis é considerado o fundador das atividades de divulgação
científica no Brasil. Ele foi o criador de uma escola,
de uma linha de pensamento e de um conjunto de práticas e posturas
críticas diante do mundo, afirma o físico Marco
Antônio Fabro, secretário-executivo do Prêmio José
Reis de Divulgação Científica, concedido pelo
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) desde 1978, em três categorias, através de um
sistema de rodízio anual: divulgação científica,
jornalismo científico e instituição. José
Reis não morreu. Ele pode ter desaparecido fisicamente, mas
sua obra, seu exemplo, sua seriedade e coerência continuam como
metas, parâmetros a serem cotidianamente atingidos por todos
os que lidam com a divulgação e o ensino das ciências
no Brasil, o que garantirá a continuidade de sua existência
agora e no futuro.
Fabro explica que o momento é especialmente triste para a equipe
do prêmio pois, há pouco tempo, foi encontrada a ata
de uma reunião extraordinária ocorrida em 30 de março
de 1977, no CNPq, em Brasília, em que Alfonso Silva, da Organização
das Nações Unidas para a Educação, Ciência
e Cultura, a Unesco, entregou a José Reis o Prêmio Kalinga,
concedido por aquela entidade e pela Fundação Kalinga,
da Índia, para personalidades que tenham contribuído
para a divulgação da ciência. Apesar desse
reconhecimento ter sido concedido em 1975, a entrega ocorreu dois
anos depois, diz. Junto a essas informações,
nesse documento aparece registrada, pela primeira vez, a idéia
de se criar o Prêmio José Reis, no âmbito do CNPq,
o que de fato ocorreu no ano seguinte.
O Kalinga é o mais importante prêmio da área.
Entre os ganhadores encontram-se o filósofo britânico
Bertrand Russell, a antropóloga norte-americana Margaret Mead
e o físico brasileiro Ernst Wolfgang Hamburger, professor do
Instituto de Física (IF) e diretor da Estação
Ciência, ambos da USP, ganhador do ano de 2000.
Muitos em um
Criatividade,
disciplina, determinação, compromisso e muito, muito
amor pelo que fazia. São essas impressões que ficam
ao se analisar o contéudo das linhas e entrelinhas que compõem
os depoimentos das pessoas que conheceram, conviveram ou simplesmente
admiram a obra de José Reis. Médico de formação
e pesquisador, sua profissão inicial, posteriormente divulgador
científico e jornalista, Reis é um dos raríssimos
casos de profissional que transitou por áreas diferentes,
tendo obtido êxito em todas. Muitas pessoas já
tomaram o caminho trilhado por ele, indo escrever em jornais, revistas
ou atuando em rádios e canais de televisão. Mas nenhum
atingiu o seu patamar, pois, quatro anos após se aposentar
no Instituto Biológico, foi nomeado diretor de redação
da Folha de S. Paulo, onde criou a página de ciência,
até hoje publicada diariamente, um feito inédito,
diz Glória Kreinz, coordenadora do Núcleo José
Reis de Divulgação Científica, da Escola de
Comunicações e Artes da USP (ECA). Mesmo tendo
feito tanto, José Reis sempre dizia que se considerava um
pintor e poeta frustrado, pois sua rotina diária de trabalho,
extremamente corrida, o impediu de desenvolver essas atividades,
o que mostra a genialidade desse Da Vinci contemporâneo.
De acordo com Glória, o núcleo foi criado para homenagear
Reis e com o objetivo de permitir uma sistematização
dos estudos de sua obra de divulgação científica,
a qual, na verdade, extrapola esse rótulo e deve ser entendida
como uma obra de criação cultural, de mudança
de paradigmas que ainda hoje norteiam o trabalho jornalístico
juntamente com influências de outros grandes comunicadores
e científico. Somente artigos em jornais são
mais de 5 mil, fora os livros e a criação da revista
Chácaras e Quintais, em 1932, primeira publicação
brasileira de divulgação científica, criada
para ensinar aos sitiantes paulistas, em uma linguagem extremamente
acessível, simples, clara e objetiva, novas técnicas
de combate às doenças que atingiam galinheiros, pesquisadas
por ele e sua equipe no Instituto Biológico, em São
Paulo, informa Glória. Ele acreditava que o cientista
tinha um forte papel no desenvolvimento da sociedade desde que não
se contentasse apenas em pesquisar novos conhecimentos, mas garantindo
formas ou mecanismos para que essas novidades chegassem ao conhecimento
da população.
Logo que retornou dos Estados Unidos, José Reis foi convidado
para trabalhar no Instituto Biológico, onde se aposentou
em 1958. Apesar de ter começado a desenvolver pesquisas na
área básica, as doenças que os avicultores
brasileiros enfrentavam com grande dificuldade para manter as aves
vivas o levaram a se dedicar ao assunto, tornando-se um pesquisador
respeitado internacionalmente, inclusive com a publicação
do Tratado de Ornipatologia, junto com seus assistentes, entre eles,
Paulo Nóbrega e Annita Swenssen Reis, sua esposa, falecida
em 1999.
Sua experiência administrativa no Instituto Biológico
acabou resultando em convite para ser diretor-geral do Departamento
do Serviço Público do Estado de São Paulo,
nas gestões Fernando Costa e Macedo Soares. Nessa esteira,
em 1946, organizou a Faculdade de Ciências Econômicas
e Administrativas, atual Faculdade de Economia, Administração
e Contabilidade da USP (FEA), da qual foi seu primeiro diretor,
unidade que abriga hoje cerca de 2.900 alunos, que se dividem entre
os períodos diurno e noturno.
Dois anos depois, junto com Maurício Rocha e Silva, Paulo
Sawaya, Gastão Rosenfeld, Jorge Americano, José Ribeiro
do Vale, entre outros, fundou a Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência (SBPC), entidade que sempre esteve ligada à
promoção do avanço científico brasileiro,
por meio de uma proposta inovadora, que era a de uma visão
unificada da ciência, com a participação de
todos os pesquisadores, sejam das ciências humanas, exatas
ou biológicas, ou ainda, dos profissionais ligados à
produção cultural por meio da sua atuação
nas artes plásticas, escultura, música, teatro, cinema
ou na mídia (rádio, televisão, jornais e revistas).
Após 1964, já na direção da Folha, se
engajou na luta pela liberdade de expressão e defesa dos
perseguidos, notadamente nas universidades.
Segundo José Fernando Perez, professor do Instituto de Física
da USP e diretor científico da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp),
artigos publicados por José Reis da Folha da Noite (Onde
está a Fundação?, 1949) e na revista
Anhembi (Fundação de Amparo à Pesquisa,
1955) nortearam os princípios de criação da
Fapesp (1962), como a compreensão da natureza de cada pesquisa
e dos rígidos mecanismos de prestação de contas
por aqueles que ela beneficia.
Além dos artigos e do tratado, Reis publicou, em alemão,
o Methoden der Virusforschung(1939), um resumo do que havia de mais
atual sobre as pesquisas com vírus. Adaptou a fábula
da cigarra e a formiga, em que espécies brasileiras entraram
na história, fez traduções de livros sobre
a Teoria da Relatividade, a criatividade, os animais da América
do Sul, agricultura e educação.
Homenagens
póstumas
No
próximo dia 12 de junho, dedicado aos namorados, Reis completaria
95 anos. De acordo com Glória, apesar dele não estar
mais vivo, o ato solene de comemoração, programado
pelo Instituto Biológico, será realizado, como em
todos os anos anteriores. Uma pessoa cheia de vida, de paixão
como ele não poderia fazer aniversário em data diferente.
E entre os dias 26, 27 e 28 de agosto, no Anfiteatro Camargo Guarnieri,
na Cidade Universitária, a USP e a Associação
Brasileira de Divulgação Científica (Abradic)
estarão realizando o I Congresso Internacional de Divulgação
Científica, prestando outra homenagem a esse divulgador do
conhecimento. O evento também já estava programado.
Só não sabíamos que a homenagem seria póstuma,
declara Glória.
Sepultado no Cemitério São Paulo, zona oeste da capital,
José Reis, nascido em 1907 no Rio de Janeiro, estava com
94 anos e deixa dois filhos, Paulo e Marcos, seis netos e uma bisneta.
Nos últimos anos, em decorrência de debilitações
causadas pela idade avançada, vinha adotando um modo de vida
mais reservado. Mas nem por isso deixou de continuar dando sua contribuição
para a sociedade por meio dos artigos que publicava na seção
Periscópio, do caderno Mais! da Folha. Partindo disso, Marco
Antônio Fabro resumiu bem a trajetória de Reis: Poucas
pessoas podem ou conseguem defender seus ideais por tanto tempo,
até o fim.
Os
interessados em obter mais informações sobre o congresso
podem ligar para (11) 3091-4021 ou acessar o site www.eca.usp.br/nucleos/njr.
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