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Panorâmica
do bairro: mudanças radicais |
Enquanto
a alegria de algumas crianças é viajar, acampar, visitar
museus e curtir todas as oportunidades possíveis e imagináveis
numa cidade como São Paulo, para a maioria menos abastada basta
uma tenda de circo, mesmo toda furada e suja, para que pequenos momentos
lúdicos encantem a vida de prazer e felicidade.
Antes do picadeiro aparecer no bairro Cohab Raposo Tavares, o terreno
de 2.400 metros quadrados, localizado no coração do
conjunto habitacional, era um lixão. Tinha espaço para
sujeira mas não para as crianças brincar e deixar, por
alguns momentos, os espaços minúsculos de suas casas.
Foi em 1999 que Sergio Petronio Marques, conhecido carinhosamente
como Toni, aportou no terreno e levantou junto com sua trupe a lona,
o picadeiro e passou a ensinar as crianças a se expressar através
de malabarismos, trapézio, corda marinha, cama elástica
e muitas outras atividades circenses. A partir dessas pequenas
ações a auto-estima das crianças aumentou e elas
ficaram mais responsáveis e menos pessimistas, ressalta
Toni.
Organizados, moradores da Cohab Raposo Tavares vêm há
muitos anos tentando construir algumas alternativas interessantes
no terreno, mas as barreiras burocráticas emperram qualquer
tentativa de mudança. Apostando na mudança da trajetória
do bairro, uma equipe de alunos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da USP (FAU), Departamento de Projetos, sob a orientação
do professor Antonio Carlos Barossi, colocou a mão na massa
e começou a viver a realidade do bairro para traçar
um projeto de centro cultural.
O projeto arquitetônico prevê a construção
de um espaço cultural para atender à demanda significativa
de crianças e adolescentes distribuídos numa população
contada de 7.870 habitantes numa área de aproximadamente 330
mil metros quadrados, que abriga 1.152 apartamentos da Cohab e 422
casas embriões. O ponto fundamental do projeto é oferecer
espaço mais adequado para a realização de atividades
de cultura, lazer e educação que não podem ocorrer
sob a lona do circo por falta de comodidade.
Grande
recompensa
A partir
de uma construção barata mas bem resolvida, os alunos
da FAU sugerem um galpão de 300 metros quadrados, além
de quatro salas de aula, depósito, administração,
banheiros-vestiários e cozinha, ocupando um total de 610
metros quadrados, deixando ainda 30% do terreno para área
de circulação.
Ana Carolina, Andréa Boller, Andréa Bandoni, Daniel
Nobre, Maria Carolina, Maria Cristina Savaia Martini, Mariana Moreno,
Tarsila Kato Barbosa de Oliveira, equipe do Laboratório de
Habitação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,
acreditam que sair dos muros da USP e levar propostas de projetos,
não só arquitetônicos como também de
articulação, numa comunidade do entorno da Universidade,
é uma grande recompensa e aprendizado para quem pretende
ser um profissional mais integrado à realidade brasileira.
Através da bolsa da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão
Universitária, os alunos, além de traçar um
projeto arquitetônico para o terreno do bairro, vão
desenvolver um trabalho acadêmico que inclui a descrição
do contexto, histórico do bairro, leitura topográfica
do local, planta da situação, tudo isso finalizando
num trabalho gráfico riquíssimo em detalhes que ficará
disponível na FAU. A comunidade poderá utilizá-lo
como elemento para a captação de parceiros financiadores.
Segundo o professor Barossi, essa experiência contribui muito,
tanto para os alunos quanto para a Universidade, na medida em que
é feito contato direto com o cliente, ajudando na formação
do aluno. A proposta de integrar projetos da FAU fora dos
muros da Universidade tende a aumentar, pois é uma forma
de enriquecer o aprendizado dos alunos integrando-os ao cotidiano
dos bairros e comunidades, comenta.
Tarsila Oliveira, uma das componentes da equipe e aluna do 5º
ano da FAU, procura fazer um trabalho que não seja confundido
com o assistencialismo que normalmente acontece quando se busca
ajudar uma comunidade carente. Queremos oferecer ajuda num
contexto global, não só elaborando um projeto arquitetônico
mas também apresentando respostas. Participamos do processo
de discussão para entendermos melhor os problemas e com isso
auxiliamos na tomada de decisões.
A equipe da FAU pretende levar adiante uma discussão político-cultural
entre os membros da comunidade para que aprendam a reivindicar e
se situar como cidadãos participativos. Segundo Tarsila,
um trabalho de extensão cultural é importante, principalmente
na FAU, que tem uma carência muito grande na abordagem do
social.
Amor
à arte
A verdadeira
alma circense mora nos pequenos circos, onde o amor à arte
está acima de tudo. Sem nenhum conforto em seu cotidiano,
são esses artistas que levam diversão às cidades
interioranas, onde os grandes circos não vão.
São 61 crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos,
atendidas gratuitamente por Toni que sobrevive do aluguel de uma
segunda lona que reservou para grandes eventos.
Segundo Brasil Sepulveda Júnior, professor de trapézio
e equilibrismo integrante da trupe de Toni, ajudar essas crianças
é gratificante, principalmente porque o circo não
pode morrer, mas está gradativamente ameaçado no País.
Para tentar reavivar o espetáculo circense, buscamos
ensinar essas crianças para que ajudem o circo a não
acabar. Fazemos isso por puro amor à arte, desabafa.
A história de um circense sempre é cercada de muita
aventura. A de Toni não deixa por menos. Aos 10 anos, fugiu
de casa em Vera Cruz porque se encantou com o Circo Giglio que passava
pela cidade. A primeira vez que viu um espetáculo sonhou
em ser malabarista. Assim, perseguiu essa paixão e diz que
a magia do circo está no seu sangue. Mesmo o seu circo tendo
falido, arranja tempo para praticar a arte circense. Transformar
um terreno cheio de lixo e entulho num circo-escola é um
sonho que ainda há de ser real.
Franzina, Viviane dos Santos Caetano, de 12 anos, sobe no trapézio
sem dificuldade nenhuma e passa horas fazendo estripulias no ar.
Enquanto isso, Hosana Martins dos Santos Silva, de 13 anos, pega
a corda marinha e se contorce de um lado para outro, de ponta cabeça,
como se estivesse espreguiçando.
Já Wallison Felipe dos Santos, de 12 anos, fica tão
empolgado com os dias em que tem aula de circo que não perde
uma oportunidade. Faça sol ou faça chuva, venho
sempre fazer exercícios, comenta ansioso.
Uma mudança importante que passou a ser notada depois que
a trupe de Toni aportou no bairro foi o respeito que as crianças
têm pelo grupo. Edith Banina, argentina criado no circo e
terceira integrante da trupe do Toni, já conhece 90% das
crianças do bairro, até participa da reunião
da escola e sabe quem falta e quem não falta às aulas.
Para participar das atividades é obrigatório
ir à escola.
Existem no Brasil, segundo dados da Funarte, cerca de 2 mil circos
de pequeno porte formados na maioria das vezes por uma única
família de quatro a oito pessoas , apenas 60 circos
de médio porte com quatro a cinco famílias
e 38 de grande porte com centenas de profissionais,
como os do Beto Carreiro e Tihany.
Para
contato com o Espaço Cultura, tel. (11) 3784-2114, cel.(11)
9312-9780.
Hoje
não tem marmelada
Os primeiros indícios da arte circense surgiram
na China, onde foram encontradas pinturas de quase 5 mil anos, mostrando
acrobatas, contorcionistas e equilibristas. Nas pirâmides do
Egito também existem desenhos de malabaristas e paradistas.
A acrobacia era uma forma de treinamento para os guerreiros, de quem
se exigia agilidade, flexibilidade e força.
Pesquisadores afirmam que no ano 70 antes de Cristo, em Pompéia,
já existia um enorme anfiteatro destinado a exibições
de habilidades diversas que, mais tarde, seriam caracterizadas como
circenses. Séculos mais tarde, esses anfiteatros deixaram de
ser construídos e os artistas tiveram que se apresentar improvisadamente
em praças públicas e feiras populares.
A estrutura de circo que se conhece hoje espetáculo
pago, cercado por picadeiro, onde se apresentam diversos números
é recente. Foi criada por um cavaleiro inglês,
Philip Astley (1742-1814), entre os anos de 1770 e 1772 em Londres,
Inglaterra. Além de números de equitação,
Astley incorporou ao espetáculo algumas famílias de
saltimbancos que se apresentavam nos teatros e feiras de quermesses
em toda a Europa.
Astley também foi o idealizador do picadeiro em formato redondo.
Essa escolha se baseia na física: é muito mais fácil
se manter em pé sobre um cavalo a galope quando ele corre dentro
de um círculo perfeito, por causa da força centrífuga.
No Brasil, a arte circense já se fazia presente no século
18, quando grupos ciganos fugidos da Península Ibérica
se apresentavam de cidade em cidade, transportados em lombo de burro.
Esses ciganos eram considerados baderneiros e imorais
pela Igreja Católica da época. No século 19,
já se pode contar com a presença de artistas vindos
da Europa, que se apresentavam em praças públicas e
teatros de todo o País (texto retirado da monografia Do outro
lado da lona, de Rodrigo Rodrigues). |