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Homenagem
especial ao centenário de nascimento de Francisco Rebolo,
o porta-voz do Grupo Santa Helena |
Levantavam
cedinho, trabalhavam de sol a sol. Enfrentavam a São Paulo
da garoa com a disposição típica dos operários.
Mas à noitinha, enquanto a cidade dormia, e nas horas vagas
dos fins de semana, eles deixavam de lado o ofício e se dedicavam
à vocação de artista. Pintavam a vida em paisagens,
retratos...
São essas cores e pinceladas de quem encontrou
na arte muito fôlego e disposição que o Museu
de Arte Contemporânea apresenta. Na mostra “Operários
na Paulista – MAC USP e artistas artesãos”, a
ser inaugurada no próximo dia 17, na Galeria de Arte do Sesi,
o público vai poder apreciar um movimento muito singular
da história da arte brasileira. Através de cerca de
cem obras, irá acompanhar a trajetória do grupo Santa
Helena, integrado por Aldo Bonadei (1906-1974), Alfredo Rullo Rizzotti
(1909-1972), Alfredo Volpi (1896-1988), Clóvis Graciano (1907-1988),
Francisco Rebolo Gonsales (1902-1980), Fulvio Pennacchi (1905-1992),
Humberto Rosa (1908-1948), Manoel Martins (1911-1979) e Mário
Zanini (1907-1971).
Sob a curadoria das pesquisadoras e professoras
Elza Ajzenberg e Daisy Peccinini, a mostra é também
uma homenagem muito especial ao centenário de nascimento
de Francisco Rebolo. Foi organizada em três eixos principais:
a questão social, o ofício de artista e a modernidade.
Além do acervo do MAC, há obras de coleções
públicas (Instituto de Estudos Brasileiros e Palácio
do Governo do Estado de São Paulo) e particulares. “‘Operários
na Paulista’ mostra a união desses artistas ligados
por trabalhos de simples pintura de paredes ou de decoração
de residências em sua luta contra os limites dos preconceitos
acadêmicos para, através da arte, conquistar o seu
campo de luta para sobrevivência”, afirma Elza, também
diretora do MAC. “Voltados ao seu ofício, à
necessidade associativa, ousaram partir de um aprendizado básico
com o objetivo comum de fazer pintura, de sobreviverem como operários
da própria arte.”
Elza explica que, diante das ousadias da fase pioneira
do Modernismo, a arte, pouco teórica e bastante prática,
se desenvolve no Brasil desde 1930. “Calcada na visão
direta do ambiente natural, humano e social, pertence a um quadro
histórico e a uma política desfavorável à
liberdade cultural. Entretanto, tem ganhos no processo de renovação
plástica do País e nas buscas sociais da arte. Essa
afirmação apóia-se no espírito de união
dos artistas. Por eles foram criados vários grupos relevantes
para a trajetória da arte moderna que enfrentava a oposição
das tendências acadêmicas. Entre os grupos, um dos mais
consistentes é o Santa Helena.”
Artistas proletários
Volpi, Rebolo e Zanini eram pintores de parede;
Rizzotti, torneiro-mecânico; Bonadei, bordador; Pennacchi,
açougueiro; Manoel Martins, aprendiz de ourives e Graciano,
ferroviário e ferreiro. Apesar do trabalho duro, eles sempre
encontravam um tempo para a própria arte, mesmo que fosse
para ficar pintando pelas madrugadas. Por essa dedicação,
o escritor, jornalista e crítico Mário de Andrade
os chamava de artistas proletários. Eles decidiram se reunir
a partir de 1934, mas foi no ano seguinte que o grupo começou
a tomar forma. Encontravam-se no ateliê que Rebolo mantinha
no antigo número 43 da Praça da Sé, no palacete
Santa Helena (demolido em 1971). Depois, resolveram montar os seus
próprios ateliês nas salas desse mesmo prédio.
Daí o grupo ser batizado de Santa Helena.
“Na visão de Rebolo, o Santa Helena
não começou como um movimento. Foi transformado em
movimento pelos intelectuais”, observa Elza Ajzenberg. “O
grupo era constituído por artistas que mantinham entre si
um forte laço de união e amizade. Também não
gostavam dos acadêmicos e queriam a pintura verdadeira que
não fosse anedótica ou narrativa.” Ou, como
definia Rebolo, queriam a pintura pela pintura. “Eles aproximaram-se
espontaneamente uns dos outros, identificados pela origem social,
por vivências artísticas ou artesanais.”
A diretora
Elza conta que, além do companheirismo, os artistas operários
se uniram também no aprendizado. “Eles trocavam informações.
Tinham aulas de desenho e se esforçavam para aprender. Esse
aprendizado, no entanto, não se compara com a experiência
internacional dos primeiros modernistas, residentes em Paris e em
outras cidades ou freqüentadores assíduos do ambiente
artístico europeu. A formação do grupo Santa
Helena realizou-se no próprio ambiente paulistano, com absorção,
principalmente, das culturas italiana e francesa.”
Os artistas saíam da Praça
da Sé com telas e pincéis debaixo do braço.
Atravessavam a cidade para registrar cenas simples do cotidiano,
paisagens e o desenvolvimento de São Paulo |
Daisy
Peccinini lembra que o tema da exposição foi delineado
em naturezas-mortas; paisagens urbanas, suburbanas, rurais e litorâneas;
e figuras como retratos, cenas religiosas, reuniões e festas
populares. “Todos os elementos da exposição
convergem para o delineamento da significativa contribuição
desses artistas para a formação de uma escola paulista,
como afirmava Mário de Andrade, ou mesmo para a configuração
de um capítulo especial, de caráter paulistano, da
história da pintura da modernidade no Brasil.”
Os santelenistas buscaram caminhos próprios
para se aprimorar na arte e na técnica. Alguns chegaram a
estudar no exterior. Outros cursaram a Escola de Belas Artes e há
os autodidatas. “O que predomina nesses artistas é
o esforço pessoal de aprimoramento somado aos ganhos da atividade
conjunta”, observa Daisy. “Recolhidos em busca de aperfeiçoamentos
técnicos, sem reconhecimento crítico, ignoravam as
manifestações vanguardistas. Possuíam, contudo,
vocação de artistas e eram guiados por um instinto
criador que os conduziria afinal à profissionalização
e, posteriormente, à consagração pela crítica.”
“Operários na Paulista” traz
também a importância da presença dos imigrantes
na cultura brasileira e no desenvolvimento da cidade. “A exposição
vem lembrar os registros realizados em um período em que
a metrópole paulista passava por um período de desenvolvimento
intenso”, acentua Elza. “Os santelenistas correspondem
à situação sociocultural de uma metrópole
em rápida expansão, com forte presença italiana.
Volpi e Pennacchi são italianos, enquanto Bonadei, Graciano,
Rosa, Rizzotti e Zanini são filhos desses imigrantes. Rebolo
é descendente de espanhóis e Manoel Martins, de portugueses.”
“Operários na Paulista – MAC USP e artistas
artesãos”, exposição do Grupo Santa Helena.
Galeria de Arte do Sesi, na avenida Paulista 1313. De terça
a sábado, das 10 às 20 horas, e domingo, das 10 às
19 horas, telefone (11) 3146 7405.
São
Paulo sob o ritmo da arte.
Ou a arte sob o ritmo de São Paulo
A cidade
e a arte cresceram juntas. Em ritmo acelerado. Enquanto São
Paulo se desenvolvia a cada dia, a arte em passos apressados registrava
o cotidiano da cidade. Seus operários – Rebolo, Pennacchi,
Volpi, Graciano, Bonadei, Martins, Zanini, Rosa e Rizzotti –
participavam dessas mudanças pintando as casas, decorando
as igrejas, trabalhando nas fábricas, no comércio.
Mas foi o olhar atento e sensível captando e registrando
as transformações de São Paulo que fez desses
operários os artistas singulares do Grupo Santa Helena.
É
exatamente o clima da cidade, do trabalho e da arte que o Museu
de Arte Contemporânea vai apresentar na exposição
“Operários na Paulista”. Com muita sensibilidade,
a diretora do MAC e curadora Elza Ajzenberg procurou lembrar a praça
da Sé do tempo em que os pintores do palacete Santa Helena
se movimentavam com suas telas debaixo do braço, atravessando
os bairros em busca de uma cena diferente. “Nós procuramos
montar simbolicamente a praça no centro da galeria. As obras
estão no espaço como se fossem janelas. Elas se abrem
para a cidade desses pintores”, explica Elza. “Através
dessas telas é possível comparar também a São
Paulo que cresce com os seus primeiros prédios e aquilatar,
no momento presente, o traçado dos bairros e regiões
suburbanas. Cenas populares de bares e ruelas convidam à
memória histórico-social.”
A pesquisadora
conta que, em 1940, cerca de 30 mil veículos trafegavam em
São Paulo, onde surgiam problemas de estacionamento. “Para
resolvê-los, o largo da Sé já se havia transformado
numa imensa garagem de carros.” Lembra que a paisagem urbana
começou a mudar com obras gigantescas. “Entre
1935 e 1938, iniciaram-se volumosas construções: o
Estádio Municipal, o novo Viaduto do Chá, a avenida
9 de Julho, a Biblioteca Municipal, a Universidade de São
Paulo e a avenida Ibirapuera. No começo da década
de 1940, a capital paulista já era a cidade que mais crescia
no mundo em área e população. Era o maior centro
industrial da América Latina. Possuía 12 bibliotecas,
10 estações de rádio e 70 cinemas e teatros.”
“Operários
na Paulista” vem acompanhada de importante material bibliográfico,
incentivando interfaces para novas pesquisas. “Os textos situam
o grupo na época de consolidação do movimento,
bem como ampliam as contribuições sobre vários
artistas envolvidos nesse contexto”, observa Elza. “Essa
mostra é fruto de vários anos de reflexões
de pesquisadores que desenvolveram teses e ensaios e realizaram
levantamentos de obras e coletas de depoimentos sobre esse grupo.”
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