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Confusão no trânsito pelas lentes de Ana Aranha e fotografias prosaicas de pessoas carregando coisas e até crianças , clicadas por Fernanda Sucupira
Presos ao fardo que a vida nos obriga a carregar. É essa a sorte a que parecemos estar condenados, cumprindo um movimento de vaivém que a rotina pesada das grandes metrópoles impõe. Vamos, mas, ao mesmo tempo, somos coagidos a ir, somos carregados pelas imposições da vida urbana. As lentes fotográficas de Fernanda Sucupira e Ana Aranha captaram, nas calçadas e nas ruas, situações que fazem refletir sobre como somos levados, ao mesmo tempo em que levamos a vida.
Powaqatsi (1988), filme de Godfrey Reggio, que mostra como as pessoas estão presas a uma vida que não escolheram e se condicionam a viver dessa forma angustiante, foi o ponto de partida das estudantes de Jornalismo da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP – no ano passado, o trabalho final da disciplina Fotojornalismo era um ensaio fotográfico que deveria remeter a alguma idéia do filme.
“Tira foto ali dos vitrais” foi a frase que Fernanda ouviu de um senhor idoso no Mercado Municipal, onde tirava fotografias para seu ensaio Os ombros suportam o mundo, que reúne imagens de pessoas que carregam coisas. Enquanto Fernanda se preparava para fotografar homens transportando caixas, o senhor não entendia como alguém podia achar aquilo interessante a ponto de ser registrado. Não acreditava que o que havia feito a vida toda podia ser suficientemente belo para render boas imagens. “Tirei fotografias de coisas prosaicas e as pessoas não entendiam como eu podia ver beleza nelas”, afirma Fernanda.
Além do Mercado Municipal, nas calçadas da Pompéia, da Paulista e do centro, trabalhadores cumprem suas funções ao transportar mesas, cabos, sacos pesados. Powaqatsi começa com cenas dos homens que trabalhavam no garimpo em Serra Pelada. “Foi como se eu visse essas pessoas carregando um fardo.” A primeira imagem que tirou – um menino engraxate que transportava seu caixote de trabalho – reiterou essa idéia.
Se na calçada as pessoas transportam coisas, olhando para a rua vemos a perturbação caótica do trânsito, pessoas sendo levadas por carros e conduções. Olho da rua, ensaio de Ana Aranha, capta essa confusão pelo olhar de quem está dentro do carro. A bagunça das ruas resultou numa desordem intrigante, fazendo aflorar o sentimento de que não há escapatória. “O fardo que carregamos, ao mesmo tempo, nos envolve e nos abarca”, explica.
Em suas imagens, as pessoas aparecem presas a essa condição imposta, dentro dos espelhos retrovisores, dentro dos ônibus, nos pontos à espera de condução. Todas as fotografias foram tiradas enquanto Ana cumpria sua longa jornada diária dentro de seu veículo.
“Os outros carros e as pessoas parecem comprimidos dentro das fotos. Tudo parece aprisionado, como num lugar de opressão”, diz Ana. O mundo visto por janelas que, ao mesmo tempo que isolam o homem, criam mundos particulares.
E se “o mundo não pesa mais que a mão de uma criança” – como no poema de Drummond que empresta o título ao trabalho de Fernanda – o mundo de cada um é repleto de fardos pesados demais para carregar. Seguimos, porém, levando a vida. E como finaliza o poeta, “a vida apenas, sem mistificação”.

A mostra abre nesta quinta, às 19h30, no Espaço D’Ávila do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA/USP (av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, Bloco A, Cidade Universitária, tel. 3091-4112). Visitação de segunda a sexta, das 8h às 22h50, com entrada franca.

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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