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Folegatti: implementando programa de controle

A Prefeitura do Campus Luiz de Queiroz (PCLQ) e a diretoria da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP estão implementando diversas medidas preventivas para conter uma infestação de carrapatos no campus de Piracicaba. Alguns dos parasitas encontrados são da espécie Amblyomma cajennense, também conhecido como carrapato-estrela ou carrapato-de-cavalo. Quando infectado pela bactéria Rickettsia rickettsii (riquétsia), o ácaro pode causar a febre maculosa que, se não tratada adequadamente, pode levar à morte. “Várias providências foram tomadas para conter a infestação”, afirma o prefeito do campus, professor Marcos Vinícius Folegatti. Segundo ele, os parasitas estão sendo coletados para identificar as espécies e determinar a porcentagem de carrapatos infectados com a riquétsia.

“A febre maculosa foi associada à presença de capivaras no campus, mas é necessário realizar uma série de estudos para confirmar essa hipótese”, diz o prefeito. Ele explica que os hospedeiros primários desse carrapato são os cavalos. Os hospedeiros secundários incluem animais silvestres (cotias, tatus, gambás, capivaras, tamanduás); aves silvestres (siriemas); aves domésticas (galinhas e perus); outros mamíferos (cães, bois, carneiros, cabras e porcos) e também animais de sangue frio como anfíbios e répteis.

As causas da infestação estão sendo investigadas. Um grupo de trabalho composto por técnicos da Superintendência de Controle de Endemias (Sucen), professores e alunos da Esalq, docentes da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP e funcionários da Prefeitura do campus irá monitorar a população de carrapatos do local. O monitoramento consiste na coleta de parasitas em 12 áreas ecologicamente distintas do campus e a definição desses pontos foi feita de acordo com o tipo de ambiente (capoeira, pasto sujo, pasto limpo) e de animais que visitam esses locais (capivaras, eqüinos, bovinos). Em cada um desses locais foram instaladas seis armadilhas de gelo seco, que ao liberar o CO2, atraem o ácaro.

“O monitoramento permitirá saber quais espécies de carrapato habitam o campus e quantificará os parasitas infectados pela bactéria”, afirma Gilberto de Moraes, professor do Departamento de Entomologia, Fitopatologia e Zoologia Agrícola da Esalq e membro do grupo de trabalho. Segundo Moraes, também será possível compreender o papel exercido pelas capivaras. “Talvez elas apenas contribuam para a dispersão do carrapato, pois costumam percorrer áreas de um raio de aproximadamente 12 quilômetros.”

Inimigos naturais

O carrapato-estrela é o principal vetor da bactéria que causa a febre maculosa no Brasil. O parasita necessita de três hospedeiros para completar seu ciclo. Fêmeas infectadas transmitem a Rickettsia rickettsii aos ovos. Inicialmente, elas colocam de 3 a 4 mil deles no chão. Nascem os carrapatinhos ou micuins, que sobem em plantas à espera de um hospedeiro. “Pode ser um cavalo, uma capivara ou outros animais”, explica Moraes. “O micuim se alimenta do sangue deste hospedeiro durante alguns dias, em seguida desce ao solo e muda de pele. Procura um novo hospedeiro, alimenta-se do seu sangue e chega à fase de ninfa. Mais uma vez desce ao solo, sobe em um outro animal e chega finalmente à fase adulta, quando procurará um novo hospedeiro e começará a produzir ovos, reiniciando o ciclo.”

As capivaras do campus de Piracicaba e o anúncio do problema: áreas restritas e prevenção

O professor Gilberto Moraes acredita que o aumento numérico de carrapatos pode estar associado a fatores ambientais ou à queda da população de inimigos naturais, como formigas, aves, anfíbios e ratos. Moraes trabalha com a hipótese de que a escassez de chuvas no ano passado tenha causado alterações no ambiente contribuindo para a infestação. “É uma conseqüência de longo prazo. Os inimigos naturais do ácaro também podem ter sofrido uma diminuição de população a ponto de facilitar o aumento da quantidade de carrapatos neste ano .”
Há registros de febre maculosa no Brasil desde o século passado. É uma doença silvestre rara que, quando não tratada, pode matar. Em meados de agosto, um menino de seis anos foi picado por alguns carrapatos ao passear pelo campus de Piracicaba. Filho de um docente do Departamento de Zootecnia da Esalq, a criança morreu no dia 22 de agosto deste
ano em decorrência da doença. “Foi o segundo caso registrado em Piracicaba. O primeiro aconteceu há 60 anos”, comenta o médico sanitarista João Augusto Scarazatti, coordenador do Departamento de Vigilância em Saúde da Secretaria Municipal de Saúde de Piracicaba. Segundo ele, um caso de febre maculosa foi detectado em Limeira, em 2000. Um outro ocorreu em Araras, em 1996. “Historicamente, a doença não é epidêmica. Nunca houve um grande número de registros em um único local.”

A doença é transmitida quando o carrapato infectado com a riquétsia suga uma pessoa por um período de quatro a seis horas. Na corrente sanguínea, as bactérias usarão as células brancas para se replicar. Os primeiros sintomas aparecem de dois a 14 dias após as picadas. O infectologista Tufi Chalita, médico do trabalho da Unidade Básica de Atendimento à Saúde (Ubas-Piracicaba), explica que nos primeiros cinco dias os sintomas são febre acima de 38,5 graus, dores no corpo e de cabeça e conjuntivite. Em seguida, pneumonia e manchas avermelhadas (máculas) que surgem inicialmente na palma das mãos e nas plantas dos pés, e vão se espalhando em direção ao tronco. “A quantidade de riquétsia transmitida, a virulência da cepa, a idade do paciente e imunodepressão são alguns fatores que podem contribuir para a gravidade da infecção. Porém, se diagnosticada adequadamente, a febre maculosa é totalmente curável”, afirma o infectologista. Quando não tratada, a doença provoca falha em múltiplos órgãos. A moléstia não é contagiosa e não existe vacina. O tratamento é feito com cloranfenicol ou tetraciclinas.

Inquérito sorológico

A Prefeitura do campus e a diretoria da Esalq realizaram uma reunião, no dia 3 de setembro, com representantes da Vigilância Epidemiológica, da Prefeitura Municipal de Piracicaba, da Sucen, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Centro de Controle de Zoonoses, docentes da Esalq e da FMVZ, e de médicos infectologistas. “O Ministério da Saúde recomenda que, uma vez detectada, a febre maculosa exigirá uma série de procedimentos preventivos”, afirma o prefeito do campus, Marcos Vinícius Folegatti.

A Sucen está realizando a coleta do sangue da população que freqüenta o campus. “O inquérito sorológico permitirá saber se existe alguma pessoa infectada pela bactéria”, afirma Gláucia Perecin, enfermeira da Secretaria Estadual de Saúde. Ela explica que três áreas de risco foram definidas no campus. A primeira, das capivaras. A segunda, de bois e cavalos, e a terceira, da colônia de moradores. Para cada uma delas foram escolhidas aleatoriamente 35 pessoas que freqüentaram a respectiva área. “Conseguiremos detectar nessas 105 amostras os riscos de infecção em cada grupo”, diz Gláucia. A coleta sorológica está na fase final e a enfermeira acredita que dentro de um mês sairá o resultado. “Com base nele faremos um relatório que orientará as próximas decisões da PCLQ, da Esalq e da Secretaria de Saúde.” O campus de Piracicaba tem cerca de 4 mil pessoas, entre professores, pesquisadores, alunos e funcionários.

A Secretaria Municipal de Saúde distribuiu um boletim informativo para todos os médicos de Piracicaba explicando os sintomas da doença e o tratamento adequado para a febre maculosa. Em conjunto com a Prefeitura do campus, foram confeccionados panfletos ensinando a população a prevenir a doença, que foram distribuídos em postos de saúde, prontos-socorros, na periferia da cidade e no campus universitário. “As medidas são eficientes para evitar novos registros da febre. E, se houver, o paciente poderá ser curado”, afirma o médico sanitarista João Augusto Scarazatti.


A questão das capivaras

 

O prefeito do campus, professor Marcos Vinícius Folegatti, acredita que a implantação de um Projeto de Adequação Ambiental contribuirá muito para resolver o problema do aumento da população de capivaras no campus. “Ela não gosta de mata fechada, porque lá ela não encontra o alimento de que precisa. Com a recomposição das matas ciliares no entorno do rio conseguiríamos controlar não apenas a população de capivaras que freqüenta o campus, mas também a que vive nesta região do rio Piracicaba”, afirma Folegatti. As capivaras costumam ficar em bandos na área do reservatório natural de água do campus, muito próxima ao rio.

Para Folegatti, a retirada indiscriminada e aleatória das capivaras do reservatório pode até piorar o problema. “Vários estudos mostram que o macho predominante desses bandos consegue cobrir até 30% das fêmeas. Quando esses animais são retirados, outras capivaras chegam ao local e os novos machos que surgem acabam conseguindo cobrir 100% das fêmeas. O aumento populacional é intenso”, diz o professor.

As capivaras do campus são monitoradas desde 1998. Segundo o professor Luciano Martins Verdade, do Departamento de Zootecnia da Esalq, “o projeto foi iniciado porque muitos agricultores da região começaram a ter problemas com suas lavouras, que eram atacadas por esses animais. O mesmo aconteceu com algumas plantações do campus”. A base alimentar desses roedores de hábitos noturnos é composta por gramíneas e as áreas de pastos e plantações são bastante atraentes para eles.

Apesar de não ser possível definir o número exato de roedores que freqüentam o campus, o professor Folegatti afirma que, proporcionalmente, existem mais capivaras na área do reservatório de água do campus do que no Pantanal. “Aqui o animal encontra um lugar apropriado para reprodução e para se alimentar. Não há predadores naturais, ao contrário do que acontece no Pantanal, que tem um índice de capivaras de 0,1 por hectare. Aqui são 10 roedores por hectare”, explica o prefeito do campus.

Desde 2001, o Departamento de Zootecnia da Esalq, em parceria com o Laboratório de Ecologia Animal da Escola, conseguiu do Ibama a autorização para o abate de 50 capivaras. “A FMVZ recebeu 25 animais para estudo e o restante ficou na Esalq”, conta o professor Luciano Martins Verdade. Segundo ele, vários estudos tentam descobrir a relação exata entre o aumento populacional de capivaras, a infestação de carrapatos e a febre maculosa. Martins Verdade cita a quantificação de Rickettsia rickettsii no roedor. “Ainda não foi comprovado se a capivara é ou não um reservatório da bactéria.” O professor diz que esses exames são complexos, mas são necessários inclusive para investigar uma suposta relação entre os roedores e surtos de leptospirose. “A questão deixa de ser um problema agrícola e torna-se um problema de saúde pública.”


Cuidados com a prevenção

Inúmeras medidas preventivas foram tomadas pela Esalq e pela Prefeitura da USP de Piracicaba quando houve a confirmação do caso de febre maculosa contraída no campus. Além de contatar órgãos como a Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado da Saúde e outros, vários e-mails foram encaminhados para alunos, professores e funcionários do campus. Um deles, com data do dia 26 de agosto, informa sobre a infestação de carrapatos e que estes podem transmitir doenças. “Até o presente momento não temos a confirmação de nenhum caso de febre maculosa no campus, entretanto, uma série de medidas preventivas estão sendo tomadas”, diz o texto do e-mail.

O comunicado também indicava, entre outras medidas, evitar áreas gramadas, pastos, matas ou mesmo ruas de terra, restringindo-se a ruas asfaltadas. Alunos e funcionários, caso necessitassem desenvolver atividades no campo, deveriam utilizar um macacão de peça única e de cor clara e bota plástica branca — para facilitar a visualização — a fim de evitar o contato do carrapato com a pele. Ao voltar das atividades, a pessoa deveria realizar uma auto-inspeção para retirada de eventuais parasitas. Caso encontrasse algum ácaro, a remoção deveria ser feita com auxílio de uma pinça, com leves torções e o carrapato nunca deveria ser esmagado com as unhas. Vários informativos dirigidos à comunidade abordaram a infestação dos parasitas, o aumento da população de capivaras, os sintomas e o tratamento adequado para a febre maculosa. Também foi encaminhado um e-mail contendo informações da Sucen sobre a doença.

Desde então, essas e outras ações preventivas se intensificaram. O prefeito do campus, professor Marcos Vinícius Folegatti, conta que na reunião realizada no dia 3 de setembro, algumas estratégias de ação foram definidas. Segundo ele, foram apresentados diversos aspectos relativos à febre maculosa, ao ciclo vital do carrapato e seus hospedeiros primários e secundários. O encontro também abordou informações sobre o estado populacional de capivaras. Folegatti afirma que grupos de trabalho foram designados para monitorar os parasitas do campus, realizar levantamento sorológico de pessoas que estiveram em áreas com alta concentração do ácaro e definir, com o Ibama, formas de intensificar técnicas de redução populacional das capivaras. “Outros estudos também foram considerados necessários, entre eles, o levantamento sorológico de eqüinos e de animais silvestres, pesquisas sobre as relações capivara/carrapato e destes com a bactéria Rickettsia rickettsii, e a relação entre o parasita e o ambiente.” Também foi elaborado e distribuído no campus e na cidade material informativo sobre a febre maculosa.

Folegatti conta que, atualmente, o aspecto preventivo continua sendo bastante destacado. Segundo o prefeito, o campus não chegou a ser fechado ou interditado em nenhum momento. “Algumas áreas específicas continuam com acesso restrito para evitar o contato das pessoas com os carrapatos.” O número de visitantes do campus — que nos finais de semana chegava a receber quase 2 mil pessoas — também foi bastante reduzido.

De acordo com o prefeito, está sendo utilizado o fungo metarhizium (controle biológico) para tentar diminuir a infestação de carrapatos. Segundo o professor, é uma medida de longo prazo, mas alguns estudos mostram que o fungo é eficiente para tratar lavouras infestadas por cigarrinhas. “Também estamos intensificando as pulverizações de cavalos e bois com produtos sistêmicos a cada 15 dias e pretendemos utilizar coleiras com carrapaticidas sistêmicos em cães e gatos que vivem no campus”, afirma o prefeito. “Estamos convencidos de que é necessário implementar um programa de controle que deverá ser feito inclusive nos próximos anos para evitar novas infestações”, conclui Folegatti.

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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