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l972: (da esq.) Laudo
Natel, Guerra Vieira (lendo), Miguel Reale, José Pelúcio
(Finep) e Lucas Nogueira Garcez (cabelos brancos) |
As
escolas de nível superior concorrem para o desenvolvimento
do País quando, além do diploma, dão competência
a seus alunos. O primeiro emprego pode-se ganhar com o diploma,
mas o segundo só a competência garante, pois o mercado
está atento e sabe fazer a seleção. Lição
do Professor Emérito e Guerreiro da Educação
Antonio Hélio Guerra Vieira, que na sexta-feira (18) recebeu
o prêmio com essa denominação conferido pelo
Centro de Integração Empresa-Escola (Ciee) e o jornal
O Estado de S. Paulo. Guerra Vieira é presidente do Instituto
de Engenharia de São Paulo, ex-reitor da USP, ex-diretor
da Escola Politécnica e como professor e engenheiro tem relevantes
trabalhos na área de computação e telecomunicações.
Sempre
ressalvando que se referia a escolas de engenharia — embora
suas observações valham para todas os estabelecimentos
de ensino — fez referência à proliferação
de instituições particulares que “sobrevivem
pelo poder cartorial de assinar diplomas”, documento que “antigamente
era indicador de competência”. Defendeu também
os cursos seqüenciais, afirmando que já no segundo ano
o jovem estudante domina as tecnologias de vanguarda e segurá-lo
na escola por mais dois ou três anos, quase como reserva técnica
até a entrega do diploma, sai caro. “Os meninos são
ansiosos por trabalhar e querem ganhar dinheiro logo.”
O homenageado
com o “Oscar da educação nacional” —
como o troféu é definido pelo presidente do Ciee,
Luiz Gonzaga Bertelli — considera impossível dissociar
o trabalho do professor do profissional: “Os professores têm
que ser profissionais militantes”. Associação
que ele mesmo praticou na longa carreira na Poli. Há 30 anos
sua equipe iniciava o desenvolvimento de computadores, recebendo,
o primeiro, o nome de Patinho Feio, que Guerra Vieira considera
um mero exercício acadêmico que teve mais influência
política do que tecnológica, pois chamou a atenção
do País e rendeu muitos recursos à Poli. Na versão
moderna, os computadores são a base para as telecomunicações
que, na Poli, evoluíram para sistemas digitais e desenvolvimento
de centrais telefônicas.
Guerra
Vieira conta que começou a se “digitalizar”,
envolver com circuitos lógicos e as preliminares da computação,
a partir de 1965, depois de dois doutorados, na França e
na USP. Nos anos 70, sua equipe já estava capacitada a construir
computadores e era necessário criar cursos voltados para
a fase da digitalização. Criou então três
opções — Sistemas Digitais, Mecatrônica
e Engenharia de Computação. “Os três cursos
são hoje a pole position da Politécnica. Têm
o maior número de opções no vestibular.”
No
currículo do professor está o mérito de ter
sido um dos criadores da Fundação para o Desenvolvimento
Tecnológico da Engenharia (FDTE), que este ano completa três
décadas de criação. “A fundação
viabilizou a Escola Politécnica e o modelo foi rapidamente
adotado por outras unidades da USP.” Foi na sede da FDTE que
Hélio Guerra Vieira falou ao Jornal da USP.
Histórias
de reitor
De
1980/82 Guerra Vieira foi diretor da Politécnica, mandato
interrompido para assumir a Reitoria da Universidade. “Como
já estava perdido mesmo (aceitando o cargo de diretor), fui
ser reitor”. Era a época em que começava o processo
de abertura política, “que tinha de ser administrada
também na USP, porque a esperança era passar do autoritarismo
para um regime democrático sem trauma”, conta o professor.
“A USP”, prossegue Guerra Vieira, “é uma
panela de pressão. É nela que o pessoal faz até
experiências. Notava-se claramente que um grupo queria criar
um drama, incidentes, com provocações violentas. Cabia
ao reitor a opção entre reprimir a invasão
da Reitoria ou administrar a situação até se
normalizar.”
Acrescenta
o ex-reitor: “Uma coisa para mim foi sagrada: nunca deixei
de ir ao gabinete do reitor e o gabinete nunca foi invadido. Era
um ponto de honra: impedir que eu trabalhasse, só passando
pelo meu cadáver. Não que eu seja muito corajoso,
mas ocupava um cargo que exigia essa atitude. Deu certo, graças
a Deus”.
Guerra
Vieira conta que nesse tempo surgiu o PT (Partido dos Trabalhadores).
“O PT nasceu em grande parte na USP. Aquela turma estava um
pouco praticando em ambiente onde não seria reprimida, presa
ou ameaçada. Foi interessante.” Havia então
na USP um grupo aparentemente encarregado de fazer triagem ideológica
dos que estavam em processo de contratação. Era chefiado
por um militar, funcionário da Cesp. “Fui perguntar
ao Tuma (hoje senador Romeu Tuma) quem era aquela gente. ‘Esse
pessoal foi plantado em certa época e continua aí
porque a USP aparentemente não teve coragem de mandá-los
embora’, disse Tuma. Não tive dúvida: mandei
todos embora. Devolvi o militar para a Cesp. O homem já morreu,
coitado.” Depois disso, Guerra Vieira disse que contratou
todas as pessoas cujos processos estavam parados nas gavetas da
turma da Cesp. “Eu até brinquei: dez ou 20 comunistas
a menos não farão diferença. Eram pessoas sérias,
que depois se recusaram a depor contra mim no processo de queima
de arquivos.”
Esse
processo ele explica também. Tratava-se de cópias,
fichas dos órgãos de repressão. “Mandei
queimar. A lei mandava que, quando a autoridade tivesse cópias
de documentos que não pretendia usar, tinha a obrigação
de queimá-las e eu queimei. Os originais estavam com o governador
Franco Montoro.” Um procurador mandou arquivar o processo.
“Mas essa história me chateou muito”, confessa
o ex-reitor.
De
duas coisas Guerra Vieira diz ter orgulho: haver acabado com a triagem
ideológica na USP e administrado a abertura democrática
sem traumas.
Jornal
da Universidade
Foi
na gestão do reitor Hélio Guerra Vieira que nasceu
o Jornal da USP. Dezoito anos depois, o professor faz elogios à
publicação: “ Ficou rico, certamente tem um
belo orçamento e a maior universidade do Brasil merece. Do
ponto de vista gráfico é um jornal de luxo. A produção
é linda, não há o que melhorar. As reportagens
são feitas com competência. Caracteriza-se
como um bom semanário cultural”.
O ex-reitor
diz ser leitor assíduo do Jornal da USP e o compara com o
caderno de fim de semana da Gazeta Mercantil, do qual o professor
aprecia os artigos reproduzidos da imprensa internacional. “Mas
agora aparece quase só produção nacional mesmo.”
O ex-reitor
considera necessária a divulgação das pesquisas
que se fazem na Universidade, porque elas são pagas por toda
a sociedade na forma de impostos. “É preciso prestar
contas.” E faz um alerta: “É difícil fazer
uma divulgação eqüitativa, pois em toda atividade
humana há pessoas mais agressivas, no bom sentido, e os quietinhos,
que trabalham em silêncio. O jornal precisa fazer justiça,
divulgando o trabalho de todos”.
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