Apresentada
na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da USP, a dissertação
de mestrado “Aderência a atividade física em
mulheres submetidas a cirurgia por câncer de mama” –
escrita pela enfermeira Maria Antonieta Spinoso Prado sob a orientação
da professora Marli Villela Mamede – foi um dos quatro projetos
de pesquisa selecionados pelo Sistema Único de Saúde
(SUS) em todo o Brasil como “experiência inovadora”,
dentro do subprojeto Fomento, análise, avaliação
e disseminação de experiências inovadoras. O
objetivo dessa iniciativa do SUS é descobrir e apoiar as
alternativas encontradas por municípios e Estados para resolver
problemas de saúde através de novas tecnologias assistenciais.
Em
setembro a autora e sua orientadora foram a Brasília apresentar
os resultados da pesquisa no “Seminário Nacional de
Experiências Inovadoras do SUS”. Segundo o Ministério
da Saúde, o trabalho desenvolvido na USP de Ribeirão
Preto chama a atenção para os “aspectos biológicos,
psicológicos e sociais do adoecer, que também traduzem
a integralidade, resgatando o olhar das pacientes sobre as intervenções
propostas para o seu tratamento”. O grande diferencial dessa
proposta, de acordo com Marli Mamede, foi mostrar que, mesmo focando
a reabilitação física, não se perdeu
de vista a questão da integralidade da assistência,
compreendendo o espaço de vida do indivíduo como um
todo. A idéia é que esse trabalho sirva de referência
para outros centros.
Atenção
integral
As
equipes de saúde têm dedicado atenção
especial aos efeitos físicos provocados pelo tratamento do
câncer mamário na mulher, em geral aqueles resultantes
de mastectomia (cirurgia para retirada total ou parcial da mama),
principalmente os acompanhados de radioterapia. Os exercícios
físicos, nesses casos, melhoram os movimentos dos braços
e podem diminuir os linfedemas (edemas no braço causados
pela retirada dos vasos linfáticos), pois ajudam a desenvolver
canais linfáticos colaterais nos ombros e escápulas,
assumindo o trabalho dos canais danificados pela cirurgia.
Mesmo
com esses benefícios, pesquisadores e equipes de saúde
têm observado que as mulheres encontram dificuldades em aderir
à realização rotineira dos exercícios
físicos. “Apesar de relatarem que quando fazem os exercícios
se sentem bem, que os movimentos do braço melhoram, chegando
até a mencionarem uma diminuição do linfedema,
a grande maioria não incorpora a prática regular de
exercícios físicos, mesmo sabendo que a possibilidade
de complicações estará presente no resto de
suas vidas”, afirma Maria Antonieta, que em seu trabalho entrevistou,
durante quatro semanas, trinta mulheres atendidas pelo Núcleo
de Ensino, Pesquisa e Assistência na Reabilitação
de Mulheres Mastectomizadas (Rema) da Escola de Enfermagem de Ribeirão
Preto. Seu objetivo foi identificar quais as barreiras encontradas
por essas mulheres para a prática do exercício físico
e quais, entre as que o praticam, os incentivos recebidos.
Na
primeira etapa do trabalho foram realizadas entrevistas individuais
com as participantes do estudo para a identificação
de crenças sobre a prática de exercícios físicos
e as dificuldades percebidas sobre tal prática. Maria Antonieta
observou que um conjunto de razões ou crenças pessoais
cria as condições que impedem essa prática.
Apesar dos problemas que elas encontram para fazer do exercício
físico uma rotina, 100% das pesquisadas disseram acreditar
que isso é bom para a saúde. Entre os motivos indicados
como barreiras estão o esforço físico, o tempo
e a falta de recursos financeiros. Ainda dentro dos indicadores
que dificultam a realização da atividade física,
Maria Antonieta identificou o comodismo, a limitação
física e o estar só. Quanto à limitação
física, a pesquisadora lembra que esse aspecto é contraditório,
pois ele deveria ser um forte indicador para a tomada de ação.
Mais
de um estímulo foi apontado pelas mulheres como fonte de
motivação para a prática dos exercícios.
Entre eles, o conhecimento da importância e da necessidade
dos exercícios físicos, bem como dos benefícios
advindos deles. O medo do linfedema, a presença de um profissional,
o suporte da família e o uso da música durante os
exercícios foram outros estímulos citados.
Na
segunda etapa do trabalho, a pesquisadora, para verificar como se
dava a adesão à prática da atividade física,
solicitou que as mulheres anotassem diariamente o horário
e o número de vezes em que faziam atividades físicas
e, quando fosse o caso, o motivo de não praticar tais atividades.
Das trinta mulheres, 29 entregaram as anotações. Nessa
etapa foi verificado que a quarta-feira é o dia da semana
em que há maior média de freqüência à
atividade e que os finais de semana – sábado e domingo
– são o período com menor média. Do total,
80% fazem exercícios três vezes por semana ou mais.
Entre os exercícios realizados, os mais citados foram os
de reabilitação e caminhada. O motivo mais mencionado
que as levou a não realizar os exercícios físicos
foi a falta de condições emocionais, seguido pelas
atividades sociais e a falta de tempo. Nesse caso a pesquisadora
também encontrou contradição, pois nas entrevistas
elas citaram a necessidade de se destinar um espaço de tempo
para a realização dos exercícios. Na prática,
no entanto, essa foi uma das barreiras enfrentadas.
A autora
da pesquisa concluiu que as diferenças individuais –
faixa etária, personalidade e situações específicas,
como tratamentos realizados e tempo de cirurgia, por exemplo –
estão intimamente relacionadas entre si. “As leis gerais
e diferenças individuais possuem um valor prático
para a compreensão e orientação de uma determinada
mulher mastectomizada, e esses dados devem estar relacionados com
a situação concreta que identifica o comportamento
daquela mulher na adesão à prática da atividade
física.” A autora arrisca dizer também que o
estímulo à participação das mulheres
em grupos especializados de suporte na reabilitação
de mastectomizadas possibilita o desenvolvimento de um estado psicológico
positivo em suas vidas, propiciando uma atmosfera favorável
para a adesão à atividade física.
Apoio
integral na hora certa
O Núcleo
de Ensino, Pesquisa e Assistência na Reabilitação
de Mulheres Mastectomizadas (Rema) da Escola de Enfermagem de Ribeirão
Preto, da USP, foi criado em 1989 pelas professoras Marli Villela,
Ana Maria de Almeida e Maria José Clapis, com o objetivo
de contemplar o “vivenciar” da mulher após a
mastectomia, pois – segundo elas – a grande preocupação
das mulheres com câncer é extirpar a doença,
enquanto as repercussões e a cirurgia recebem pouca importância
dos profissionais da área.
No núcleo, o atendimento é feito por uma equipe multidisciplinar.
Além das três professoras fundadoras e de duas enfermeiras
contratadas – uma delas através do CNPq –, o
serviço conta com alunos do curso de pós-graduação
da Escola de Enfermagem, um psiquiatra, um terapeuta ocupacional,
uma fisioterapeuta e psicólogos. Funciona três vezes
por semana, às segundas, quartas e sextas-feiras, pela manhã.
A média de comparecimento é de 40 mulheres, apesar
de serem 573 inscritas. As freqüentadoras do serviço
realizam exercícios coletivos, dinâmica de grupo –
em que cada uma fala de si própria – e, se necessário,
são atendidas individualmente, com procedimentos que vão
desde conversas até massagem ou drenagem linfática.
O Rema tem ainda um serviço de visitas domiciliares, que
atua quando a paciente não tem condições de
comparecer ao núcleo. O diferencial desse trabalho em relação
a outros serviços de saúde é que ali não
são marcados retornos: o comparecimento é espontâneo.
A professora Marli relata que, em treze anos, o Rema contou com
a presença de mulheres em todos os dias de funcionamento.
As pacientes do Rema vêm, na sua maioria, do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto,
mas o programa é aberto a qualquer mulher que necessite de
acompanhamento. Em Ribeirão Preto, um trabalho semelhante
foi montado pela Secretaria Municipal de Saúde, cujos profissionais
foram treinados pela equipe do Rema. Segundo Marli, as pacientes,
quando chegam ao núcleo, estão amedrontadas, inseguras
e com uma visão de mundo limitada. Por isso inicia-se um
intenso trabalho para o resgate da sua auto-estima. “Logo
nos primeiros dias de atendimento, o olhar para o mundo começa
a ser ampliado e algumas já servem de fonte de apoio para
outras pacientes”, afirma. “Várias dizem que
participar do Rema é buscar reviver a vida, é ter
uma visão de mundo de forma diferente.”
O Rema tem um manual de orientação para mulheres com
câncer de mama. Este é, provavelmente, o tipo de câncer
mais temido pelas mulheres, devido a sua alta freqüência
e a seus efeitos psicológicos, que afetam a percepção
da sexualidade e a própria imagem pessoal. Ele é relativamente
raro antes dos 35 anos de idade, mas acima dessa faixa etária
sua incidência cresce rápida e progressivamente, representando
uma das principais causas de morte em mulheres, tanto nos países
desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento. O tratamento
para o câncer mamário, especialmente a cirurgia, expõe
a mulher a uma série de complicações de ordem
física e emocional, gerando dificuldades no desempenho de
suas atividades diárias e de seus papéis sociais.
O medo da morte, a adaptação a uma nova imagem corporal,
a reintegração na vida familiar e sexual e a readaptação
ao trabalho são partes de uma longa trajetória que
poderá ser vivida com muitas dificuldades, especialmente
quando não contar com ajuda e orientação de
profissionais preparados e treinados.
Mais
informações sobre o Rema podem ser obtidas com as
professoras Marli Villela, Maria José (telefone 16 602-3412)
e Ana Maria (telefone 16 602-3437).
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