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Kátia: é preciso mais orientação

Não há guarda-chuva contra o amor é o título da tese de doutorado defendida recentemente na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP pela socióloga Kátia Cibelle Machado Pirotta, baseado na frase de uma música do grupo Titãs, “Nem cinco minutos guardados”, de autoria de Sérgio Brito e Marcelo Fromer. “A frase é uma metáfora, uma maneira poética de mostrar um resultado importante da tese, que delineia as opções dos jovens orientados pela subjetividade, pelo significado que as coisas ganham na vida de cada um. Mostra também que a própria opção por um método contraceptivo está orientada por valores subjetivos, que têm a ver com um ideal romântico da concepção sobre o amor, a entrega. É um mecanismo complexo de significações sociais que são atribuídas ao homem, à mulher e à sexualidade e, por extensão, à contracepção e à reprodução”, analisa Kátia.

Sob a orientação da professora Néia Schor, do Departamento de Saúde Materno-Infantil da FSP, a pesquisa busca conhecer como um grupo com alta escolaridade e com acesso ao ensino de boa qualidade se comporta em relação à contracepção e à prevenção das doenças sexualmente transmissíveis (DST) e como vivencia as questões ligadas à saúde reprodutiva.

Dividida em duas fases, o estudo baseou-se, primeiro, num levantamento de caráter quantitativo representado por estudantes matriculados em cursos de graduação da USP, de onze unidades do campus da Cidade Universitária, no ano de 2000, sendo entrevistados 932 alunos e alunas com idades entre 17 e 24 anos. Na segunda fase, foram gravadas entrevistas em profundidade com 33 estudantes, que se ofereceram voluntariamente para continuar participando da pesquisa, 22 mulheres e 11 homens.

Embora uma amostragem de 33 alunos possa parecer pequena, Kátia afirma que esse número é representativo porque, nessa fase da pesquisa, o método aplicado era o qualitativo, em que se busca analisar e entender o universo das significações relacionadas à contracepção, à vida sexual e à reprodução.

Por que um estudo relacionado ao público universitário? Segundo Kátia, a intenção foi saber quais as soluções que esse público encontra diante da falta de ações voltadas para a saúde reprodutiva dos jovens, falta de políticas públicas, de caráter preventivo em relação às DST, à contracepção e a todas as questõs ligadas à saúde reprodutiva.

O mesmo ideal

O que os estudantes vêem como padrão ideal para constituir uma família é o mesmo que a população em geral considera, ou seja, dois filhos no máximo, constatou a primeira fase da pesquisa. Exatos 77% dos entrevistados e entrevistadas afirmaram que gostariam de ter até dois filhos e a idade ideal seria próxima dos 30 anos de idade. “Esse é um processo que envolve a sociedade como um todo. Não é um assunto específico de estudantes com alta escolaridade. É interessante constatar que tanto a população de um modo geral como os estudantes têm o mesmo ideal de família”, analisa Kátia. “Mas há uma diferença importante: os estudantes são jovens e têm um projeto de vida em função da expectativa de se inserir no mercado de trabalho, de se emancipar dos pais, de ter independência econômica, de conseguir manter o mesmo patamar socioeconômico da família de origem. Essa inserção social leva a um desejo de adiar o início da fecundidade, de ter o primeiro filho por volta dos 30 anos de idade.”


Já em outros grupos sociais observados, que não estão inseridos numa faculdade, não têm o mesmo projeto de vida e nem as mesmas condições que os universitários, o primeiro filho vem ainda na fase da juventude, por volta dos 20 e 24 anos. “Daí”, conta Kátia, “podemos observar que as condições de vida, o acesso às informações e aos direitos sociais influencia diretamente no planejamento familiar, na fecundidade.”

Os estudantes com esse projeto de vida utilizam mais a camisinha e a pílula como forma de prevenção da gravidez e das DSTs. Na primeira fase da pesquisa observou-se que há um maior número de jovens utilizando a camisinha, principalmente na primeira relação sexual, nas relações esporádicas, no universo do “ficar”, em que não existe muito compromisso entre o casal. Mesmo assim a contracepção é cercada de erros, falhas e esquecimentos. “A maior parte dos alunos respondeu fazer uso da camisinha, no entanto admitiu ter tido relações sem usá-la. Detectamos entre eles uma dificuldade de manter o uso habitual da camisinha e também a procura constante por métodos de baixa eficácia, como o coito interrompido e a tabelinha”, reflete Kátia.

Pílula ou camisinha?

No caso da pílula, se o relacionamento tende para um namoro mais fixo, ele adquire outra significação, e com isso fica mais difícil manter o uso da camisinha. No ato de “ficar”, os estudantes estão mais preocupados com as DSTs. Já no namoro essa preocupação diminui e aumenta com relação à gravidez, até porque o projeto de vida dos universitários de adiar a fecundidade para conseguir a autonomia é a meta principal em suas vidas. Sem contar que usar camisinha no namoro indica falta de confiança. E o que se tem buscado é uma relação em que possa existir, além da confiança, segurança e fidelidade. Por esses motivos a camisinha acaba sendo substituída pela pílula, que passa a ter um papel mais importante no relacionamento.

Um aspecto relevante levantado na pesquisa é que a saúde reprodutiva dos jovens apresenta certa precariedade. Primeiro porque eles buscam fazer o teste de Aids em bancos de sangue, que não estão preparados para fazer um aconselhamento e explicar o significado do teste, que não é uma prática preventiva e sim um indicativo de contaminação ou não. Segundo, a mulher, ao procurar o ginecologista para receber orientações sobre anticoncepcionais, muitas vezes vai sozinha, e quando o homem tenta acompanhá-la não consegue entrar no consultório, ficando restrito à sala de espera. “Isso é uma lacuna, pois se queremos orientar o jovem a manter o uso do condom, a ter mais elementos para uma prática sexual sadia, é complicado que esse mesmo jovem seja excluído da consulta. E as mulheres se queixam de não conseguirem esclarecer todas as dúvidas, sem contar a vergonha”, comenta Kátia.

Com isso, a pesquisadora propõe que os órgãos responsáveis promovam mais ações de saúde voltadas para acolher o casal, orientá-los e incentivá-los a usar a camisinha. Até porque as pesquisas epidemiológicas têm mostrado que a Aids tem crescido muito entre mulheres unidas (é usado esse termo porque muitos casais não têm uma união formal) com parceiros fixos.

Isso leva a sociedade a refletir sobre uma mudança de comportamento em relação à prevenção da Aids, à contracepção e à vida reprodutiva. Kátia diz que o fato de terem percebido, na pesquisa, que os universitários também têm dificuldades desse tipo, reforça ainda mais a necessidade de incentivar uma mudança de comportamento. “É muito importante atuar junto aos jovens buscando interferir no modo de eles pensarem sua vida sexual.”

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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