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Noventa depoimentos de cineastas dos anos 90. São histórias de pessoas que fizeram parte de uma importante virada do cinema brasileiro; que comprovam que, para quem quer que seja, fazer cinema no Brasil é uma aventura de risco; de artistas que empenharam anos fazendo filmes que muitas vezes são expulsos das salas após uma semana de exibição. Histórias de vidas inteiras de dedicação a uma atividade freqüentemente inglória, que agora vêm à luz pela voz de seus próprios agentes. Assim Lúcia Nagib apresenta seu livro O Cinema da Retomada, que mapeia meia década de cinema no Brasil, período que se convencionou chamar de retomada do cinema brasileiro. Expressão que está longe de alcançar unanimidade, já que, para alguns, o que houve foi apenas uma breve interrupção da atividade cinematográfica com o fechamento da Embrafilme; ou ainda outros que não se deixam impressionar com o fato de que a média de filmes tenha saltado de quase zero no início dos anos 90 para mais de 20 na segunda metade da década.

Mesmo com poucas cópias e dificuldades de distribuição, divulgação e exibição, o cinema brasileiro voltou a despertar a atenção do público e da imprensa. Alguns filmes começaram a ultrapassar a casa de 1 milhão de espectadores, como Carlota Joaquina, O Quatrilho e Central do Brasil. É claro que as leis de incentivo, os prêmios e, particularmente, a Lei do Audiovisual contribuíram para isso. Um retrato dessa riqueza está no conjunto de vozes reunido nessa coletânea de artigos, que traz estreantes no longa-metragem, como Tata Amaral, Beto Brant, Eliane Caffé, Toni Venturini, Eduardo Caron e outros, em pé de igualdade com veteranos, entre eles Cacá Diegues, Nelson Pereira dos Santos, Carlos Reichenbach, Walter Hugo Khouri, além de uma geração intermediária formada por Walter Salles, Murilo Salles, André Klotzel, Sérgio Bianchi e Guilherme de Almeida Prado, ou ainda representando outros Estados fora do eixo Rio-São Paulo, como Aurélio Michiles (Amazonas), Jorge Furtado (Rio Grande do Sul) ou Helvécio Ratton (Minas Gerais). São cineastas vindos da publicidade que se encontram com representantes do Cinema Novo, documentários ao lado da ficção comercial, dramas contemporâneos alinhados a filmes históricos. Como diz o crítico e professor da USP Ismail Xavier no prefácio do livro, a moldura é comum, mas cada depoimento tem estilo próprio.

Algumas histórias

Jean-Claude Bernardet veio para o Brasil com aproximadamente 12 anos. Sua opção pelo cinema foi paulatina, claro que se interessava por filmes, mas também por peças de teatro, livros, além de sua fascinação pela dança. Sua ligação com o cinema veio a partir de situações circunstanciais e pessoais ligadas ao acaso. Foi através de Paulo Emílio Salles Gomes que começou a escrever para O Estado de S. Paulo, primeiramente com artigos sobre o cinema francês, já que sua formação era eminentemente européia, assim como boa parte dos críticos da época, e até porque a participação de filmes europeus no mercado cinematográfico brasileiro era bem maior do que agora. Mas para que seu trabalho surtisse efeito, resolveu mergulhar na cinematografia local. Seu único filme surgiu a partir de um convite feito por Maria Dora Mourão, então chefe do Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da ECA/USP, para participar de um projeto de pesquisa. Fez o esboço que deveria evoluir para a catalogação de filmes que apresentassem São Paulo em imagens da cidade. O resultado, o média-metragem São Paulo, Sinfonia e Cacofonia (1995), com trilha sonora de Lívio Tragtemberg e Wilson Sukorski.

Para o cineasta Ugo Giorgetti, o livro era algo imensuravelmente maior que o filme até o surgimento do Neo-Realismo italiano, da Nouvelle Vague e depois Fellini. Só então passou a achar que o cinema era mais que um entretenimento. Ainda cursava a Faculdade de Filosofia da USP, que na época ficava na rua Maria Antonia, quando começou a trabalhar em uma agência de propaganda que fazia comerciais para televisão, mas, como ele diz, tudo feito exatamente como no cinema de longa-metragem. Seu primeiro trabalho foi o documentário Quebrando a Cara, feito pela Espiral Filmes, uma produtora de comerciais. O segundo, Jogo Duro, é literalmente uma cooperativa de publicitários. Segundo Giorgetti, o que manteve vivo o cinema nacional foi a produção publicitária. Entre seus trabalhos, estão sucessos como Sábado, que teve origem em um documentário de 30 minutos filmado em 1975 sobre o Edifício Martinelli, e Boleiros, Era Uma Vez o Futebol..., que, segundo ele, talvez tenha surgido por seu interesse pelo esporte.

Já André Klotzel sempre fotografou e quando prestou vestibular para a ECA, pensava em se direcionar para a área de fotografia em cinema, embora cogitasse, longinquamente, dirigir também. Entrou na faculdade em 1973 no curso noturno e ao mesmo tempo assistia como ouvinte às matérias do curso de Cinema do terceiro ano. Acompanhou as aulas de Paulo Emílio Salles Gomes, personalidade fundamental para sua formação. Já em 74, começava sua carreira, trabalhando como estagiário do produtor Anibal Massaini. Ainda nesse mesmo ano, dirigiu seu primeiro curta na ECA, Eva. Passou por várias atividades, produção, som-guia, assistência de câmera, montagem, assistência de direção ao lado de diretores como Hector Babenco e Nelson Pereira dos Santos e, paralelamente, produzia comerciais para sobreviver. Queria fazer algo que trabalhasse um pouco da poesia, dos arquétipos fantasiosos do caipira, mas numa vertente popular, com possibilidade de chegar ao mercado. Surgia então seu primeiro longa, A Marvada Carne (1986), que tem sua idéia central baseada no enredo de Os parceiros do rio Bonito, de Antonio Candido. Seu último filme é Memórias Póstumas, adaptação do livro de Machado de Assis, que assim como o primeiro é voltado para o público e, como ele mesmo diz, é “radicalmente aquilo que eu quero fazer”.


O livro O Cinema da Retomada (Editora 34, 528 págs., R$ 48,00), de Lúcia Nagib, será lançado nesta quarta, às 19h, no Cinesesc (r. Augusta, 2.075, tel. 3064-1668), com debate com a autora e com os cineastas Sérgio Bianchi, Alain Fresnot, Ugo Giorgetti, Carlos Reichenbach, Daniela Thomas e Toni Venturini.

 




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