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A asma da dona de casa Oscarlinda Maria da Cruz acontece com freqüência. Aos 63 anos de idade, a moradora do Jardim Estela, região periférica de São Paulo, sente mais a saúde frágil quando o tempo está ruim e não chove e o ar da metrópole fica pesado: tosse muito, tem falta de ar, dor de cabeça e até febre. Ao chegar ao Hospital Universitário da USP para fazer inalação de emergência, dona Oscarlinda tinha respiração ofegante e aparência cansada. Fazer inalação também já virou quase rotina para o açougueiro Geraldo Pereira de Matos. Não-fumante e com 52 anos, Matos aparenta mais idade. “Já tive pneumonia várias vezes. É por descuido mesmo; falta de vitaminas. Cuido mais do trabalho do que da saúde. A gente não procura os remédios que precisa. No trabalho, mesmo resfriado tenho que entrar na câmara fria, e aí a tendência é a gripe piorar. Quando o ar está ruim, mal consigo respirar.” Matos estudou até a quarta série do primeiro grau. Tinha um “pequeno comércio” até dez dias atrás, próximo a uma favela em São Bernardo do Campo. “Mas a crise está brava e vendi. Trabalhar como empregado dá menos dor de cabeça.” Agora Matos mora numa pensão em Santana, próximo à avenida Zachi Narchi, na zona norte.

Oscarlinda (à dir.):
ar pesado, tosse e inalação


Por razão diferente, o aposentado José Antônio dos Santos, de 69 anos, diz que também sente falta de ar em dias mais poluídos. Nascido em São Lourenço da Mata (PE), é analfabeto e fez de tudo um pouco: foi ferreiro, pedreiro, carpinteiro, tratorista, “tudo o que aparecia”. Mora com o filho desempregado num dos prédios do Cingapura da avenida Zachi Narchi. Paga condomínio, água, luz e, para a falta de ar, comprou “uns comprimidos” que lhe custaram “90 contos”, diz.
Que a poluição tem efeitos sobre a população das metrópoles não é nenhuma novidade. Mas, em um meio com condições precárias de saneamento, acesso à saúde e alimentos, os resultados são certamente mais dramáticos que em regiões privilegiadas. “A poluição tem efeitos e sabemos disso. Mas sofre muito mais quem não tem condições de se alimentar direito e ir ao médico. Pessoas de diferentes condições socioeconômicas respondem diferentemente à mesma agressão”, afirma o pesquisador Alfésio Luís Ferreira Braga, do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da USP. É exatamente essa premissa que é comprovada na tese “Avaliação entre poluição atmosférica e variáveis socioeconômicas como agravante das condições de saúde no município de São Paulo – Um estudo de ecologia urbana”, orientada por Braga e defendida este ano por Maria Cristina Haddad Martins, coordenadora do Departamento de Informação Socioambiental da Secretaria Municipal de Saúde (leia texto na página ao lado).

De acordo com o estudo, 12% das mortes de idosos em São Miguel Paulista, na zona leste, são causadas por doenças respiratórias, ao passo que em Cerqueira César, região nobre da capital, essa taxa é de 2%. De acordo com Maria Cristina, não há relação direta entre os níveis de poluentes de cada região pesquisada e o número de mortes de idosos, ou seja, segundo o estudo, não se pode afirmar que quanto maior o nível de poluentes no ar, maior a mortalidade. Porém, “foi comprovado que as condições socioeconômicas têm correlação direta com o efeito analisado (mortalidade entre idosos com mais de 60 anos de idade)”, explica.

Angina e infarto

 
Santos: "uns comprimidos" contra a falta de ar

Estudos de laboratório mostram até mesmo mutações genéticas em plantas como efeito direto da poluição atmosférica. É o caso da pesquisa da qual participa Eliane Tigre Guimarães Sant’Anna, também do Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da USP, que deverá ser publicada em 2003.

Outra pesquisa ainda inédita, desenvolvida na mesma unidade, será publicada em breve na renomada revista científica norte-americana Environmental Research. O pneumologista e clínico-geral do Hospital das Clínicas (HC) Chin An Lin comprova em seu estudo que, do total de pessoas com problemas isquêmicos do coração (angina e infarto) atendidas diariamente no HC, em média 6% têm como causa direta a poluição. A pesquisa refere-se a dados colhidos no Instituto do Coração do HC entre janeiro de 1994 e dezembro de 1995.

“Entre todos os poluentes e variáveis estudados, o monóxido de carbono foi o único que resistiu bravamente a todos os filtros da pesquisa. Mas não posso afirmar que o monóxido de carbono, sozinho, é o grande vilão, pois isso é uma meia-verdade. Temos de considerar os poluentes como um todo”, diz.

De acordo com Chin, cada poluente tem seu lag, ou seja, uma defasagem de tempo entre o evento atmosférico (poluição) e seu efeito sobre determinada doença. Para material particulado, o lag é de três dias e para monóxido de carbono, dois dias. Portanto, para conhecer os efeitos da poluição sobre determinada doença é preciso calcular o que Chin chama de “média móvel”, que é a soma da média de concentração de poluentes em determinado período estudado.

Diferentemente de dona Oscarlinda, do açougueiro Matos e do aposentado Santos, há idosos cheios de vitalidade mesmo após superar a expectativa de vida média do brasileiro. É o caso da dona de casa Maria do Carmo Antunes de Castro, 72, moradora de Higienópolis, bairro nobre de São Paulo. Portuguesa da cidade de Guarda, Maria do Carmo chegou ao Brasil aos 23 anos e dá sua receita de saúde: “Não precisa luxo nem muito dinheiro para a família estar bem. Sempre muitos legumes numa boa sopa, leite diariamente, pão caseiro, casa limpa, hábitos de higiene e pronto, todos estarão saudáveis. Em Guarda, plantávamos o que comíamos. Era uma cidade pequena, sem poluição, de clima excelente. Uma família que planta e come aquilo que está plantando já vive sadia. Aqui no Brasil, as pessoas deveriam ter mais oportunidade para cultivar o alimento”, diz.

 
Chin: poluição causa 6% dos enfartos

 

 

 

 

 

Os maiores poluidores no Estado

Os 67 municípios das três principais regiões metropolitanas do País – São Paulo, Campinas e Baixada Santista – contribuíram com 64% do PIB (Produto Interno Bruto) estadual em 1997, mas também foram responsáveis pela emissão do maior nível de poluentes do Estado de São Paulo, vindos tanto de fontes fixas (indústrias) quanto móveis (veículos motorizados), de acordo com dados da Agenda 21 em São Paulo, documento socioambiental organizado pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente para a Cúpula de Johannesburgo, realizada neste ano na África do Sul.

O principal agente poluidor atmosférico de quase todas as metrópoles do mundo são as fontes móveis. No Estado de São Paulo, o controle desse tipo de poluição foi implantado só em 1992, com a criação do Proconve (Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores). A partir de 1997, os níveis de emissão de poluentes permitidos em veículos foram equiparados aos norte-americanos.

Mas ainda há muito por fazer. As motocicletas em circulação na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, pob falta de fiscalização, poluem de 10 a 20 vezes mais que veículos novos, também de acordo com dados da Agenda 21 em São Paulo. Além disso, 25% da frota estadual circula irregularmente, em condições precárias e sem autorização do órgão de trânsito. A frota ilegal responde por metade das emissões totais de poluentes da região metropolitana.

A Agenda 21 em São Paulo também relaciona o aumento de mortes de fetos, recém-nascidos e crianças de até cinco anos de idade, por causas respiratórias, e de idosos, por problemas cardiovasculares. Segundo o documento, 10% das internações por doenças respiratórias na infância e 8% das mortes de idosos estão associadas aos altos níveis de material particulado encontrado na atmosfera. Material particulado são as micropartículas de substâncias tóxicas suspensas no ar, entre elas, chumbo, carbono, fuligem e gases diversos.

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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