NESTA EDIÇÃO


 
Pôsteres trouxeram informações sobre projetos temáticos de pesquisa
 
 
Capozoli: ciência no século XXI
Vogt: agência para gerir sistema
 
Mayana:
participação da mídia
 
 



Discutir a importância do jornalismo na divulgação da ciência, em um cenário cada vez mais globalizado, com o surgimento de projetos e centros de excelência integrados, por meio da colaboração criativa entre diferentes países. Analisar o papel do fornecimento de informações de qualidade para a população nesse contexto, contribuindo para o progresso da sociedade. Ampliar os horizontes de atuação do jornalista a partir do contato com as experiências de outros países. Foram com essas e outras metas que cerca de 400 pessoas, entre jornalistas, estudantes, cientistas e outros profissionais interessados no tema se reuniram no campus da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), em São José dos Campos, interior do Estado de São Paulo, durante a realização da III Conferência Mundial de Jornalistas Científicos (WCSJ), entre os dias 24 e 27 de novembro, que ocorreu com o 7o Congresso Brasileiro de Jornalismo Científico.

Partindo do tema do evento, “Jornalismo Científico e Desenvolvimento Humano”, os participantes levantaram uma série de questões relativas à formação do jornalista que deseja se dedicar à ciência e à tecnologia, seus desafios, a interação com os cientistas, entre outras coisas. Fabíola Oliveira, diretora da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC), lembrou que a entidade tem um plano nacional que visa à elaboração de estratégias para a formação de recursos humanos na área. “Durante o próximo ano estaremos levantando todos os dados disponíveis no Brasil sobre as disciplinas de graduação e pós-graduação, cursos lato e stricto sensu, quem são os professores envolvidos, suas experiências, materiais e bibliografia dos cursos de jornalismo científico”, afirma. “Posteriormente, cruzaremos essas informações com as experiências de outros países e, ao final, vamos propor ao governo a criação do plano.”

Durante o evento, Fabíola, ganhadora este ano do Prêmio José Reis de Divulgação Científica, concedido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), lançou o livro Jornalismo Científico (Editora Contexto, 89 páginas), um conjunto de reflexões sobre as causas da expansão dessa atividade e os desafios que se colocam para a melhora da qualidade da área. Os autógrafos ocorreram em meio aos estandes do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), CNPq, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Embraer, Univap, revista Scientific American, entre outros apoiadores da mostra, além de pôsteres sobre projetos temáticos de pesquisa ligados à área, onde os presentes puderam entrar em contato com estudos inusitados, como o humor contido na publicação de imagens de ciência em jornais amazônicos.

Ao participar da sessão plenária “A Formação em Jornalismo Científico nas Diferentes Culturas”, Fabíola defendeu um maior engajamento crítico do jornalista que se dedica a escrever sobre ciência, fundamental para que esse profissional possa contribuir nas urgentes mudanças sociais das quais o País necessita. “Isso pode ser obtido por meio de cursos mas, principalmente, pelo comprometimento profissional de cada um”, enfatizou.

 
Um dos estandes montados no local do evento

Um caminho alternativo, do meio-termo. Essa foi a idéia defendida por Carlos Vogt, presidente da Fapesp, quando questionado sobre o assunto, durante a realização da sessão plenária “Jornalismo Científico, Educação e Cidadania”, sobre a proposta de Cristovão Buarque, senador eleito e provável ministro da Educação do governo Lula, de transferir as universidades federais para o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), deixando para o Ministério da Educação (MEC) apenas a responsabilidade sobre o ensino infantil e o básico (fundamental e médio). O argumento de Buarque se baseia na idéia de que isso permitirá uma maior participação dessas instituições na formulação das políticas públicas para a ciência, tecnologia e inovação, considerada pequena e insuficiente por ele. Além do ensino, elas se dedicam em larga medida a essas atividades, formando com as três universidades estaduais paulistas (USP, Unesp e Unicamp) e diversos institutos, a base do sistema brasileiro de pesquisa. Em contrapartida, o MEC ficaria liberado para concentrar maiores esforços no ensino básico, notadamente na melhoria da qualidade.

Para Vogt, que também é coordenador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp (LabJor), membro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o MCT é um órgão de atuação específica, temática e deve interagir com todos os outros ministérios, como vem acontecendo, para que a atual ampliação das atividades de pesquisa continue. E, por isso, passar ao MCT a administração das universidades federais poder levar a uma confusão com a soma de problemas de naturezas diferentes. Entretanto, o cientista concorda que o MEC poderia concentrar mais esforços no ensino básico e, para isso, propõe que seja criada uma agência nacional do ensino superior, ligada ao Ministério da Educação, que ficaria responsável pelo repasse de verbas para as federais – que receberiam autonomia – e no estabelecimento de mecanismos de fiscalização e acompanhamento de atividades acadêmicas e administrativas desenvolvidas por elas, incluindo o Provão, que também passaria para a sua responsabilidade. “O novo órgão teria um presidente e um conselho formado por representantes das universidades, dos ministérios, secretarias federais e de entidades como a SBPC e a Academia Brasileira de Ciências, que ficariam responsáveis pelo estabelecimento da autonomia e dos mecanismos de controle”, afirma. “Não sei como isso seria feito, se por decreto presidencial ou outro tipo de medida jurídica, mas acredito que a agência pode ser uma boa alternativa.”

Além disso, Vogt também relatou uma série de iniciativas feitas pelo LabJor, SBPC e Fapesp ligadas às atividades de divulgação da ciência. O LabJor criou a revista eletrônica ComCiência (www.comciencia.br), feita pelos alunos do seu curso de especialização lato sensu em jornalismo científico, edita a revista Ciência e Cultura, da SBPC, e participa da criação e produção do programa “Ponto de Ebulição”. Voltado para jovens, com base em uma linguagem interativa que usa o rap como forma de expressão, o programa foi desenvolvido em parceria com o Canal Futura e a Fapesp e conta com a apresentação, desde sua estréia, no último dia 7, do músico Gabriel, o Pensador. Também citou o Mídia Ciência, da Fapesp, programa que estimula o crescimento do jornalismo científico e a criação de um índice LabJor/Fapesp da ciência e tecnologia na mídia a partir de um trabalho de análise das matérias veiculadas pela imprensa nacional.

A mesma sessão contou com a participação de Ismar Soares, professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, que relatou suas experiências no desenvolvimento do Educom, projeto em parceria com a Prefeitura do Município de São Paulo para a instalação de rádios comunitárias e capacitação de membros da comunidade (professores, pais e alunos) em 455 escolas, e de Wolfgang Goede, editor da revista P. M. Magazine (Alemanha) – precursora de algumas revistas de divulgação científica, como Muy Interessante e Superinteressante –, Prakash Khanal, da Associação Nepalesa de Jornalistas Científicos e Maj-Lis Tanner, da Associação Finlandesa de Jornalistas Científicos.

Antes dessa plenária, ocorreu a primeira de uma série de conferências, “A Alfabetização
Científica no Século XXI”, com Ulisses Capozoli, presidente da ABJC e editor da versão brasileira da revista Scientific American e doutorando pelo Centro de História da Ciência da USP (CHC), Glaci Zancan, presidente da SBPC, Nilson Lage, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e Kenji Makino, da Associação dos Jornalistas de Ciência e Tecnologia do Japão, que discutiram iniciativas baseadas na interação entre o jornalismo e a educação com a meta de promover um melhor entendimento da ciência por parte da maioria da população mundial.

No final do dia 25, foi realizada a mesa “Comunicação Científica na TV: da Universitária às Grandes Redes”, com Gabriel Priolli, diretor da TV PUC, do Canal Universitário de São Paulo e presidente da Associação Brasileira de TV Universitária, André Motta Lima, da TV Educativa (TVE), Sérgio Brandão (Programa Ver Ciência), Istvan Palugyai, jornalista húngaro e Luís Victorelli, editor do site ScienceNet. Os presentes apresentaram suas experiências sobre a utilização de programas de televisão no trabalho de divulgação da ciência e de que forma essas atividades podem contribuir com a população, fornecendo elementos para a criação de um pensamento mais crítico e enquanto ferramenta auxiliadora dos processos educativos.

Gabriel Priolli fez um breve relato histórico sobre o surgimento das tevês e canais universitários no Brasil, das dificuldades enfrentadas, sobretudo de natureza financeira, dos progressos já alcançados, da falta de reconhecimento da sua importância por boa parte da comunidade acadêmica e da necessidade de se ampliar essa discussão, mostrando a importância do trabalho desenvolvido nesse setor. “Claro que as tevês universitárias têm um ritmo mais lento que o das outras. Isso ocorre devido às dificuldades financeiras e por causa da natureza das universidades, que é um pouco mais lenta, em decorrência do tipo de atividade que desenvolvem”, diz Priolli.“Criticar, portanto, sem conhecer a fundo essa realidade acaba sendo precipitado e equivocado.”

Durante a conferência “Mídia, Ciência e Poder”, o norte-americano James Cornell, presidente da Associação Internacional de Escritores de Ciência, falou sobre o poder da mídia e da ciência, principalmente quando trabalham juntas, para mudar a cultura e o comportamento de uma sociedade. Como exemplos, citou a corrida espacial e o surgimento do hábito, hoje adotado mundialmente por grupos de pessoas conscientes, de eleger um integrante para não beber em determinada noite, ficando em condições de levar os outros membros, responsavelmente, para casa, o que vem ajudando a reduzir os índices de acidentes e mortes no trânsito em alguns países.

Segundo o físico e historiador Shozo Motoyama, coordenador do Centro de História da Ciência da USP (CHC), a ciência e a mídia são fundamentais para a população e precisam se dedicar mais intensamente e em conjunto para produzir maior quantidade de benefícios para a sociedade. “Além disso, a promoção de conferências desse tipo também são importantes, pois elas representam momentos de intercâmbio de informações e experiências, constituindo redes de cooperação e auxílio, numa sinergia capaz de estimular grandes mudanças”, diz Motoyama.

Outro destaque ficou por conta da sessão “Jornalismo, Ética e Ciência”, onde a geneticista Mayana Zatz, professora do Instituto de Biociências da USP (IB), defendeu uma maior participação dos jornalistas no esclarecimento da população sobre o que é a clonagem terapêutica e de que forma ela é feita a partir da utilização de células tronco de embriões, cujos testes mostraram ser excelentes para o tratamento de diversas doenças, como a leucemia. “A participação da mídia no processo de informação da sociedade e de sensibilização dos políticos é fundamental”, afirma Mayana. “Desse processo de informação social e tomada de consciência depende a autorização para que essas técnicas possam continuar sendo pesquisadas e utilizadas para salvar vidas.”

Para Ari Mergulhão, funcionário da Unesco no Brasil, os jornalistas que escrevem sobre ciência também precisam contribuir constantemente para que, a partir da informação da população, se viabilize um aumento das atividades que levem ao desenvolvimento econômico e social sustentável diante dos desafios que enfrentamos para preservar a vida no planeta. “Qualquer desenvolvimento que não seja sustentável não é mais desenvolvimento, mas retrocesso, pois ameaça a vida nesse planeta, o qual estamos destruindo”, afirma Mergulhão. “O desenvolvimento, principalmente o ético, tem que ser para todos, e os jornalistas têm papel fundamental nesse processo”, diz. “Enquanto isso não for feito, a paz mundial permanecerá ameaçada.”

Durante sua realização, o evento foi inteiramente transmitido, ao vivo, pelo site ScienceNet (www.sciencenet.com.br), projeto desenvolvido em parceria pelo Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC/USP) e Universidade do Sagrado Coração (USC), ambos em Bauru, interior de São Paulo, e que tem como objetivo a promoção da cultura da divulgação científica no Brasil. Segundo Luís Victorelli, editor do site, a partir do dia 9 de dezembro os interessados nas idéias e debates desenvolvidos na III WCSJ poderão acessar o ScienceNet, onde terão à sua disposição um compacto com as principais imagens, além de artigos e reportagens.

Apesar da abertura oficial da conferência ter ocorrido no dia 24, domingo, no sábado, dia 23, pela manhã, membros da Federação Mundial de Jornalismo Científico (WFSJ) se reuniram no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), para discutir as propostas para a criação do estatuto da entidade, o que foi oficializado na quarta-feira, 27, último dia da conferência, com a aprovação da carta da III WCSJ. Em conjunto, esses documentos servirão de base para uma série de ações futuras, em escala mundial, da nova entidade, que tem como principal meta a ampliação do acesso, pela população mundial, à informação científica e tecnológica.

No final do encontro, os participantes também decidiram que a IV Conferência Mundial de Jornalistas Científicos será realizada daqui a dois anos, em 2004, na cidade de Montreal, Canadá, onde será feito um balanço dos efeitos práticos das discussões realizadas em São José dos Campos.

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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