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Alunos da USP, especialmente os da graduação em língua portuguesa, mas também de áreas como saúde e agronomia, estão sendo convidados a se manifestar sobre a possibilidade de participar como estagiários da reconstrução do Timor Leste. Aquele país asiático, de fala majoritariamente portuguesa até a invasão de 1975 pela Indonésia e tornado independente em 1999 com ajuda das Nações Unidas, tenta agora reconstruir sua identidade nacional da qual a lusofonia é parte fundamental, mas praticamente esquecida pelos mais jovens. A USP, por intermédio da CCInt (Comissão de Cooperação Internacional), e o Itamaraty, pelo diplomata Jadiel Ferreira de Oliveira, ex-embaixador no Vietnã, Indonésia e Timor Leste e agora representante diplomático em São Paulo, estão preparando projeto de acordo de cooperação para atender aos apelos daquele país. “A liderança timorense, a Igreja Católica timorense e o presidente Xanana Gusmão consideram fundamental que o Timor Leste continue falando português e esperam nossa ajuda”, disse Jadiel Oliveira. Ajuda não apenas no ensino da língua, mas em quase todos os setores — indústria, construção civil, agricultura, exploração de petróleo, saúde e educação. Os entendimentos ainda estão no início, faltando definições sobre quantos estagiários devem integrar os grupos, datas, ajuda de custo, compensação aos alunos voluntários em forma de créditos etc. Também não está claro quem arcará com os custos; o Itamaraty informa que não dispõe de recursos próprios, mas espera a colaboração de empresas nacionais, das Nações Unidas e de outros governos, especialmente do Japão, que já aplica em projetos do Timor Leste mais de US$ 100 milhões. Para a presidente da CCInt, professora Magda Maria Sales Carneiro Sampaio, por enquanto não há limites na formação de turmas, o estágio didático poderia ter peso acadêmico, e seria conveniente alguns professores ou alunos da pós-graduação acompanharem os voluntários como monitores. Magda, que é da área médica, estende o convite aos alunos de sua área. O vice da CCInt, professor Benjamin Abdala Jr., assim como o embaixador Jadiel Oliveira, prefere começar com um grupo reduzido, de umas 20 pessoas, que permaneceria no Timor Leste de três a seis meses, já a partir do primeiro semestre de 2003. Abdalla Jr. é de opinião que na USP “vai chover inscrição” de alunos interessados em conhecer e ajudar uma cultura diferente da nossa e em expandir a influência brasileira no cenário mundial. De fato, alguns estudantes de Letras manifestaram-se interessados em conhecer a proposta, embora haja quem lhe faça restrições, temendo que se trate de impor aos timorenses a volta a uma língua praticamente esquecida (texto nesta página). Mas será que o presidente do Timor Leste é um poeta “sonhador”? O vice-presidente da CCInt discorda e lembra, a propósito, o pragmatismo de grandes líderes da atualidade, principalmente africanos, que são ou eram poetas e estadistas ao mesmo tempo, como é Xanana Gusmão.

Língua e identidade

“A língua portuguesa está intimamente ligada à identidade cultural do Timor Leste e à sobrevivência do país, que tem de um lado a Indonésia, que fala indonésio, e de outro a Austrália, que fala inglês, cada um puxando a brasa para a sua sardinha”, disse o embaixador Jadiel Ferreira de Oliveira. Com a invasão da Indonésia, a fala portuguesa foi proibida e esquecê-la foi um pulo. E não apenas por causa da proibição; também porque os portugueses não se preocuparam em ensiná-la a toda a população, lacuna verificada também em Moçambique. “Os portugueses ensinavam à elite; o povão falava tétum, uma língua creoula, mistura de português com indonésio e elementos locais”, disse o diplomata. Para “aliviar a consciência”, os portugueses acabaram de enviar a Dili, a capital, 160 professores graduados, além de profissionais de outras áreas. “Para nós seria caro mandar professores já formados. Fica mais em conta enviar estudantes de língua e literatura brasileira, para que façam estágios de seis meses a um ano, sem interromper o curso.”

Os recursos, segundo o diplomata, terão de ser garimpados, mas os custos não serão altos, correspondendo na prática às passagens aéreas e à ajuda de custo, em torno de US$ 200/mês por estagiário, pois o alojamento ficaria por conta das famílias timorenses. “Já um professor custa US$ 37 mil por ano, e não temos esse dinheiro.”

Embora centrado na USP, o Itamaraty mantém entendimentos também com outras universidades brasileiras. A de Brasília já mandou dois professores para ensinar português a funcionários públicos e se dispõe a ampliar o acordo.

Será que, misturando brasileiros e portugueses, não acaba havendo conflito na cabeça dos timorenses em razão das diferenças lingüísticas e de sotaques? Jadiel Oliveira garante que não: “Os timorenses optaram pela nossa pronúncia. Os angolanos também, falam mais próximo de nós que dos portugueses porque são tropicais como a gente. Abrem a boca, dizem quê, não “qu, qu, qu”(e o diplomata imita a forma fechada de pronúncia lusa).

Se depender de Jadiel Oliveira, os timorenses vão assistir logo a muitas novelas brasileiras: “Se soltarmos o ‘Roque Santeiro’ ou ‘O salvador da pátria’ às 8 horas da noite, todo mundo vai aprender o português do Brasil num instante”. Eles também adoram as músicas de Roberto Carlos e conhecem um por um os maiores jogadores de futebol do Brasil.

O diplomata disse que, na época em que foi embaixador do Brasil na Indonésia (1995/2002), cuidou dos negócios do Timor Leste até a independência da província (até 2000). “Eu ia muito a Timor e visitava sempre Xanana Gusmão na prisão”, disse. Cuidar da diplomacia num país agressor e ao mesmo tempo numa província agredida “é caminhar em fio de navalha”, mas o diplomata assegura que as atrocidades cometidas não devem ser atribuídas a todo o povo, nem propriamente ao governo indonésio, mas a um grupo de militares. “Havia grupos indonésios que ajudaram os timorenses, e eu mesmo fui a muitas reuniões e seminários organizados por estudantes para ajudar o povo do Timor”.

Timor Leste tem 800 mil habitantes, distribuídos por 14.600 km2, vivendo basicamente da agricultura e de turismo, com excelentes perspectivas de enriquecer com a extração de petróleo. Nesse ponto, Jadiel se lembra da Petrobras, que poderia aplicar lá sua tecnologia de extração de óleo e gás em alto-mar. Quem já tem presença muito atuante na ilha é o Senai, com escolas-modelo de panificação, construção civil e mecânica de automóveis. Os coreanos chegaram na frente e estão construindo o Parlamento timorense.


Os contatos com a CCInt devem ser feitos pelo telefone 3091-2248 (Marina ou Rodrigo) ou pelo e-mail ccintdiv@edu.usp.br

 

 

 

 

 

 

 

Apoio com restrições

Eis o que disseram alguns alunos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas sobre possível estágio no Timor Leste.

“Não sei se iria. Acho que a questão da língua tem particularidades muito próprias. Se o português não se consolidou dentro da nação, no Timor Leste, deve ter tido razões para isso. Estou um pouco descontextualizado. Há um tempo, vi programas falando da recuperação da língua portuguesa, mas não sei até que ponto isso é viável, porque aí entram vários fatores, lingüísticos e culturais. Por causa da minha situação atual acho que não iria, embora possa ser gratificante. Acho que a questão deveria ser analisada de vários pontos de vista, seria necessário um levantamento das causas e conseqüências para dar uma resposta precisa.” (Eder Rodrigues Pereira, curso de Português)

“Acho extremamente importante, uma troca bastante válida. Muitas vezes o aluno da graduação não tem experiência de campo e o fato de ir dar aula, especialmente em lugar que sofreu tanto com a guerra e que agora tenta resgatar sua cultura, é válido. Seria uma experiência de troca, eles receberiam um pouco do que a gente tem para repassar e nós mesmos aprenderíamos a repassar essa informação e ser úteis. Quando a gente faz uma universidade pública tem é que retribuir. Isso poderia contar como uma proposta de mestrado ou facilitação do acesso ao mestrado. Eu iria se não tivesse dois filhos pequenos para cuidar, assim como fui para a França e acabei ficando dois anos, um tempo importante para a construção da pessoa.” (Luciana Nadolskis, Português-Francês)


”A proposta é interessante, mas audaciosa, porque se trata de uma região um tanto exótica que causa medo nas pessoas. Mas eu toparia, por que não? Seria uma experiência diferente e acrescentaria muito a um profissional do ensino. O estágio deveria valer um projetinho, não sei em qual nível, que tivesse uma utilidade, não só para o Timor Leste mas também para a nossa universidade.” (Roberto Martinez Pardo, pós-graduação em Língua Inglesa)


“O resgate da língua é muito importante, é o resgate da identidade, e essa memória está meio apagada no Timor. Se a gente puder colaborar para a recuperação, a iniciativa é favorável. Eu não tenho condições de participar, tenho três filhos e toco a família. Mas acho o projeto interessante. Poderia ser um rodízio de pessoas, um grupo fica seis meses, outro o substitui. A gente tem projetos na Amazônia e o pessoal faz isso, faz mutirões, presta assistência odontológica, dá orientação de saúde, e volta para São Paulo. Seria com estágio de trabalho de campo e poderia valer como disciplina.”(Elizabeth Siqueira, 3o. Ano de Português-Lingüística)


“Eu não iria. Acho inviável. É um lugar que não conheço, não me sentiria confiante. Não sei se não é uma atitude que procede forçar as pessoas a aprender português. Acho que deve ser uma questão da população do Timor, não do governo. Não adianta baixar decreto para falar como em Portugal. Se é um projeto cultural, de identificar, reconhecer suas raízes, acho válido. Mas eu não iria.” (Aline da Silva Lima, Francês-Português)


“Eu até iria dar aulas por um tempo, mas tem que ser uma coisa não forçada. Se fosse para ensinar o português como uma segunda língua, seria interessante. Também não sei se professor brasileiro seria ideal, porque provavelmente os timorenses falavam o português europeu. Até poderia ir, mas depende de muita coisa. Poderia valer como crédito e estágio. Um contato com outra cultura, para mim que faço lingüística, seria interessante.” (Ana Regina Vaz Calindro, Lingüística-Português)


“Penso que se é para institucionalizar uma língua, impor uma língua para que a aprendam novamente, não seria legal. Se for para que tenham um conhecimento da língua, reconhecer as origens, acho interessante e válido. Eu teria curiosidade, mais ainda se valesse crédito (aqui as pessoas só pensam em crédito). O que me chama a atenção é a cultura do povo, o contato com essa cultura. Para morar lá eu não iria, ou pensaria bem antes.”(Caroline Fernandes Freitas, Português-Espanhol)


“Acho interessante. O intercâmbio de cultura e de língua é sempre interessante. Teria que ver em que condições isso seria feito. Porque é muito perigoso impingir a cultura a um povo. Se a proposta for apenas acrescentar cultura, eu poderia ir, dependendo das condições.” (Ernani Gouveia, Português-Alemão)

 




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