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Afirma-se que há um crescente déficit na Previdência Social no setor privado: R$ 10,1 bilhões em 2000; R$ 12,83 bilhões em 2001 ou 1, 7% do PIB; e R$ 16,999 em 2002 ou 1,27% do PIB. Na área da Previdência pública, o déficit teria sido de 3,51% do PIB em 1996 e 4,09% do PIB em 2001. Esses números, porém, não são absolutamente corretos e podem ser discutidos.

Um dos motivos do aumento do déficit é decorrente da alteração do salário mínimo para R$ 200,00. Com o reajuste do salário mínimo, há também aumento da arrecadação, pois a contribuição é calculada sobre um valor maior do que o anterior. Falacioso o argumento de que haverá déficit com o aumento do salário mínimo.

O segundo motivo seria o represamento de pedidos de benefícios nas agências do INSS em decorrência da greve no final de 2001, tendo aumentado o número de requerimentos em 3,2%. Isso, porém, é relativo, pois o número de pedidos pode diminuir em razão da normalização dos requerimentos, que seguem uma média por mês.

Em 1998, jornal de grande circulação mostrou, para quem entendeu os gráficos, que o sistema previdenciário direcionado para a área privada não é deficitário. Ao contrário, as receitas são maiores que os benefícios.

O governo divulga o que gasta no sistema, mas não declara quanto efetivamente arrecada, nem soma as contribuições sobre o lucro e o faturamento (Cofins), que são arrecadadas pela Secretaria da Receita Federal, por onde entra o numerário, e as de concursos de prognósticos, mas muitas vezes não é transferido para o INSS.

O Anuário Estatístico da Previdência Social de 1997 mostra que, no ano de 1996, não houve repasse da contribuição sobre o lucro para o INSS. Onde, então, está o déficit? Só na parte em que o trabalhador financia o sistema? E as outras receitas mencionadas, não são consideradas?

No ano 2000, a arrecadação da contribuição sobre o lucro foi de R$ 8,665 bilhões e somente R$ 4,441 bilhões foram destinados à Seguridade Social. A Cofins, no ano de 2000, teve arrecadação de R$ 38,634 bilhões, sendo que R$ 21,553 bilhões foram destinados para outros fins, mas não para a Seguridade Social. A CPMF arrecadou, em 2000, R$ 14,397 bilhões, mas só foram destinados R$ 11,753 bilhões para a saúde. Para onde foi o resto do dinheiro?

A arrecadação da contribuição tem aumentado. Em 1995, as contribuições da Previdência corresponderam a quase uma vez e meia de tudo quanto a União arrecadou com todos os seus tributos. Nos dados acima não estão incluídas as contribuições do trabalhador, nem as dos concursos de prognósticos.

As distorções do sistema –

É claro que o numerário arrecadado para a Seguridade Social não é carimbado, mas não pode ser destinado para outros fins, principalmente quando entra pela porta do Tesouro Nacional (Cofins, contribuição sobre o lucro) e não sai integralmente para os cofres da Seguridade Social.

Há distorções no sistema que não foram corrigidas. A aposentadoria dos classistas na Justiça do Trabalho ocorria com cinco anos de trabalho na Justiça Laboral, desde que no total tivessem 30 anos de contribuição em outro sistema, que poderia ser até recolhendo sobre um salário mínimo. Evidentemente não houve custeio suficiente para esse fim e gera o déficit.

Os que entraram como servidores públicos no regime da CLT e foram considerados estatutários pelo artigo 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias se aposentaram com o benefício integral. Não há controle de caixa para tal pagamento, nem contribuição suficiente. Antes da reforma de 1998 foi usado tempo fictício, em que houve a inscrição no registro profissional, que foi considerado para a aposentadoria, mas não houve contribuição.

Os trabalhadores rurais anteriormente se aposentavam contando apenas o tempo de serviço (tempo fictício), sem recolher a contribuição previdenciária. O numerário dos antigos institutos de aposentadorias e pensões, que foram transformados no INPS e depois no INSS, foi usado para construir Brasília, mas ao que se sabe não foi devolvido ao sistema. Recentemente as contribuições foram usadas para outros fins, mas não para pagar os benefícios do segurado.

O servidor público recolhe contribuição de 11% sobre o total da sua remuneração e não sobre R$ 1.561,56, como na iniciativa privada. Não tem FGTS para assegurar seu tempo de serviço, nem pode exercer outras atividades. Não tem privilégio. Tem um direito assegurado constitucionalmente, uma garantia constitucional, que pode ser considerado pelo STF como cláusula pétrea, que não pode ser alterada por emenda constitucional, visando a compensar outros direitos que a iniciativa privada tem. Entretanto, a União não recolhe sua parte sobre o pagamento feito ao servidor público, que deveria ser de pelo menos 20% sobre sua remuneração, como acontece com as empresas no setor privado.

Para os magistrados, a estabilidade e a aposentadoria integral são garantias da sociedade para ter um juiz imparcial, em razão das restrições que tem de não poder exercer outra atividade, a não ser o magistério, e de não fazer jus ao FGTS.

Estima-se que o governo federal vá gastar este ano, com propaganda, R$ 1,6 bilhão. É um gasto inútil, que poderá ser destinado para qualquer outro fim, até para pagar um benefício social aos funcionários públicos.

Antes de se discutir o direito do servidor, é preciso realmente saber qual é o déficit, se é que ele existe, que não é o informado pelo governo, mas que serve apenas para fazer alarde na imprensa e colocar a população contra os funcionários públicos. Há, porém, soluções antes de extinguir o benefício integral do servidor: a) aprovar a lei complementar que está no Congresso Nacional e que estabelece o sistema de Previdência complementar para quem ingressar no serviço público a partir da sua promulgação; b) estabelecer limite de idade de 65 anos para o homem e de 60 anos para a mulher; e c) aumentar o tempo de contribuição para ter direito ao benefício.

Fala-se que o funcionário público irá ganhar até R$ 1.561,56, mas devem ser respondidas as seguintes perguntas: 1) Vão devolver ao servidor o que ele contribuiu à razão de 11% sobre a sua remuneração e não sobre o teto de R$ 1.561,56? 2) O governo vai pagar o FGTS retroativo a partir da data de ingresso do funcionário no serviço público ou a partir de 1.º de janeiro de 1967, quando entrou em vigor o fundo? 3) Se o governo vai deixar de arrecadar a contribuição dos funcionários à razão de 11% sobre suas remunerações, como vai pagar os atuais inativos que não ganham sobre o teto, mas sobre a última remuneração? Não haverá custeio suficiente e gerará outro “déficit”.

Há necessidade da incorporação das pessoas que estão na informalidade, que usam o sistema de saúde, mas nada pagam para a Seguridade Social, embora sejam segurados obrigatórios. É preciso maior eficácia na fiscalização, visando ao combate à sonegação, que tem melhorado com a instituição do GFIP.

Ultimamente quem “paga o pato” em tudo são os aposentados e os funcionários públicos. Está na hora de se entender que o sistema é social e feito para a sociedade e não para idéias preconcebidas de uns ou outros para os interesses de plantão, principalmente para direcionar o sistema para a previdência complementar, para as seguradoras e bancos lucrarem milhões ou bilhões, sem garantir que existirão quando o segurado vier a se aposentar.

Não há, portanto, déficit da Previdência Social, na forma como estão alardeando. É preciso maior controle da gestão da coisa pública. Como afirma André Gide: “Todas as coisas já foram ditas, mas como ninguém escuta é preciso sempre recomeçar”.

Sergio Pinto Martins é professor de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito da USP e juiz titular da 33ª Vara do Trabalho de São Paulo

 




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