Com
uma trajetória eclética destinada a poucos privilegiados
e atuações brilhantes nos setores público e
privado, a recém-empossada secretária estadual de
Cultura Cláudia Costin vem chamando a atenção
de diferentes grupos com a afirmação de que quer tornar
São Paulo um Estado de leitores. Casada e mãe de dois
filhos, é formada em Administração Pública
pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), onde também
fez mestrado e doutorado. Encabeçou o Ministério da
Administração Federal na gestão FHC e ocupou
cargos de alto escalão no Ministério da Economia e
da Previdência. Fundadora do Partido Revolucionário
Comunista, ex-militante maoísta, foi presa duas vezes no
Dops (em 1976 e 1977) e enquadrada na Lei de Segurança Nacional.
Recusou convite da prefeita Marta Suplicy para assumir uma secretaria,
pois na época gerenciava a Área de Setor Público
e Combate à Pobreza para a América Latina do Banco
Mundial (Bird). Entre outros cargos na área privada, presidiu
a Câmara Brasileira de Investidores de Energia Elétrica.
Cláudia elogia e diz que manterá alguns programas
da gestão de Marcos Mendonça, como o Projeto Guri,
as Oficinas Culturais e as Fábricas de Leitura. Mas enfatiza
que pretende incentivar a leitura por meio da implantação
ou adequação de bibliotecas e acervos em todo o Estado.
O Jornal da USP conferiu como a secretária pretende implantar
esse programa. Na
matéria seguinte, a professora Idméa Semeghini-Siqueira,
pesquisadora na área de lingüística e presidente
da Comissão de Bibliotecas da USP, comenta as idéias
de Cláudia. A seguir, trechos da entrevista.
Jornal
da USP – Como transformar São Paulo em um
Estado de leitores?
Cláudia
Costin – Desde a gestão anterior, existe no
governo federal um projeto que visa a transformar o Brasil num país
de leitores. Ocorre que São Paulo tem características
peculiares que permitem que o Estado seja até uma vitrine
do programa, porque aqui, ao contrário de outros Estados,
99% das crianças de 7 a 14 anos estão matriculadas
no ensino fundamental e 97% dos jovens de 15 a 17 anos estão
na escola. Para ocorrer leitura, o melhor caminho é que a
criança ou o jovem já venha de uma família
de leitores, mas isso não faz parte da realidade brasileira.
Somos um país que até recentemente foi rural e em
que a classe média é recente. Portanto, a leitura
não é uma realidade familiar e a universalização
da televisão e de outras mídias não ajudou
nesse processo. Então, qual pode ser a saída quando
o hábito de leitura não está no núcleo
familiar? A resposta é o sistema educacional se transformar
em centro de formação de leitores. E já que
São Paulo tem a maioria de suas crianças e jovens
na escola, penso que o Estado tem condições mais favoráveis
para multiplicar o número de leitores.
JUSP
– Quais os elementos para fomentar a leitura nas escolas?
Cláudia
– Num programa de incentivo à leitura, penso que há
três vertentes principais que precisam ser trabalhadas. A
primeira é facilitar e garantir o acesso a livros. Isso significa
incentivar bibliotecas escolares e comunitárias ou até
mesmo transformar bibliotecas escolares em bibliotecas da comunidade,
no caso, por exemplo, de municípios muito pequenos. Abrir
as bibliotecas à noite e nos finais de semana e proporcionar
o acesso da população até para que as crianças
vejam os pais lendo. Essa é uma das formas de acelerar o
processo de leitura, especialmente no Estado de São Paulo,
onde apenas 91 municípios não possuem bibliotecas
[o Estado tem mais de 600 cidades]. Nesse caminho, é preciso
atentar para três coisas: há casos em que as bibliotecas
têm livros, mas as pessoas não consultam porque não
existe a cultura de freqüência à biblioteca; em
outros, faltam profissionais qualificados para fazer um trabalho
interessante que atraia as pessoas; e, por fim, em muitos casos
o acervo é frágil. Ainda dentro do tópico “facilitar
acesso a livros”, é importante colocar as livrarias
mais perto da população. Também pensamos em
distribuir livros mesmo. Temos um grupo de especialistas pensando
nisso e ainda precisamos amadurecer a logística e avaliar
o impacto no orçamento de um projeto dessa envergadura. Quando
falei em transformar São Paulo em um estado de leitores,
falei como uma idéia-força, uma grande meta. Desde
então, tenho recebido pilhas de sugestões, e isso
demonstra que a população está interessada
em discutir como fazer isso. Estou interessadíssima nessa
conversa sob o ângulo acadêmico, até porque na
USP há vários centros que podem e devem dialogar com
esse programa. Eu gostaria muito que os professores da USP também
pudessem nos dar idéias de como acelerar esse processo. Interessante
foi, por exemplo, a observação de Maria Adelaide Amaral
[dramaturga e novelista, autora, entbe outros, de A casa das sete
mulheres, seriado exibido pela TV Globo], uma das pessoas que me
abordaram depois que eu comecei a falar sobre isso. Ela disse que,
normalmente, as crianças não são motivadas
a ler porque os seus professores também não gostam
de ler. A questão central é saber como é que
se recupera o prazer da leitura. Ela vem discutindo isso com alguns
psicólogos, que dizem se tratar de uma questão de
identificação ou empatia entre o leitor e o enredo
ou a personagem principal e assim por diante.
JUSP
– Qual é a outra vertente do programa de incentivo
à leitura que a senhora pretende propor?
Cláudia
– A outra vertente diz respeito à produção
de livros infanto-juvenis atraentes. Um dos mecanismos de incentivo,
já existentes, é a criação de prêmios.
Mas isso pode ser muito melhor trabalhado. Além de serem
premiados, os melhores títulos poderiam constar de uma relação
para que as escolas públicas os apontassem como sugestão
de leitura ou até mesmo como obrigação de leitura
nas férias. Nesses livros, é necessário combinar
textos prazerosos com textos que avancem em conteúdos educacionais
relacionados à leitura. Uma criança de determinada
idade não precisa de um livro pequenininho e cheio de figuras
e, no entanto, muitos dos nossos livros ainda têm essa configuração
mesmo quando são voltados para jovens de 12, 13 anos. Um
sucesso editorial, por exemplo, como Harry Potter, as crianças
de 10 anos estão lendo. Sinal que não é preciso
um livro com tanta figura para a faixa de 13, 14 anos. Então,
para o público infanto-juvenil, a questão do prazer
na leitura pode ser um ponto muito importante. Já em relação
à literatura adulta, o Estado de São Paulo sempre
foi um centro de excelência. Nós tivemos o Movimento
Modernista, temos aqui escritores excepcionais... Então quando
falo de qualidade de produção, estou pensando mais
no público infanto-juvenil que, depois de Monteiro Lobato,
teve um ou outro expoente. Essa política de incentivo à
produção não precisa ser exclusivamente em
São Paulo. Tem de ser uma política nacional e trabalhar
de forma muito articulada com o Ministério da Cultura para
que a produção de literatura infanto-juvenil adequada
aconteça. E mesmo aumentar a oferta de títulos infanto-juvenis,
que são minoria nas livrarias.
JUSP
– E a terceira vertente das suas propostas?
Cláudia
– É preciso baratear os livros. Na minha visão,
o que barateia custo de livro é o aumento de tiragem, o que
também está muito relacionado à distribuição.
Ou seja, se aumentarmos o número de bibliotecas e o de leitores,
o barateamento é quase uma conseqüência. Livro,
no Brasil, não é caro porque os editores são
ruins, mas porque pouca gente lê e a chance de existir encalhe
torna-o ainda mais caro. É um pouco a discussão da
galinha e do ovo. Tem gente que não tem acesso a livro porque
ele é caro e, no entanto, é caro porque pouca gente
tem acesso a ele. Acredito que a grande saída para isso é
multiplicar bibliotecas, porque a população terá
acesso a livros sem, necessariamente, precisar comprá-los.
JUSP
– E depois de multiplicar as bibliotecas, como atrair o público
para dentro delas?
Cláudia
– As bibliotecas precisam ter profissionais treinados. Na
minha infância, eu freqüentei a Biblioteca Infanto-Juvenil
Monteiro Lobato e, ao longo da minha vida, tenho encontrado pessoas
que freqüentaram comigo essa biblioteca. A maioria delas hoje
se destaca na sua área de atuação. Eu e o [ator]
Marcos Caruzo realizamos, na época, um empreendimento chamado
Academia Juvenil de Letras da Biblioteca Infanto-Juvenil Monteiro
Lobato, da qual eu fui presidente. Outro dia eu encontrei a Daniela
Bousso, que hoje é diretora do Paço das Artes. Nós
duas publicamos poesias na Biblioteca Infanto-Juvenil Monteiro Lobato.
E por que isso tudo aconteceu? Porque tinha lá uma excelente
bibliotecária, que motivava os jovens. Ela não era
uma pessoa com mestrado, doutorado... Era simplesmente uma excelente
profissional que entendeu que seu papel não era o de guardiã
dos livros, mas justamente o oposto, o de fazer o jovem ter acesso
interessante e divertido à leitura. O papel do bibliotecário
é importante não só para gerenciar conhecimento,
mas para motivar pessoas e trabalhar como agente de leitura.
JUSP
– Quais outras idéias para incentivar a leitura?
Cláudia
– Há uma série de exemplos. Em Santiago, no
Chile, existem bibliotecas circulantes no metrô. Se há
um momento em que as pessoas têm tempo de ler, é quando
se deslocam de ônibos ou metrô. Esta é uma das
idéias em estudo na comissão do projeto.
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