A
secretária estadual da Cultura, Cláudia
Costin, agradou a muita gente e também levantou polêmica
quando declarou que pretende transformar São Paulo num Estado
de leitores por meio de uma política integrada de incentivo
à leitura. O assunto – detalhado na edição
632 do Jornal da USP (http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2003/jusp632/pag04.htm)
– ainda promete esquentar discussões. Para Cláudia,
um programa de incentivo à leitura deve proporcionar o funcionamento
adequado de bibliotecas escolares e públicas, além
de incentivar o barateamento do custo de livros e o aumento dos
canais de distribuição. Essas alternativas são
eficazes para garantir que a população tenha acesso
a livros, defende.
Porém,
uma coisa é a teoria e outra é a prática, especialmente
se o complexo mercado editorial brasileiro tiver que entrar em sintonia,
de alguma maneira, com as propostas da secretária. Se, para
algumas editoras, reduzir margem de lucro é apenas uma opção
de estratégia mercadológica, outras garantem que seus
ganhos não podem ser mais reduzidos por questão de
sobrevivência. “Editor brasileiro gosta de livro caro.
Tudo depende do foco, do mercado para o qual pretende dirigir suas
vendas. O fato de o campeão atual (A casa das sete mulheres)
estar sendo vendido por R$ 48,00 diz muito sobre o mercado editorial
brasileiro. O público que compra ainda é uma elite.
Quem é que pode pagar esse valor por um best seller?”,
questiona Ivan Pinheiro Machado, profissional do meio há
29 anos e sócio fundador da L&PM Editores. A empresa,
que desde 1997 não só vem conseguindo manter de pé
sua coleção de bolso – a L&PM Pocket –
como segmentou 65% de sua produção para esse filão,
está fazendo história pela façanha, já
que tentativas do gênero fracassaram insistentemente desde
pioneiros como Monteiro Lobato, que, em 1918, fundou a primeira
editora brasileira, a Monteiro Lobato e Cia.
“Trabalhamos
com uma margem de lucro estreita e nossos preços são
razoavelmente mais baixos se comparados aos praticados pelo mercado
e tendo em vista um certo padrão de qualidade. Baixamos os
preços na medida do possível”, garante Luiz
Schwarcz, proprietário da Companhia das Letras. Na mesma
linha, Sérgio Machado, diretor-presidente da Record Editora,
defende as editoras nacionais relativizando os preços praticados
no mercado externo: “O livro no frontlist, recém-lançado,
é muito mais barato no Brasil. Basta comparar o novo Harry
Potter, que será lançado nos Estados Unidos a US$
30, ou seja, R$ 110. No Brasil, a Rocco não vai conseguir
colocar um preço nem de um terço disso, apesar de
ainda ter o custo da tradução”, afirma.
Argumentos
à parte, um ex-mestrando da Escola de Comunicações
e Artes (ECA) da USP, Lívio Lima de Oliveira, afirma ter
demonstrado em sua dissertação uma fórmula
bastante aplicável de redução de custo de produção
de livro. Defendida em junho de 2002 com o título “O
livro de preço acessível no Brasil: o caso da L&PM
Pocket”, a dissertação, como diz o nome, faz
um estudo de caso sobre a empresa que há seis anos vem se
mantendo forte no segmento de livros com preços populares.
Também chamado de bolso, seu preço médio está
em torno de R$ 13,00 e o formato (10x16,5 centímetros) é
um pouco maior que a metade de um livro convencional (14x21 centímetros).
“Com área de impressão menor, economiza-se papel.
Claro que é necessário seguir um padrão de
impressão visando à legibilidade”, explica Oliveira.
Tiragem
é outro fator importante que influi no custo de gráfica.
A L&PM, por exemplo, consegue volume grande porque trabalha
com uma série de títulos ao mesmo tempo, sendo todos
eles impressos num formato padrão, ou seja, tamanho, capa,
papel e cores são iguais para todos. Com isso, é possível
substituir com facilidade o que está sendo impresso. O processo
permite ainda otimizar fornecedores, tempo de produção
e logística de distribuição. Para cada título
– normalmente voltado para o público jovem –
a empresa imprime de 2 a 5 mil exemplares. Em março, a L&PM
Pocket está colocando em pontos de venda de todo o País
nove lançamentos e 33 reedições, o que totalizará
cerca de 120 mil exemplares, segundo Pinheiro Machado.
Outros
detalhes, como cadernos com acabamento colado e ausência de
orelhas, também reduzem custo. Além disso, trabalhar
com reedições traz economia em fotolitos e tradução.
Porém, quanto aos lançamentos, Pinheiro Machado faz
questão de frisar que sua empresa não economiza com
traduções. “Preferimos ter a nossa a comprar
textos antigos. Existem no mercado traduções medíocres
ou totalmente desatualizadas. Estamos lançando a nova tradução
de O vermelho e o negro, de Stendhal (Marie-Henry Beyle, 1783-1842),
com 650 páginas. Há uma tradução dessa
obra no Brasil que já foi feita há mais de 40 anos”,
diz o editor.
“Distribuição
é imprescindível” – Assim como qualquer
produto, livro requer logística de distribuição.
São justamente o grande número de pontos de venda
e as parcerias que conseguiu selar para distribuir seu produto o
“grande segredo” da L&PM, na opinião de Oliveira.
A coleção de bolso da empresa chega em aeroportos,
farmácias, postos de gasolina, lojas de conveniência,
supermercados, bancas de jornais e cafés, além de
livrarias. “A idéia é estar em qualquer lugar
onde qualquer pessoa possa ver e se interessar, especialmente porque
os títulos e gêneros são variados; agrada a
gregos e troianos. Nenhuma outra editora tem canais de distribuição
tão estruturados e diversificados como a L&PM”,
afirma o autor da dissertação.
Sobre
a logística de seu negócio, porém, Pinheiro
Machado mantém sigilo e não revela quantos são
os pontos de venda. “É tudo o que meus concorrentes
querem saber. O que posso dizer é que temos mais pontos que
o total de livrarias no Brasil. Se quiserem descobrir como fazemos,
que invistam tanto quanto investimos”, diz. Segundo Pinheiro
Machado, os maiores custos da L&PM Pocket residem em distribuição
e tradução.
“Ter
mais canais de distribuição é imprescindível
ao mercado editorial”, avalia Plinio Martins Filho, presidente
da Editora da USP (Edusp) e professor do curso de Editoração
da ECA. “O Brasil tem livro barato e um grande mercado. É
impossível que entre 170 milhões de habitantes não
se encontre leitor para uma tiragem de cerca de 3 mil exemplares,
que é a tiragem média de livros acadêmicos,
ou não-best sellers. Portanto, não se trata apenas
de reduzir custo de produção. O problema é
como chegar ao público. Isso implica não só
aumentar os canais de distribuição como também
melhorar a divulgação, ou as formas de comunicar os
lançamentos.”
Para
os padrões da Unesco (Organização das Nações
Unidas para a Educação, Ciência e Cultura),
o ideal é existir uma livraria para cada 10 mil habitantes.
Com base nesse cálculo, o Brasil deveria ter cerca de 17
mil livrarias. No entanto, pesquisa de 2000 do BNDES (Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social) mostra que o País
possui 1.280 editoras e 1.200 livrarias (incluindo papelarias e
pontos de venda sazonais). Os números dão uma idéia
de como o mercado editorial brasileiro e sua cadeia de distribuição
estão defasados e carentes de estudos que retratem sua realidade,
afirma Plinio. Consultor da Ateliê Editorial e membro da nova
diretoria da CBL (Câmara Brasileira do Livro), o editor defende
a criação de veículos específicos para
divulgar os lançamentos do mercado editorial, além
de maior abertura de espaço para pequenas editoras em feiras
e outros eventos.
Na
visão de Oliveira, não há um motivo específico
para tantas tentativas frustradas de popularização
do livro no Brasil. O problema pode ser cultural, econômico
ou até de atitude generalizada dos livreiros, que preferem
não reduzir sua margem de lucro pelo mesmo trabalho. “Há
um caso curioso. A gráfica carioca Expressão e Cultura,
que tradicionalmente imprime listas telefônicas, passou a
utilizar seu parque gráfico e sobras de papel para imprimir
livros de bolso. Colocou seu produto nas livrarias por R$ 1,00 e,
justamente por ser muito barato, não conseguiu compradores.
Nesse caso, não deu certo por puro preconceito do mercado”,
diz. A constatação frustrou Oliveira. “Sempre
achei que livro também tinha que ser encarado como meio de
comunicação de massa, como mais uma forma de alfabetização.”
O ex-mestrando
e atualmente assistente editorial da Companhia das Letras acredita
que o mercado para livro de bolso tende a crescer, especialmente
entre as editoras que já conseguiram sedimentar uma logística
de distribuição não-baseada estritamente em
livrarias. Para ele, a boa aceitação dos Clássicos
da Literatura Universal, da Nova Cultural, vendidos em banca por
R$ 11,90, só foi possível por causa do caminho aberto
por outras coleções populares da editora, como Sabrina
e Júlia.
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