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Anelli: preocupações didáticas
Maria Lúcia: sinais de vidas antigas
Dentes molares do Haplomastodon: vestígios do ancestral do elefante

O Museu de Geociências do Instituto de Geociências da USP expandiu recentemente suas atividades. A ele foi incorporada a Oficina de Réplicas — ligada ao Laboratório de Paleontologia Sistemática do Departamento de Geologia Sedimentar e Ambiental do instituto. “O museu é a porta de entrada de divulgação do trabalho feito na oficina”, afirma Maria Lúcia Rocha Campos, diretora do museu que possui um dos mais importantes acervos do País em sua área de atuação. O número de visitas chega a 20 mil por ano, “número alto se considerarmos a área de acesso restrita e a falta de indicação dentro do campus”, comenta.

Criada em 1998 pelo professor Luiz Eduardo Anelli, a oficina produz réplicas de fósseis de vida existente na Terra de 10 mil a 540 milhões de anos atrás. Esses produtos são vendidos a escolas, visitantes do museu e paleontólogos amadores. “O que tem mais saída são os dentes (de tubarão e de tigre-de-dente-de-sabre). As crianças colecionam”, informa Maria Lúcia. Com as réplicas, são vendidas fichas com desenhos e um texto sobre onde e como vivia a planta ou animal fossilizado. “Todas as ilustrações foram feitas por nós mesmos, já que elas não existiam em livros”, comenta Anelli. Desde 1999, já foram vendidas mais de cinco mil réplicas para quase todos os Estados brasileiros e para países como Estados Unidos, Alemanha e Itália.

Projetos para o fomento da produção é o que não falta. Desde que foi incorporada pelo museu, a oficina já ganhou uma sala para estocagem e uma reforma na sala onde as réplicas são feitas. “A oficina pode progredir para se tornar um centro de atividade que desperte nos alunos e na população em geral interesse sobre paleontologia. O fóssil é um registro histórico da vida”, comenta a diretora. Além disso, ela acredita que a Oficina de Réplicas vai progredir quando tiver capital de giro, sem depender da Universidade. “Para isso tem que haver investimento de alguma empresa”, que pode ser feito via Associação dos Amigos do Museu de Geociências.

Além da falta de verba, a oficina convive com um outro drama: ela possui apenas uma funcionária, que também trabalha para o Departamento de Geologia Sedimentar. De acordo com Maria Lúcia, o professor Anelli precisaria de uma área maior e mais adequada ao trabalho realizado na oficina e de uma pessoa que o assessorasse.

Dentes molares do Haplomastodon: vestígios do ancestral do elefante

Quando tudo começou – Logo que Anelli entrou na USP, em 1996, o Instituto de Geociências emprestava fósseis para professores e alunos usarem em aulas e feiras de ciências. Com o passar do tempo, ele percebeu que os materias, que custaram “caríssimo” à Universidade, estavam sendo destruídos pouco a pouco. “Por mais que as pessoas tomassem cuidado, o fóssil ia se deteriorando”, comenta. O paleontólogo, então, se sentia frustrado por não poder colaborar com professores e alunos interessados no estudo de fósseis.

A partir disso, teve a idéia de produzir réplicas e doá-las. Depois, porém, o departamento não teve mais verba para comprar o material necessário. “Percebi, então, que seria melhor comercializar as réplicas. Algumas pessoas se escandalizaram, mas, para mim, é melhor vender para milhares do que doar para cinco. A coleção de réplicas só se tornou acessível porque ela é comercializada”, analisa. Hoje a oficina tem uma coleção de 110 moldes feitos de silicone. Com incentivo da Fundação Vitae, foram comprados computadores, material para a manufatura das réplicas e criadas ilustrações que, até então, não existiam na literatura científica.

No Brasil é proibida a venda de fósseis nacionais. São comercializados apenas aqueles que vêm do exterior. Quem quer ter um fóssil encontrado no País precisa comprar a réplica. Entretanto, poucas são as empresas que trabalham com esse tipo de produto. As que existem “não mostram o ambiente nem o modo como o animal vivia”, afirma Anelli. Isso faz com que, segundo ele, a peça seja pouco popularizada e que não haja incentivo para a população no que se refere ao estudo da paleontologia. “O que eles fazem é um apelo de venda, e não didático”, comenta. Além do aspecto cultural, a economia que se faz comprando uma réplica é enorme. “Fazemos réplicas que custam R$ 5,00 de fósseis que valem US$ 100.”

Anelli criou uma coleção didática, chamada O Passado em Suas Mãos (R$ 450), composta por 24 réplicas de fósseis e três réplicas que reconstituem o animal, ilustrando os 12 períodos geológicos. Fósseis de plantas, invertebrados, vertebrados e icnofósseis (vestígios como pegadas e excrementos) são acompanhados de fichas explicativas e um guia didático para aplicação em aula de conceitos sobre teoria da evolução, anatomia e extinção das espécies. “A coleção apresenta fósseis brasileiros e estrangeiros, seguindo uma ordem geológica”, afirma. “Não conheço um material didático como esse no País.”

A preocupação do professor em relação ao ensino fundamental e médio é grande. Para ele, pouco se aprende sobre paleontologia. “Nem nas escolas mais caras do Brasil os fósseis são estudados e mostrados aos alunos”, reconhece. A inquietação de Anelli é tanta que existe um estudo sobre a utilização das réplicas na educação escolar. Entre os projetos do professor está também publicar um livro infantil, Colorindo a história da vida, que conta a história dos fósseis mais importantes do mundo e vai além dos já comercialmente explorados dinossauros. Anelli lamenta que haja muitos “buracos” no mercado editorial em relação a esse tipo de livro infantil – com “informações incomuns e preciosas”.

Vale do Ribeira – Anelli já viveu uma interessante experiência de extensão universitária com suas réplicas. Em junho de 2001, ele iniciou um projeto que visava a conscientizar a população de Iporanga, no Vale do Ribeira – uma região do interior paulista rica em vestígios arqueológicos – sobre a importância dos fósseis. O professor levou para a comunidade a técnica de produção de réplicas, a fim de criar kits arqueológicos de artefatos indígenas para escolas e turistas. “Dessa maneira, os moradores da região, que é muito pobre, poderiam ter uma fonte de renda.”

A verba para o projeto, liberada pela Reitoria, durou um ano. Com poucos recursos e falta de tino administrativo, a população não conseguiu dar prosseguimento à produção das réplicas. “Estão lá os moldes e o local apropriado para a oficina”, diz o professor. “Essa extensão precisa ser reativada, porque é muito bonito ver aquele povo preservar o que foi de seus tataravós há cinco mil anos.”

Anelli tem razão: Iporanga abriga o Parque Estadual do Alto Ribeira, onde se encontram fósseis arqueológicos com até 10 mil anos de idade. Ali viveram populações indígenas pré-coloniais e animais já extintos, como o Haplomasthodon, parente do elefante, a preguiça-gigante (Eremotherium) e um tatu do tamanho de um fusca, o Glyptodontes.

 

 

 

Seres de milhões de anos atrás

 

O material produzido pela Oficina de Réplicas do Museu de Geociências da USP fornece ensinamentos sobre o ambiente e os hábitos de animais que viveram há milhões de anos. Alguns desses animais são os seguintes.

Mesosaurídeo. Esse fóssil é encontrado em diversos Estados das regiões Sul e Sudeste do Brasil. O Mesosaurus foi um vertebrado aquático que viveu há 250 milhões de anos em um mar epicontinental (sobre o continente) que cobria parte do Brasil e da África, quando esses continentes estavam unidos, no período Permiano. Por isso, ele também é encontrado na África – fato que prova a ligação entre os dois continentes, pois seria impossível que um animal desse porte (menor que um metro de comprimento) conseguisse atravessar o Oceano Atlântico a nado.

Smilodon populator. Mais conhecido como trigre-de-dente-de-sabre, Smilodon populator foi um poderoso predador – vê-se pelo tamanho de seu dente. Com cerca de três metros de comprimento, ele viveu nas Américas há 1,5 milhão de anos até sua extinção, há cerca de 10 mil anos. Seus dentes fósseis foram encontrados em Lagoa Santa, Minas Gerais. Imigrante norte-americana, essa espécie está entre aqueles animais que invadiram a América do Sul pelo istmo do Panamá após o seu surgimento, há três milhões de anos.


Haplomasthodon. Parente do elefante asiático e africano que todos conhecem, esse mamífero brasileiro viveu no Pleistoceno, há milhares de anos. Através de seus dentes, é possível obter a idade aproximada no momento de sua morte. Dentes apresentando as cúspides afiadas devem ter pertencido a um animal que morreu ainda jovem; dentes com as cúspides arrasadas, a um animal que morreu em idade mais avançada.


Neoprocinetes penalvai. Esse fóssil de peixe marinho foi encontrado na Chapada do Araripe, no Ceará, região rica em fósseis. Além dos peixes, foram encontrados crustáceos, anfíbios, crocodilos, plantas e pterossauros. O Neoprocinetes viveu no Cretáceo, há 110 milhões de anos.

 




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