Os
servidores públicos estão atentos às novas
regras de aposentadoria que deverão ser instituídas
num futuro não muito distante com a pretendida reforma previdenciária
anunciada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva. No dia
10 de abril passado, o Conselho de Desenvolvimento Econômico
e Social (CDES) apresentou à equipe de Lula um relatório
com suas propostas de mudanças para a aposentadoria. Tendo
por base os pontos consensuais, os recomendados e os sugeridos pelo
conselho, e após discuti-los com os governadores e centrais
sindicais, o governo deverá redigir o projeto de lei que
entrará em votação no Congresso.
É
para essa fase preparatória do projeto que a professora Odete
Medauar, da Faculdade de Direito da USP, lança seu olhar
e faz um alerta: “É preciso se precaver contra qualquer
tipo de propaganda que coloque o servidor como o grande vilão
do déficit da Previdência. Esta vai ser um pouco a
linha que se tentará impor à sociedade a fim de quebrar
resistências que possam haver no Congresso Nacional na fase
de aprovação do projeto. Podem querer passar algo
como ‘olha, a sociedade não quer categorias com privilégios’”,
diz.
A professora
é enfática quando fala da pouca transparência
dos números do rombo da Previdência e lembra que o
servidor não pode ser culpado pelo déficit –
avaliado em R$ 54,4 bilhões no ano passado. “Nos últimos
oito anos foram desviados R$ 30 bilhões do sistema previdenciário
para outros gastos que não aposentadorias. Além disso,
a Previdência tem um crédito para cobrar de devedores
diversos, como empresas e órgãos públicos,
da ordem de R$ 100 bilhões. São recursos altíssimos
que não estão sendo direcionados para aposentadorias.”
A informação
de que o sistema previdenciário está numa situação
crítica e deficitária é incompleta, na opinião
de Odete. Segundo a professora, a Emenda 27, de 2000, permite que
20% do que é arrecadado pela Previdência seja redirecionado
para outras atribuições do governo, sem perspectiva
de retorno. “Isso o governo não fala. Existem afirmações
sem a correspondente documentação em dados precisos.
Não há um levantamento que leve em conta todos esses
aspectos, não só relativo ao que se gasta com servidor,
mas também ao que a administração não
se empenha em arrecadar.”
A má
administração e a desmoralização do
sistema previdenciário são problemas graves que também
devem ser sanados, diz a professora. “Recursos deixam de ser
arrecadados ou são utilizados de maneira desvirtuada. Além
disso, o sistema não detecta desvios ou pagamentos fictícios
– de beneficiários fantasmas ou falecidos, por exemplo,
que continuam recebendo porque o sistema não tem agilidade”,
afirma, e cita o caso da advogada Georgina de Freitas como exemplo
recente de corrupção contra a Previdência. A
fraudadora foi acusada de desviar mais de R$ 400 milhões
do INSS. O tema recebeu atenção do CDES, que aprovou
por consenso a necessidade de fiscalização contra
fraude e sonegação conjunta da Receita, Ministério
do Trabalho e INSS.
Corta
ou não? – O CDES discutiu muitos temas e não
chegou a um consenso sobre vários pontos polêmicos,
incluindo a redução do valor das pensões e
a taxação dos inativos. Foi recomendada a redução
do valor das pensões de viúvos e viúvas para
70% do benefício, “não obstante deva ser observada
uma série de requisitos a serem estabelecidos que preservem
os beneficiários de menor poder aquisitivo”, segundo
o documento do conselho. Essa proposta valeria também para
viúvas de militares e filhas pensionistas, que passariam
a receber o benefício até os 24 anos de idade e não
até o final da vida, como funciona atualmente.
A maioria
do conselho recomendou que a contribuição dos inativos
do regime próprio deve incidir a partir do teto do benefício
concedido pelo INSS (atualmente de R$ 1.561,00). Não houve
consenso dessa medida porque grande parte dos conselheiros acredita
que a decisão pode ferir o direito adquirido dos que já
estão aposentados. Entre os parlamentares e deputados do
PT, essa medida também tem apoio “capenga” e
já foi rejeitada duas vezes na administração
anterior. A professora Odete lembra que os aposentados e os que
já preencheram todos os requisitos para se aposentar não
poderão ter seus direitos afetados, conforme garante a Emenda
20, de 1988, de reforma previdenciária.
Mesmo
assim, em determinados setores, inclusive na USP, muitas pessoas
deverão se aposentar com a preocupação de serem
afetadas pela nova legislação. “Em várias
universidades nordestinas já houve muitas aposentadorias.
No Judiciário, há um número enorme de juízes
que já fizeram o pedido. Corremos o risco de termos um vácuo
em todas as esferas públicas e principalmente, acredito,
na carreira docente, que pressupõe um determinado tempo para
formar o professor para que ele passe por todos os degraus da carreira.
Além disso, aumenta o número de aposentados, onerando
ainda mais os recursos previdenciários”, lembra.
No
caso de expectativa de direito, ou seja, quando, por exemplo, o
servidor ainda não preencheu os requisitos para se aposentar
mas está “no meio do caminho”, a professora alerta
que podem haver atritos com as mudanças. “Quando se
trata de expectativa de direito e mudança no sistema, existe
uma corrente de pensamento que defende ser necessário estabelecer
um período de transição. As teorias mais modernas
a respeito de direito adquirido e segurança jurídica
dizem que, até nos casos em que não há direito
adquirido, é preciso estabelecer um período de transição
no caso de expectativa legítima. Além disso, os servidores
da esfera federal contribuem com 11% do total da sua remuneração.
Portanto, não é justo passarem para um sistema em
que eles vão ganhar muito menos em relação
àquilo que já contribuíram. Ainda não
há previsão de como se cuidará desses casos.”
Previdência
complementar – O relatório do conselho afirma que “não
houve uma posição consensual sobre a conveniência
da criação de um teto único para todos os regimes
previdenciários”. Uma minoria sugeriu o teto único
para aposentadoria, desde que seja elevado o teto do INSS, com correção
pela variação do PIB. Mas a imprensa nacional já
veiculou, na semana passada, que o governo pretende criar um teto
de R$ 2.400,00, válido tanto para servidores públicos
como para trabalhadores privados.
Outro
ponto polêmico diz respeito à criação
de regime previdenciário complementar para os atuais servidores.
No caso, por exemplo, de um servidor estatal em regime de CLT –
como são os funcionários da Petrobras, do Banco do
Brasil e da Caixa Econômica Federal, por exemplo – que
ganhe R$ 5.000,00, ele receberá na aposentadoria o teto do
INSS mais o complemento referente ao que ele e a empresa pagaram
à Previdência ao longo dos anos. “Esse, na verdade,
é o regime que se quer instituir para o servidor estatutário.
O servidor, então, receberia na aposentadoria até
o teto estipulado e também a previdência complementar.
Não se sabe ainda se a contribuição para a
previdência complementar será obrigatória para
quem já está no serviço público ou se
valerá só para quem está entrando agora. O
problema é que o servidor vai ter de pagar mais uma contribuição
para poder fazer parte dessa previdência complementar. Ninguém
quer ter um desconto a mais na sua remuneração”,
avalia a professora. “Com o imposto de renda (descontado a
partir de determinada faixa salarial) mais INSS, pensão e
previdência complementar, por exemplo, o servidor vai deixar
cerca de 40% e 45% da sua remuneração para a Previdência.
Sem dúvida nenhuma haverá uma reação
muito forte do funcionalismo a essas propostas e, especialmente,
de alguns segmentos que têm muitas restrições
no exercício de outras atividades, como é o caso de
militares, juízes, integrantes do Ministério Público
e mesmo dos professores universitários.”
Os
conselheiros indicaram por consenso a extensão de 10 para
20 anos da permanência do servidor no serviço público,
sendo que 10 anos ele deverá cumprir na carreira e cinco
anos, no cargo, para que possa se aposentar com os direitos do cargo.
Pela proposta, homens só poderão se aposentar com
60 anos e mulheres, com 55 anos.
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