São
artistas de rua. Mas são artistas sim. E o Museu de Arte
Contemporânea (MAC) da USP não duvida. Pelo contrário.
Fez questão de convidá-los para integrar a sua festa
de aniversário. E oferecer a lateral de sua fachada para
que grafitassem à vontade, como pintam os incontáveis
muros da cidade. A única regra era que os desenhos não
invadissem a frente do edifício.
Foi com essa liberdade que Rafael, Japo, Atho, Mazu, Arthur, Ciro,
Zezão, Dinho, Tim e Boleta – todos integrantes do Projeto
Aprendiz – arregaçaram as mangas para, como eles próprios
definiram, “abraçar o MAC”. Um abraço
sem regras, porque não resistiram a invadir alguns metros
da frente do edifício, lembrando que para o grafiteiro é
proibido proibir.
Durante
uma semana, sob o frio, chuva e sol, os artistas trabalharam na
criação de um painel gigante. Criaram sem um tema
definido. Deixaram a imaginação comandar as latinhas
de tinta spray automotiva. E foram pintando com determinação.
Cada
um dentro do próprio tema e estilo, mas buscando a harmonia
entre as cores.
Preto,
vermelho, amarelo, cinza, prata... Um pintou na parte de cima
do prédio. Outro, na de baixo. A parede foi dividida entre
os dez artistas. Não em partes iguais, porque os desenhos,
mesmo diferentes, foram se integrando espontaneamente em uma criação
coletiva. Japo sugeriu uma explosão de blocos que, na verdade,
são letras que compõem a sua mensagem para a cidade.
Ciro procurou uma forma única em tons vermelhos, expressando
uma idéia de revolução, de mudança que
tem a ver com o pioneirismo do MAC. “Acho que cada um deve
interpretar como bem entender”, diz Rafael. “O nosso
mural tem várias mensagens, mas a proposta é a democracia
da arte.”
O Projeto
Aprendiz é uma ONG que vem divulgando o grafite em São
Paulo. Já fez diversas intervenções, como a
pintura da fachada do Banco de Boston, na avenida Paulista, e do
Centro Cultural São Paulo e os desenhos na exposição
“Casa Cor/São Paulo”. Desta vez, procurou homenagear
a história do MAC que, aos 40 anos, se renova incentivando
os jovens artistas e a sua liberdade de expressão. “Para
nós, essa iniciativa do museu foi muito importante”,
observa Rafael, 25 anos, designer gráfico formado pela Faap.
“É um reconhecimento ao grafite. Está certo
que a nossa arte nasceu no underground e vai continuar no underground,
senão perde a graça. Mas é importante que as
pessoas entendam o nosso movimento. Não queremos destruir
a cidade. Nossas intervenções, muitas vezes, são
para trazer cores em lugares que passam despercebidos. Ou para protestar
contra o sistema. O grafite tem uma razão de ser.”
Passar
uma mensagem – Quando começaram a pintar, os carros
paravam ao redor do MAC. “Várias pessoas perguntaram
se tínhamos autorização para fazer aquilo”,
conta Ciro. “Chamaram a nossa pintura de aquilo. Mas muita
gente também parou para apreciar e elogiar. Alguns estudantes
sentavam no chão para observar o nosso trabalho. Muito bom...”
Ciro
não estranhou a surpresa do público. “A nossa
intenção é exatamente nos comunicar com as
pessoas. Passar uma mensagem”, diz. Por essa mensagem, os
grafiteiros, inúmeras vezes, acabam sendo encostados no paredão
pela polícia. “Tem policiais que compreendem o nosso
trabalho, até gostam. Mas outros apreendem as latas de tinta,
e cada uma custa R$ 7,00. Há aqueles que pintam os grafiteiros
ou levam para a delegacia. A nossa postura é sempre tentar
explicar.”
Até
chegar às paredes do MAC, Zezão, paulistano, 31 anos,
explica que percorreu um longo caminho. “Fui office-boy, motorista,
motoboy. Comecei a trabalhar ainda moleque. Meu pai foi embora de
casa e tive que ajudar a minha mãe a sustentar meus dois
irmãos menores. Andava pelas ruas e gostava de ficar olhando
os cartazes, os muros. Com o tempo, foi me dando uma vontade de
pintar. Passei a gastar metade do meu salário com tinta spray.”
Como
os outros grafiteiros, Zezão percorre a cidade observando
os muros, os pilares dos viadutos, as fachadas dos edifícios.
“Quando vejo um espaço que me agrada, não sossego
enquanto não pintar. Fico imaginando as cores, as linhas
e o tema. Muitas vezes, passo dias sonhando com um grafite. Aí
vem outro artista e pinta por cima. Faz parte. O grafite é
a arte do efêmero.”
Zezão
ficou satisfeito por integrar a homenagem ao museu. Mas dedicou
a sua pintura à mãe, Maria José Amaro Capelo,
que faleceu na véspera de ele encerrar o trabalho. “Ela
estava muito doente. Ia ficar muito orgulhosa se visse a nossa pintura.
Passou tantos anos preocupada com o meu futuro, não imaginava
que um dia eu conseguiria sobreviver com o grafite.”
Os
artistas do Projeto Aprendiz terminaram o mural poucos minutos antes
de começar a programação de aniversário
do MAC, no dia 8 de abril. Quando os holofotes acenderam, eles ficaram
sentados na grama apreciando o resultado. “É bom saber
que no interior deste edifício estão os mestres Di
Cavalcanti, Portinari, Tarsila, Anita Malfatti... E do lado de fora
estamos nós, os grafiteiros, deixando a nossa impressão
digital também”, conclui Zezão.
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Zezão:
pintura dedicada a sua mãe |
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