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A falta de consenso entre os cientistas é muito comum em áreas que caminham nas fronteiras do conhecimento humano, dadas as dificuldades impostas pela própria natureza da atividade. No caso da astronomia, as polêmicas são muitas, alimentadas por novas tecnologias, que incluem sondas e telescópios superpotentes, como o Hubble – em órbita da Terra –, que permitem o acesso cada vez maior ao estudo dos astros que se situam a enormes distâncias do nosso planeta, cujo acesso seria impossível há pouco mais de dez anos. Com tanta coisa para desvendar, questões como a origem dos buracos negros, de determinadas estrelas (diferentes das outras) e dos mecanismos que regem o funcionamento do Universo formam um caldo fértil para o surgimento de diferentes teorias e hipóteses que, progressivamente, acabam ou não sendo comprovadas por estudos posteriores.

Quando o assunto é o tamanho e o formato do Universo, uma idéia antiga, formulada por Albert Einstein (1879-1955), tem ganhado força. Segundo o inglês Andrew Hamilton (Universidade do Colorado), o sueco Max Tegmark e sua esposa, a brasileira Angélica de Oliveira Costa, ambos da Universidade da Pensilvânia, o Universo não é infinito mas parece ser, graças ao seu formato curvado e esférico, espalhado por quatro dimensões, sem começo nem fim definidos. “A visão de um observador dentro de um universo finito é similar à visão que ele teria se morasse numa sala de espelhos. Olhando para a direita, um observador veria a sala de maneira idêntica ao que enxergaria se olhasse para a esquerda, para a frente ou para trás. Mas esse universo não é infinito e todas as imagens observadas são, na verdade, reflexos da mesma sala onde reside o observador”, explica a paulista Angélica, física formada pelo Instituto de Física da USP (IF), com mestrado e doutorado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Da mesma forma, é como se uma pessoa quisesse encontrar o final da Terra. Ela andaria em círculos eternamente, sempre retornando ao seu ponto de partida, sem nunca conseguir localizar o começo ou o fim do planeta.

Especialista em radiação cósmica de fundo (RCF), elemento presente em todos os cantos, cuja origem se encontra na explosão primordial ou big-bang – evento responsável pela criação do Universo –, Angélica e seus colaboradores conseguiram chegar a essas conclusões por meio da análise das imagens e dados obtidos pelo satélite Wilkinson Microwave Anisotropy Probe (Wmap). Esse satélite foi criado para detectar as flutuações de temperatura da RCF, cuja análise permite definir em que tipo de Universo vivemos e como os diferentes modelos de interpretação cosmológica podem ser desenvolvidos, incluindo neles informações referentes ao funcionamento do Universo no início da sua existência, a origem das galáxias e sua estrutura atual.

Os resultados das medições do Wmap estão sendo disponibilizados na Internet pela Nasa (a agência espacial norte-americana) para que cientistas de todo o mundo tenham acesso e possam tirar suas próprias conclusões. “Os pesquisadores do Wmap fizeram um trabalho excelente, mas estávamos procurando outra coisa, que nos desse indícios sobre o tamanho do Universo, o que nos levou a encontrar um ponto ou eixo de distribuição da radiação que ninguém esperava, cuja existência é compatível com um modelo de Universo finito, único capaz de fornecer, no futuro, uma explicação razoável para o que é esse fenômeno”, diz Angélica. Analisando a distribuição da intensidade dessa radiação e suas variações de temperatura pelos vários pontos do céu, os cientistas conseguem determinar algumas características do cosmo, como a quantidade de matéria e de energia que o forma, sua geometria (curvatura local do espaço), topologia (formato geral) e de que forma ocorreu a inflação, súbita expansão do Universo ocorrida quando ele tinha cerca de 300 mil anos – atualmente são 13,7 bilhões – e que permitiu a posterior formação dos corpos celestes tal como hoje nós os conhecemos.

Expansão contínua – As primeiras grandes observações da RCF foram feitas pelo Cobe, um satélite também especialmente projetado para detectá-las. No fim dos anos 90, uma equipe formada por cientistas de diversos países criaram o projeto Boomerang, baseado no uso de balões para a produção de medições 40 vezes mais precisas do que as do Cobe. Em 2000, o grupo apresentou suas conclusões, sendo que a principal delas é a de que o Universo está se expandindo e continuará assim, provavelmente, para sempre, novamente validando a teoria do russo Aleksandr Aleksandrovich Friedman (1888-1925), comprovada anteriormente pelo astrônomo Edwin Hubble (1889-1953), de que o Universo se movimenta num fenômeno contínuo de ampliação ou expansão. “Na prática, os dados do Wmap confirmaram os do Boomerang”, afirma Angélica. “A diferença é que a nossa descoberta, de um eixo de distribuição da radiação, permite trabalhar com a teoria de que o Universo é finito”, explica. “Os resultados do Wmap e as observações de supernovas distantes sugerem que o Universo está se expandindo de forma acelerada, o que implica a existência de uma forma de matéria com pressão negativa, também chamada de matéria ou energia escura. Se ela tiver uma presença importante na evolução do Universo, então este se expandirá para sempre.”

Recentemente lançado, o Wmap foi colocado em uma órbita situada a 1,6 milhão de quilômetros da Terra. A Nasa espera poder contar com os serviços do satélite por, pelo menos, mais três anos. Por meio da observação da RCF, os cientistas acreditam que poderão conseguir novos dados sobre a natureza da matéria escura que compõe o cosmo, a inflação e o formato do Universo. “Muitas questões relativas ao Universo ainda estão completamente em aberto e, portanto, acabam gerando muita especulação”, diz Angélica. “Os cientistas ainda estão longe de chegar a um consenso em determinadas questões. A única certeza é a de que as novas tecnologias de coleta de dados nos fornecem maiores possibilidades de ação.”

 

 

 

 

 

Representação do modelo das duas estrelas que formam a Eta Carinae quando acontece o “eclipse”. Nesse momento, ao longo de suas elipses, as duas estão em maior aproximação (periastro)

O eclipse de uma estrela

A Eta Carinae, maior e mais luminosa estrela do Universo conhecido, sofrerá uma espécie de “apagão” em meados deste ano, segundo descoberta de astrônomo da USP. Com o fenômeno, ele espera provar outra teoria sua – a de que o
astro é formado por duas estrelas, e não por uma só, como supõe parte da comunidade científica

A maior e mais luminosa estrela do Universo conhecido vai sofrer um “apagão” em meados deste ano. Essa é a previsão do professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP Augusto Damineli e a estrela em questão é a Eta Carinae. Segundo sua teoria, o astro é formado por duas estrelas – uma maior, com cerca de 70 massas solares, e outra menor, com 35 massas solares. A menor gira em torno da maior e as duas seguem uma elipse inversamente proporcional à sua massa. Quando as duas chegam à máxima aproximação entre elas (periastro), ocorre uma espécie de eclipse. “Uma estrela praticamente entra na atmosfera da outra e ocorre o apagamento. Esse é um movimento ainda não descrito pela astronomia”, afirma Damineli. Segundo os cálculos do professor, esse “eclipse” acontece a cada 2.020 dias (5,53 anos), correspondente ao tempo que uma leva para completar a órbita e passar perto da outra. A previsão – que ainda vai ser precisada por Damineli através de cálculos – é que o fenômeno ocorra entre o final de junho e o início de julho deste ano.

Antes de a teoria de Damineli ser anunciada, acreditava-se que a Eta Carinae era formada apenas por uma estrela. A notícia, publicada em 1997, após outro “apagão”, foi recebida positivamente por uma parcela da comunidade científica. Muitos pesquisadores, entretanto, ainda desconfiam dessa tese e Damineli acredita que, caso as suas previsões sobre o “eclipse” estejam corretas, o “apagão” será a prova final para a confirmação de suas observações. “O descrédito inicial se deu porque a descoberta aconteceu em estudos a partir de um telescópio pequeno, de 1,60 metro de diâmetro, e em país subdesenvolvido. Por isso eu preciso provar muito mais que alguém que tenha acesso a tecnologias de ponta”, comenta.

Movimentos cíclicos – A Eta Carinae é uma gigante do espaço e faz parte das estrelas chamadas hipernovas. Uma estrela como ela tem uma gravidade muito pequena e, por isso, não poderia oscilar com tanta regularidade – a cada 5,53 anos. “Se o ‘apagão’ acontecer na época prevista, ninguém conseguirá sustentar que ela seja única”, afirma Damineli. “Um corpo tão grande não consegue fazer uma dança tão precisa e rápida”, continua. Portanto, ela teria que ser formada por mais de um corpo.

Fotografia feita pelo Telescópio Espacial Hubble.
É uma das fotografias de maior nitidez tirada em céu noturno. A parte central mais luminosa contém
a estrela, invisível na faixa óptica do espectro. Uma análise química
da nebulosa, formada por gases e poeira, mostra que seus gases foram processados por reações nucleares no centro da estrela, indicando que ela está próxima de sua morte

De acordo com observações do professor, feitas no Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), em Brasópolis (MG), a sua luminosidade está seguindo uma curvatura, em raios X, igual ao período que antecedeu o seu último “apagão”. Isso levou o pesquisador a acreditar que o evento se repetirá no prazo estipulado. “Na madrugada do dia 15 de março eu fiz essas observações e ficou claro que o evento irá acontecer”, afirma. Apesar do alerta internacional, esse “eclipse” poderá ser observado apenas por pesquisadores ou amadores que tenham equipamentos mais avançados que uma luneta. Ele será imperceptível à luz visível. Apenas nos canais de raios X, ultravioleta e linhas espectrais é que ele será percebido.

Com incentivos da Fapesp e do CNPq, Damineli monitora intensivamente as mudanças que ocorrem na estrela a fim de precisar o dia em que acontecerá o “apagão”. Depois disso, comunicará às instituições parceiras, para que não observem o fenômeno na hora errada. Várias entidades internacionais estão vigiando o evento esperado, como a Nasa (com os telescópios e satélites monitorando o fenômeno) e observatórios na Argentina (Casleo), sul da África e Chile (ESO e Gemini Sul), que conseguem enxergar a Eta Carinae em raios X e gama, infravermelho, óptico e espectral, além do LNA brasileiro.

Tamanho do gigante – A Eta Carinae emite 5 milhões de vezes a luz do Sol. Não se conhece sua potência, porém, porque ela está a aproximadamente 8 mil anos-luz de distância, o que significa algo em torno de 80 mil trilhões de quilômetros. Com a ajuda de uma luneta, é possível ver apenas uma nebulosa – resultado de sua atmosfera rica em gases e explosões. Para quem quiser observá-la, nesta terça-feira, dia 13, às 21 horas, ela estará ao lado direito do Cruzeiro do Sul.

Ao lado, o mapa do céu nos dias e horários em que será possível enxergar a Eta Carinae: dias
13 de maio
(21 horas),
28 de maio
(20 horas),
13 de junho
(19 horas),
28 de junho
(18 horas)
e 13 de julho (17 horas)

A estrela tem cerca de 2,5 milhões de anos. “É recente, se compararmos com a idade do Universo, de 13,7 bilhões”, comenta Damineli. De acordo com o professor, o estudo da Eta Carinae é importante porque estrelas como ela produziram, há 13 milhões de anos, todo o oxigênio e nitrogênio que a Terra possui. No início da formação da galáxia, essas estrelas explodiram e os planetas que nasceram depois se enriqueceram desses gases. “O oxigênio introjetado na Terra deu origem à água”, afirma. Todas essas estrelas, no entanto, já morreram. Depois disso, poucas estrelas grandes surgiram – e uma delas é a Eta Carinae. “Podemos estudar nela a evolução das estrelas e entender a própria vida na Terra. A partir dela também é possível compreender como aconteceu o enriquecimento químico da galáxia”, explica o professor. Damineli compara a Eta Carinae a um dinossauro vivo. “Os paleontólogos estudam a evolução dos dinossauros e a transformação do ambiente a partir de fósseis. Com a Eta Carinae nós temos um objeto de estudo vivo e semelhante ao que existia há 13 bilhões de anos.”

O essencial, agora, é saber qual era o peso inicial da estrela. Damineli explica que, em razão dos fortes ventos estelares (espécie de chuva de prótons e elétrons), a estrela foi perdendo sua massa ao longo da vida. “Hoje ela está magra”, garante. Se se medir o quanto de massa ela está perdendo, pode-se, então, estipular seu peso inicial. Para isso, no entanto, é essencial saber se ela é composta por uma ou duas estrelas. O professor acha que, das duas estrelas que formam a Eta Carinae, apenas a maior perdeu grande parte do peso.

“Sabemos que a Eta Carinae está morrendo”, afirma o professor. Na linguagem científica, uma estrela estar perto da morte significa que ela ainda tem de 10 mil a 100 mil anos de vida. Ao fim, ocorrerá uma explosão tamanha que os habitantes da Terra conseguirão enxergá-la. E melhor: será tão brilhante quanto a lua cheia. “Essa explosão pode ser um perigo para a Terra. A parte do planeta que estiver voltada para a estrela vai ser bombardeada de raios gama.” Os pesquisadores não sabem ainda como essa energia será processada pela natureza. Até lá, cabe à comunidade científica estudar para que ela seja o menos maléfica possível.

LAURA LOPES

Damineli: grandes descobertas com um telescópio modesto

 

 




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