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Nem arte nem ciência. Técnica? Mas, técnica em que não existem os passos certos, o caminho predeterminado, único e exato a ser seguido, o jornalismo parece atividade difícil de se definir. Impossível determinar-lhe com precisão um método de trabalho, uma verdade inegável, e cada jornalista, para chegar ele também ao fim comum – o fato –, parece ter que reinventar a profissão, estabelecer seus princípios e meios. Para aconselhar quem já está na carreira e aspirantes, solucionar algumas dúvidas e criar muitas outras, a Edusp agora reedita Clássicos do Jornalismo Brasileiro.

A coleção, lançada em 1992, reúne seis importantes obras, esgotadas há muito, da escassa bibliografia nacional sobre imprensa e jornalismo – O problema da imprensa, de Barbosa Lima Sobrinho, A imprensa e o dever da verdade, de Rui Barbosa, Jornalismo como gênero literário, de Alceu Amoroso Lima, A missão da imprensa, de Carlos Lacerda, Iniciação à filosofia do jornalismo, de Luiz Beltrão, e Espírito do jornalismo, de Danton Jobim. Escritos entre as décadas de 20 e 50, por pioneiros na área, os livros surpreendem pela pertinência e atualidade dos temas que discutem.

Mesmo com a radical mudança dos quadros da república brasileira – social, político e econômico –, com a aposentadoria dos linotipos pelas rotativas eletrônicas e com a transformação dos jornais em grandes conglomerados de mídia, muitas perguntas continuam as mesmas para quem decide ser repórter. E, para elas, continua-se a buscar respostas.

Alvo de discussões desde o século 18, quando o periodismo começava se desenvolver e surgia a consciência da sua função política, a liberdade de imprensa é uma dessas questões. Capaz de tomar páginas e páginas dos autores de Clássicos do Jornalismo Brasileiro, a temática, que hoje pode parecer ponto pacífico, assunto acertado e encerrado, ressurge em algumas situações, como recentemente ocorreu na guerra do Iraque, com força. “É uma discussão eterna. Daqui a 200 anos estaremos discutindo a imprensa e a liberdade de imprensa”, diz Alberto Dines, autor do prefácio de um dos livros da coleção, O problema da imprensa. Para o jornalista, que está na carreira desde 1952 e é um precursor do media criticism no Brasil – Dines é idealizador e editor do programa “Observatório da imprensa” –, mesmo que se chegue a uma situação em que todo o mundo seja democrático, nunca se vai resolver esse problema. À medida que a imprensa avança, a discussão sobre a liberdade de expressão também avança. A liberdade de imprensa é um dos problemas irresolvidos da democracia. Aliás, a democracia é irresolvida, porque ela, ao contrário dos sistemas autoritários, que são fechados, é um processo dinâmico”.

Com vontade de sair dos lobbies dos hotéis, aos quais estiveram relegados em 1991, e ver essa guerra do Iraque de perto, os jornalistas decidiram trabalhar embedded, incorporados às frentes de batalha dos exércitos anglo-americanos. Para isso receberam treinamento e tiveram que assinar um contrato com o Pentágono. Tal contrato os proibia, por exemplo, de mostrar rostos de americanos mortos, divulgar números exatos das forças da coalizão e operações militares antes de seu início. “Já na Segunda Guerra, quando os pracinhas brasileiros foram lutar na Itália, os jornalistas que cobriram a FEB trabalharam incorporados, assim como estavam os jornalistas no Iraque. O Joel Silveira, que está vivo ainda, usava farda de soldado brasileiro. Toda a cobertura de guerra sempre foi embedded. Se não, você leva um tiro”, conta Dines, que já trabalhou como correspondente em duas guerras. “Veja o caso do Robert Capa, o maior fotógrafo de guerra de todos os tempos. Ele quis ser independente, entrou sozinho em um arrozal, pisou em uma mina e morreu.”

Em Espírito do jornalismo, escrito no fim dos anos 50, Danton Jobim já aborda o noticiário de conflitos internacionais abandonando a aspiração à imparcialidade absoluta. “Não se pode exigir de agências inglesas, por exemplo, que sejam absolutamente imparciais ao relatar o conflito entre o Irã e a Grã-Bretanha, ou entre esta e o Egito, por mais apaixonados que sejam pela sacrossanta objetividade nas notícias”, escreve Jobim.

O leitor estaria, portanto, condenado a relatos fragmentados e influenciado pela postura do repórter? A resposta da história parece ser sim. Até porque, no calor dos acontecimentos, tudo pode ser um tanto nebuloso. Euclides da Cunha, que cobriu a Guerra de Canudos como correspondente de O Estado de S. Paulo, escreveu o seu monumental Os sertões movido pelo desejo de fazer uma autocrítica da omissão de sua própria cobertura jornalística, que adotara, na época, um tom excessivamente patriótico. Só no livro, escrito alguns anos depois do fim do conflito, se mostraria pela primeira vez a crueldade e a barbaridade empregadas pelo exército republicano.

Mas e a censura, teria havido nessa guerra? Segundo Dines, parece que não. “Toda cobertura de guerra tem que ter alguns controles. O repórter não pode dizer onde está e assim dar a localização de uma unidade militar para o inimigo. Eu não estou tomando partido, mas procurando raciocinar sem ideologia. Se os jornalistas queriam participar, tinham que entrar nas frentes do exército, e para entrar tinham que seguir certas regras. Censura, a imprensa americana não sofreu. Havia o USA Today, que é de direita, mas também o New York Times, que é progressista. A FOX é de direita, mas tinha a CNN, que antes estava na direita mas foi empurrada para o centro. Existem jornalistas que fizeram uma cobertura mais parcial, como o Robert Fisk, que mentalmente estava do outro lado. Mas existia um outro que contraditava o Robert Fisk. Na democracia você tem essas parcialidades. Um puxa para um lado e outro puxa para o outro.”

Sem se perder – A existência das parcialidades, no entanto, não deve inibir a busca pela verdade, já ensinava Rui Barbosa em 1920, no seu A imprensa e o dever da verdade. “Nada mais útil às nações do que a imprensa na lisura da sua missão. Nada mais nefasto do que ela mesma na transposição do seu papel.” Naquele momento, o suborno, a corrupção e a coerção dos Estados sobre os jornais eram um empecilho ao exercício do bom jornalismo. Hoje, o despreparo dos jornalistas, sua falha formação intelectual e suas amarras ideológicas, que funcionam como uma espécie de autocensura, parecem ser os maiores problemas.

“O jornalismo é a arte de simplificar a complexidade dos fatos e das opiniões”, definiu Carlos Lacerda. Mas tal simplificação, sabia ele, devia ser feita não de forma aleatória, mas com uma finalidade, para torná-los compreensíveis ao maior número de pessoas possível. No noticiário brasileiro do conflito iraquiano, o maniqueísmo, que é a simplificação em último grau, e também o excesso de informações desencontradas teriam feito com que os leitores pouco entendessem sobre o que se passava e por quê. “A imprensa brasileira se perdeu porque não conseguiu costurar os fatos. O leitor entrou e saiu de uma guerra sem saber o que estava acontecendo. A descostura no noticiário fez com que o jornalista se tornasse um autômato”, analisa Dines. “Nós temos que lutar contra a manipulação. O que devemos fazer é oferecer amarrações não-ideológicas, mais claras, históricas, com remissões ao passado. No caso do Iraque, há coisas que precisariam ter sido lembradas, que o jornalista não sabia, que por isso foi simplificando, e aí fez uma tábula rasa.”

Sem a capacidade de perceber nuances, a imprensa teria confundido o sentimento anti-Bush com um antiamericanismo, elencando heróis e vilões. “Eu acho que ser anti-Bush é um dever dos democratas, mas o que eu não posso é, por causa disso, ser a favor de Saddam Hussein. E foi exatamente o que aconteceu. As pessoas perderam os limites, sabe por quê? Porque foram levadas pela ideologia. O Bush era o vilão, eu concordo. Mas colocar o Saddam como vítima é um erro. Hoje começam a sair informações sobre o governo de Saddam que, por quererem ser politicamente corretas, as pessoas não divulgavam. Cada um tem suas convicções. O que não se pode é dizer mentiras. O pior perigo para o jornalista é ser um militante político. Ele pode, em casa, ser um fervoroso defensor disso ou daquilo, mas, quando se senta para escrever, tem que ver o outro lado. Sempre.”

 

A coleção Clássicos do Jornalismo Brasileiro, da Edusp, inclui os títulos O problema da imprensa, de Barbosa Lima Sobrinho (196 páginas, R$ 24,00), A imprensa e o dever da verdade, de Rui Barbosa (78 páginas, R$ 12,00), Jornalismo como gênero literário, de Alceu Amoroso Lima (80 páginas, R$ 12,00), A missão da imprensa, de Carlos Lacerda (88 páginas, R$ 15,00), Iniciação à filosofia do jornalismo, de Luiz Beltrão (203 páginas, R$ 25,00), e Espírito do jornalismo, de Danton Jobim (222 páginas, R$ 21,60). Eles podem ser encomendados à editora pelo telefone 3091-4149

 

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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