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Moradores de Atibaia expostos à contaminação: projeto da USP busca soluções para problemas ambientais

São 52 quilômetros de asfalto, sob a luz do sol e o vento frio da manhã. Curvas sinuosas quebram a monotonia do verde da paisagem, que se repete ao longo de todo o percurso. A estrada que entrecorta as serras paulistas traz muitos obstáculos, mas a viagem é curta. Logo à frente, uma placa anuncia que o local de destino está próximo. Dominada por aldeias indígenas há um século, seu nome traz consigo a herança desse passado. De origem tupi, Atibaia significa “rio de águas abundantes e agradáveis ao paladar”.

Mas, apesar da tradução fiel, o nome não faz jus à realidade de alguns moradores da região. Há poucos meses, a água que saía pela torneira da casa de Cristiane de Souza, que mora no bairro do Tanque há 20 anos, era amarela e cheirava a óleo. Tereza Rodrigues Oliveira, que mora na mesma rua, também percebeu a diferença da água no paladar e assustou-se quando foi lavar a igreja: o chão ficou sujo, com pequenas manchas que também pareciam óleo. Não apenas um, mas todos os poços dos moradores daquela área estavam contaminados por causa do vazamento de óleo diesel e gasolina que houve nos tanques do Auto Posto Gigio, que tem a bandeira da Petrobras e fica localizado do outro lado da Fernão Dias – por ironia, ao lado da empresa de águas que leva o nome da cidade.

Bairro simples, com ruas de terra e pequenas casas que se alinharam em torno da rodovia, o Tanque fica próximo à divisa com Bragança Paulista. De acordo com Rita Bergo, médica responsável pelo Núcleo de Vigilância Epidemiológica de Atibaia, independentemente do vazamento do posto, a água dessa região é “naturalmente contaminada” por conter muito ferro. “Não se pode nem clorá-la porque ela oxida e fica marrom. O terreno tem outros elementos químicos que também comprometem essa água.”

O próprio cheiro dos poços acusa a presença de óleo. “Nós moramos aqui há 16 anos e esse problema de contaminação tem mais ou menos cinco anos. Eu tenho o poço desde quando mudei e percebi que a água estava contaminada quando vi umas manchas de óleo. Não dava mais para usar”, afirma o morador Carlos Roberto dos Santos. Apesar de a contaminação ser evidente, ao contrário de Santos, muitos moradores, por falta de opção e até mesmo de orientação, continuaram a ingerir a água do poço, até que o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) fosse notificado e passasse a fornecer a água por meio de caminhão-pipa. “A gente continuou a usar a água porque não tinha outro jeito. Tinha que usar essa mesmo, não tinha água boa”, conta Tereza. Hoje, o SAAE implantou relógios de água e os moradores, que antes bebiam água de graça, hoje têm que pagar. “É bom a gente pagar, porque assim a gente tem uma agüinha para beber”, diz, contente, o morador Paulo Alberto de Souza.

Aglomeração urbana é um dos fatores de degradação da natureza

Áreas contaminadas – De acordo com o levantamento feito pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), das 255 áreas contaminadas no Estado de São Paulo, cinco estão em Atibaia e – para surpresa – são cinco postos de gasolina. Mas essa não é a única fonte potencial de contaminação dessa estância turística que há tempos está com suas águas minerais ameaçadas. Os cemitérios, os resíduos sólidos, o esgotamento sanitário, os agrotóxicos, as indústrias e o transporte de cargas perigosas são os outros seis vilões.

Essa é a conclusão que apresenta o projeto coordenado pelo professor Alberto Pacheco, do Departamento de Geologia Sedimentar e Ambiental do Instituto de Geociências (IGc) da USP. A idéia de mapear todas essas áreas partiu do geógrafo Kléber Cavaça, orientando de Pacheco e atibaiense. O projeto foi desenvolvido por cinco alunos da disciplina Geologia de Planejamento, com a colaboração do vereador Ismael António Fernandez, durante o segundo semestre de 2002. O resultado dessa pesquisa de campo está num CD-ROM que contém a descrição da geografia física da cidade e todas as áreas potenciais especificadas, incluindo dois mapas detalhados. “O objetivo é subsidiar as autoridades municipais com uma eventual política de gestão ambiental que o município não tem”, afirma o professor.

Para Pacheco, mais importante, acima de tudo, é estender a pesquisa além dos limites da USP e colocar as soluções apresentadas em prática para dar qualidade de vida à população mais afetada. “Além do levantamento e o estudo das fontes potenciais, nós desencadeamos um programa de educação ambiental com a comunidade. Estamos mostrando àquela população os problemas ambientais e as posturas que devem ser adotadas para resolvê-los ou pelo menos minimizá-los. Acho que a Universidade cumpriu a sua função.”

A dissertação de mestrado de Cavaça também está relacionada com os problemas ambientais da região. Nela, o mestrando elabora um diagnóstico para a situação da disposição de resíduos (lixo, esgoto e agrotóxicos) na região entre serras e águas, dando enfoque para o problema de Atibaia. Para isso, a USP estabeleceu uma parceria com o SAAE, que está providenciando a infra-estrutura necessária para que sejam realizadas as atividades de campo (instalação de postos de monitoramento e análise das águas em laboratório).

Cemitérios e o transporte intenso de produtos perigosos ameaçam a qualidade das águas subterrâneas em Atibaia, segundo projeto da USP

No dia 10 de junho, Pacheco foi à Câmara Municipal de Atibaia com a equipe que elaborou o projeto, para apresentá-lo oficialmente. Lá estiveram presentes cerca de 40 pessoas, dentre elas o presidente da Câmara, vereador Pedro Tominaga, e o secretário municipal da educação, Ricardo dos Santos Antonio, além de representantes do SAAE, do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), do Departamento de Proteção aos Recursos Naturais (DPRN) e da Vigilância Sanitária e Epidemiológica. Professores de enfermagem e da rede pública de ensino da cidade e membros da Associação de Moradores do bairro do Portão também participaram do evento. Segundo Kléber Cavaça, os órgãos competentes se uniram e mostraram interesse em colocar o projeto em prática, mas ainda há uma série de entraves para que essa idéia se concretize.

Já o vereador Ismael Fernandez, que foi militante do Partido Verde e luta por causas ambientais na região há pelo menos 12 anos, mostra-se bastante decepcionado com a postura dos colegas. “Eu abordei esse assunto na Câmara Municipal há um tempo e ninguém se interessou. Nunca fui procurado por nenhum vereador para elogiar e apoiar o projeto. Os políticos estão pouco preocupados com questões ambientais. Essa é a verdade.”

SOS Atibaia – A criançada esperava à tardinha e, depois do consentimento dos pais, corria em direção ao rio para brincar. O Córrego do Onofre era o verdadeiro ponto de encontro dos jovens moradores do Portão, primeiro bairro de Atibaia. A água cristalina deixava transparecer a grande variedade de peixes e até de camarões pitu. Era para lá que Ismael Fernandez, quando criança, gostava de ir com os amigos para pescar lambari. “Eu fui acompanhando a degradação gradativa desse córrego”, conta. Há cerca de 15 anos, famílias foram se acomodando nas margens e o esgoto passou a ser lançado in natura no Onofre, motivo pelo qual as inundações se tornaram freqüentes no bairro. Por causa disso, Fernandez decidiu iniciar um trabalho de conscientização da população ribeirinha e, para tanto, montou a ONG SOS Córrego do Onofre, que vem trabalhando para a recuperação do rio.

O que a população ignora é o fato de que as águas do Onofre são utilizadas para captação e consumo. Ainda que ele não esteja contaminado, é uma fonte potencial de degradação, assim como o rio Atibaia, que sofre o mesmo problema. Ambos entrecortam as rodovias Fernão Dias e D. Pedro I em vários trechos e, por isso, o risco de se contaminar com materiais químicos e inflamáveis transportados por caminhões é muito grande, tendo em vista que o tráfego desse tipo de substância é constante naquela região. Não bastasse isso, a rodovia não tem caixas de contenção para a água da chuva, o que faz com que todas as substâncias derrubadas na pista acabem indo para os rios.

Moradores detectaram manchas de óleo na água dos poços

De acordo com técnicos do SAAE, atualmente 46,79% da população não tem coleta de esgoto, o que corresponde a mais de 50 mil habitantes. Eles afirmam que em breve terão início as obras para implantação de uma estação de tratamento de esgoto, que terá capacidade para tratar cerca de 90 litros de esgoto por segundo.

Próximo aos rios, nas encostas das montanhas que beiram a rodovia, podem-se ver inúmeras estufas de plantações de rosas. A agricultura é a principal atividade econômica do município e em determinadas culturas, como as de morangos, hortaliças e flores, há uso excessivo de agrotóxicos, que representam um alto risco para a saúde, porque são capazes de contaminar facilmente as águas subterrâneas, quando infiltrados no solo.

A médica Rita Bergo, da Vigilância Epidemiológica, alerta para a possibilidade de as pessoas que trabalham com essas substâncias contraírem doenças neurológicas ou até mesmo ficarem estéreis. “A exposição a agrotóxicos muitas vezes compromete o sistema nervoso, então há casos de pessoas que ficam muito violentas, depressivas e com tendências ao suicídio. Em certos casos, quando a exposição é por um longo período, pode haver comprometimento da função reprodutiva.” Por essa mesma razão, o parque industrial que se instalou no bairro do Ribeirão também é considerado uma fonte potencial de contaminação, pois os resíduos descartados por essas fábricas podem contaminar as cacimbas das chácaras que ficam próximas.

Outro local onde há alto risco de contaminação são os cemitérios. Engana-se quem imagina que só porque um cadáver foi sepultado não mais interfere no ambiente externo. Durante sua decomposição, há uma grande proliferação de microorganismos, inclusive bactérias e vírus que transmitem doenças. Por meio do chorume liberado por esses corpos, esses microorganismos podem atingir as águas subterrâneas e contaminá-las. “A implantação de um cemitério deve obedecer a um projeto. Um conjunto de condições deve ser considerado, como a geologia e a geotecnia do lugar onde ele será instalado”, alerta o professor Alberto Pacheco.

Em Atibaia existem três cemitérios, mas o que apresenta mais problemas é o São Sebastião, que é público e fica no centro da cidade. Lá, os sepultamentos são feitos em covas. Numa avaliação feita por Pacheco e seus alunos, foram comprovados problemas de erosão do solo, que podem se agravar nos períodos de chuva. Além disso, é preciso ressaltar que, por falta de um encanamento para captar as águas pluviais, essas águas são lançadas na rua por meio de bocas-de-lobo que ficam nos muros do cemitério. Para o professor, de acordo com a resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), esse cemitério “tem que se adequar o mais rápido possível”.

Entre o lixo e o luxo – Apesar de não ser uma cidade essencialmente turística, o paraíso ecológico e a promessa de tranqüilidade acabam atraindo para Atibaia muitos turistas nos finais de semana. Alguns deles vão até lá nem tanto em busca de sossego, mas de aventuras radicais. A Pedra Grande, principal cartão-postal da cidade, é onde se reúnem praticantes de asa-delta, parapente, escalada, rapel e trekking. Houve até quem preferiu abandonar definitivamente o ritmo frenético da capital e mudar-se para lá. Com esse fluxo intenso de pessoas, a especulação imobiliária não perdeu tempo e logo surgiram luxuosos condomínios.

Em contraste com esse cenário, convivem aqueles habitantes que não foram tão bem-sucedidos na decisão de abandonar a terra de origem: pessoas que vieram do Nordeste, de Minas Gerais e do Paraná em busca de melhores condições de vida e nada encontraram, a não ser um espaço ínfimo para reunir a família. É o caso dos moradores que se instalaram próximo ao antigo lixão da cidade, numa área pertencente ao Estado. Para eles, o que era um lugar de degradação passou a ser a fonte de sustento da família.

A área do antigo lixão foi transformada numa cooperativa de reciclagem, mas ainda apresenta riscos ao ambiente

Hoje, na área do lixão, foi criada uma cooperativa de reciclagem onde trabalham alguns desses antigos catadores. Lá, eles fazem a triagem do material, vendem e ficam com o total da renda que, de acordo com o gerente Walter Ramiro Carneiro, gira em torno de R$ 450. “Hoje nós temos 128 cooperados, o que corresponde a aproximadamente 500 pessoas dependentes do material reciclado.”

Uma das famílias beneficiadas foi a de Élcio Elias Carvalho, de 27 anos, que antes tinha uma vida bem mais difícil. Para começar a labuta, ele não precisava de despertador, pois era acordado todos os dias pelo lumiar do sol. Ao invés de dormir em casa, armava uma barraca do lado do lixão, onde passava a noite. Quanto mais cedo começasse a selecionar o material despejado para revender, mais dinheiro ganhava. Não havia pão nem leite para o café da manhã. Ao lado de inúmeros outros moradores, ele se virava com o que encontrava pela frente. “A gente comia o que achava no lixo. Depois a gente separava o material e no final de semana vendia para o baiano aqui do lado”, diz Élcio. Agora, trabalhando na cooperativa, já conseguiu mobiliar a sua casa. “Na minha vida melhorou tudo, o respeito e a educação. No lixão só tinha briga, era um querendo passar por cima do outro e agora não, um respeita o outro.”

Alessandra da Cunha Silva, de 24 anos, também acordava cedo para ir até o lixão. “Tinha plástico duro, papelão, alumínio. Dependia da gente fazer o esforço para ter o nosso dinheiro.” Em contato com o lixo, essas pessoas nem imaginavam que aquilo que lhes trazia o mínimo para a sobrevivência era, ao mesmo tempo, uma fonte de contaminação e poderia causar sérios danos à saúde. “Estando a céu aberto, o lixo traz risco de contaminação por microorganismos carregados por animais como ratos, moscas e baratas. Há riscos de se contrair doenças de pele, infecções intestinais, parasitoses e até leptospirose”, ressalta a médica Rita Bergo.

Mas, apesar dessas mudanças, a região ainda constitui uma ameaça para o ambiente, de acordo com as pesquisas do professor Pacheco. Segundo Kléber Cavaça, é quase certo que a água usada pela população que mora próxima esteja contaminada, embora ainda não tenham sido feitas as análises devidas. A maior dificuldade, para ele, são as barreiras que os próprios moradores impõem para que o trabalho de campo seja desenvolvido. “Nós temos uma parcela de culpa no que está aí hoje. Precisamos envolver não só a USP, mas os meios de comunicação, as escolas e a sociedade para solucionar esse problema”, diz o gerente Walter Carneiro. Só assim Atibaia poderá voltar a ser o “manancial de amenidade” e a “linda fonte de saúde”, como afirma o hino da cidade.

Um curso para formar educadores ambientais

Meio século se passou desde que foi extinto o curso de História Natural da USP, que congregava as disciplinas de geologia e biologia. Eis então que surgem dois cursos distintos e a profissão de geólogo fica restrita apenas ao trabalho de campo, principalmente em mineradoras. Com o intuito de novamente integrar essas disciplinas, para formar educadores na área de ciências da terra, o Intituto de Geociências da USP criou o curso de Licenciatura em Geociências e Educação Ambiental, que tem início a partir de 2004. “O eixo principal dessa formação é a compreensão da história da terra e ligada à história da vida, pois os dois são sistemas dinâmicos e tiveram, ao longo de 4 bilhões de anos, uma evolução histórica que temos que entender para, então, entender os fenômenos que ocorrem no presente”, afirma a professora Maria Cristina Motta de Toledo, coordenadora do curso.

A novidade é que, ao invés de ficarem restritos apenas às disciplinas de geociências, os alunos farão aulas em mais nove unidades da USP. “Nós não trabalhamos apenas com ciências da terra, por isso queremos uma integração com outras ciências para formar um verdadeiro educador ambiental”, diz a professora. As unidades envolvidas, além do próprio Instituto de Geociências, são: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (cursos de Geografia e Letras), Instituto de Física, Instituto de Química, Instituto Oceanográfico, Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, Instituto de Matemática e Estatística, Instituto de Biociências, Faculdade de Educação e Escola de Comunicações e Artes (disciplina de Jornalismo Científico). Segundo Maria Cristina, é importante que, além de terem conhecimento de vários aspectos das ciências da terra, os graduandos também estudem língua portuguesa. “Educadores devem saber se comunicar”.

Enquanto o novo curso não inicia, os interessados em cursar Geologia têm uma boa notícia: há três vagas remanescentes para este ano. Mais informações sobre o Exame de Transferência podem ser obtidas na página eletrônica da Fuvest (www.fuvest.br).

 

 




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