Continuar
trabalhando até a compulsória ou se aposentar já?
Este é o dilema dos professores universitários com
tempo suficiente para sair da ativa diante da reforma da Previdência.
A maioria, mesmo protestando contra o que entende ser confisco de
direitos, satanização do servidor público e
um risco para o futuro da universidade pública, parece preferir
ficar até a compulsória, considerando que tem uma
dívida social a pagar. No âmbito estadual, a Lei Complementar
número 943, que cria uma contribuição de 5%
sobre salários e outras vantagens dos servidores públicos
e isenta dessa contribuição o servidor que tenha completado
o tempo necessário para requerer a aposentadoria voluntária,
só entra em vigor em setembro. Na prática, quem está
nessa situação e pretende continuar na ativa deve
aguardar a regulamentação da lei para saber se o não-desconto
em folha será automático ou se o interessado deve
entrar com algum requerimento para esse fim. É o que informam
a professora Odete Medauar, da Faculdade de Direito, e o Departamento
de Recursos Humanos da USP.
Socorro
— Entre os professores da USP com direito à aposentadoria
imediata está Walter Colli, do Instituto de Química,
recentemente eleito para o Conselho Universitário na qualidade
de representante dos professores titulares. Colli diz que o governo
paulista aproveitou a “onda previdenciária” para
entrar com a sua parte. “Durante 40 anos achei que estava
pagando 6% do salário e a USP outro tanto para ter direito
à aposentadoria. Agora fico sabendo que é pensão.
Mas se essa é a fatalidade, pelo menos o fato de poupar os
que já têm direito de se aposentar é justo.”
Segundo o professor, que desde 1994 poderia ter encerrado a carreira
na ativa, mas “gostaria de trabalhar mais cem anos”,
a reforma não leva em conta a especificidade do trabalho
do docente em tempo integral, que não pode trabalhar em outro
lugar além da Universidade. Se soubesse que as regras iam
mudar, todo professor atuaria também em outros setores. Colli
considera o teto salarial um confisco, uma derrama, “por causa
da qual Tiradentes morreu esquartejado”. Se não dá
para ser mártir, Colli pelo menos tem vontade de chamar o
Zorro — o personagem que lutava contra os excessos no Velho
Oeste, ao lado do parceiro Tonto. “O Tonto sou eu.”
Também preocupa o professor a falta de regras de transição,
lacuna que, segundo ele, acarreta injustiças e a demonização
do servidor público.
Outro
professor que não pretende largar o batente, mesmo com 42
anos de serviço prestado à Universidade, é
Carlos Alberto Barbosa Dantas (mais conhecido como Caio Dantas),
do Instituto de Matemática e Estatística. “Vou
até a compulsória, a não ser que ocorra algum
fato grave”, diz, acreditando que as reformas anunciadas na
Previdência estão baseadas na necessidade de arrecadação,
mais que em cálculos atuariais ou outros critérios.
Ele até concorda com o aumento do limite de idade para aposentadoria,
porque a expectativa de vida cresce e os aposentados poderão
viver até mais tempo do que o período em que trabalhavam,
mas discorda dos que consideram altos os vencimentos dos professores
universitários. Comparando com os do mercado, são
baixos, e reduzi-los na aposentadoria representará sério
risco para o futuro da academia, que terá dificuldade em
recrutar docentes e mantê-los no regime de dedicação
integral. O que Caio Dantas lamenta é a tolerância
no governo com os rombos e a malversação de recursos,
sem contar a apropriação indébita daqueles
que recolhem contribuições de funcionários
mas não os depositam no Fundo de Garantia ou nos institutos
correspondentes. À semelhança de Colli, Dantas aponta
a falta de um projeto abrangente para o País. “Depois
pedem sacrifício e confiscam o que é nosso.”
Há
quem receba mais conformado a restrição de benefícios.
É o caso do professor José Eli da Veiga, da Faculdade
de Economia, Administração e Contabilidade, para quem
faltam dois anos para completar o tempo para aposentadoria voluntária.
“Pretendo ficar até os 70 anos. É uma posição
ética. Estou em dívida com a Universidade. Só
a deixarei se houver alguma contrariedade grande.” Ele considera
justo o governo do Estado cobrar a contribuição de
5%, “porque não tem saída, qualquer conta que
se faça, há desequilíbrio enorme entre os servidores
públicos e o setor privado”. O mesmo ocorre, segundo
ele, no âmbito federal: “Estranho, mas entendo, que
os militares e a magistratura queiram manter os privilégios”.
Eli da Veiga entende que o problema mais grave não é
a nova taxa que se cobra dos servidores públicos, mas o receio
deles de perder direitos adquiridos. Daí porque muitos professores
aproveitam a reforma previdenciária para se aposentar.
Direitos
adquiridos não serão afetados, garante o professor
Amauri Mascaro, da Faculdade de Direito; mas os servidores que ainda
precisam de alguns anos para se aposentar, estes podem temer a mudança
de regras. Mas o próprio Mascaro, assim como a professora
Odete Medauar, consideram inconstitucional a cobrança de
contribuição dos inativos. Não pagar agora,
porque pagaram antes, é direito adquirido. Mas se a cobrança
for mesmo aprovada pelo Congresso Nacional, o que deve fazer o servidor?
Odete orienta: as associações de servidores, como
a OAB, devem agir na Justiça, entrando com ação
direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal. Outra
forma de defesa seria cada servidor atingido mover ação
própria, ou juntar-se a grupos de pessoas com a mesma finalidade.
Pessoalmente, Odete não hesitará: “Entrarei
na Justiça se me tirarem um tostão”. Ela já
completou o tempo para aposentadoria, mas quer ficar até
a compulsória. “Passei por todos os degraus da carreira.
Estou numa fase em que posso passar aos alunos o que aprendi.”
A esperança da professora é que a proposta oficial
seja alterada em vários pontos, expectativa reforçada
agora que o presidente Lula admitiu mudanças.
Para
a jurista da USP, a grande prejudicada pela reforma será
a classe média, à qual pertencem os professores e
os juízes, exatamente os dois segmentos da sociedade que
têm impedimento de trabalhar em várias atividades.
Além de julgar, o juiz só pode dar aulas. Para incentivar
essas carreiras é que foram criadas as aposentadorias integrais,
agora em risco. Odete afirma que, na Argentina, muitos magistrados
estão trocando os cargos por negócios particulares,
em razão do desestímulo ao serviço público.
O certo seria melhorar a previdência privada, mas sem acabar
com a pública. Colocar todos no mesmo nível, igualar
juiz, professor universitário e cortador de cana não
tem sentido. Alguns estudam a vida toda e precisam ser valorizados.
Se o governo entende diferente, “que chame um cortador de
cana para assessorá-lo”, diz a professora.
Assim
como Caio Dantas, Odete entende que o intuito principal dos reformadores
é o ajuste de finanças, medida que se volta contra
os servidores públicos em vez de atentar para os 20% de recursos
sempre desviados da Previdência e a cobrança de débitos.
O próprio governo, em todos os níveis, está
em falta com a Previdência e a dívida de muitas estatais
com o INSS é altíssima. Quanto ao sistema de previdência
complementar, a professora acha que vai beneficiar principalmente
os fundos privados, as empresas de consultoria e os bancos. O sistema
precisa contar com assistência especializada, e quem pode
dá-la? Os ex-funcionários graduados de instituições
como o INSS. Esses ficarão ricos.
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