Virgínia
aluga quartos para estudantes da USP: dificuldades após
a morte do marido |
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A
aposentada Antônia Lopes é viúva,
tem 76 anos e, apesar de ter seis filhos e tantos netos que nem
consegue enumerar, vive sozinha na comunidade São Remo, no
bairro do Butantã, na zona oeste de São Paulo. Ela
se sustenta com um salário mínimo por mês e
não recebe nenhum tipo de ajuda de ninguém. Antônia
é diabética e já teve um início de derrame.
A única
companhia da aposentada, que sente muitas dores e já não
tem vontade de fazer o trabalho caseiro, é a vizinha Maria
Joana Celiro, de 66 anos, operária afastada há dois
anos do serviço de limpeza pública por problemas de
saúde. “Tenho sorte que tenho ela pra ir no médico
comigo. Sem ela não sei o que seria de mim”, declara
Antônia num olhar de agradecimento à amiga.
Maria
Joana também convive com a solidão. Solteira, sempre
cuidou de muitas crianças, trabalhou durante vários
anos como empregada e babá, mas nunca teve filhos. Tentou
namorar, mas não deu certo porque “o patrão
não gostava”. Ela sofre de pressão alta, mas
se considera completamente independente, apesar de confessar que
uma ajuda sempre seria bem-vinda. “Quem fala que não
precisa de ajuda é só rico, que tem tudo.”
As
duas amigas têm mais em comum do que a solidão e o
bairro onde moram. Antônia e Maria Joana nasceram em Minas
Gerais e são analfabetas. Trabalharam na roça desde
a infância até a adolescência. Ao invés
de estudar, Antônia ajudava a família colhendo feijão,
milho e cortando cana. Maria Joana, com cinco anos de idade, já
passava seus dias no cafezal.
A história
dessas mineiras, que vivem há pelo menos 30 anos em São
Paulo, se confunde com muitas outras, representadas pelos números
do mais recente estudo sobre envelhecimento na capital paulista.
Professores da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da
USP, em parceria com a Organização Pan-Americana de
Saúde (Opas) e apoio da Fapesp, fizeram um trabalho que traça
o perfil do idoso, com 60 anos e mais, que residia no Município
de São Paulo no ano 2000. Os moradores dessa faixa etária
equivalem a 9,3% da população da capital, mais de
850 mil pessoas.
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Maria
Joana se orgulha de saber assinar o nome: índice de
analfabetismo entre idosos é alto |
Foram
entrevistados 2.143 idosos para o estudo, denomiado “Saúde,
bem-estar e envelhecimento” (Sabe). E, apesar de a maioria,
87%, viver acompanhada, a coordenadora da pesquisa, professora Maria
Lúcia Lebrão, chama a atenção para os
13% que vivem sozinhos, porque quantitativamente representam um
grande número. “Os 13% representam mais de 100 mil
pessoas (110.740) que vivem sozinhas, que têm dependências
nas atividades básicas diárias, mas não têm
ninguém.”
De
acordo com os dados da pesquisa, há cinco anos 6% das pessoas
com idade acima de 60 anos moravam sós. Para a professora,
a razão para o número de solitários ser tão
alto é também uma questão cultural. “Hoje
não se tem mulheres em casa o dia inteiro para tomar contar
dos idosos, todo mundo vai para a rua trabalhar. Por isso, o governo
precisa substituir essas mulheres.”
Embora
apenas 13% dos idosos morem sozinhos, sete de cada dez pessoas que
fizeram parte do estudo disseram que não contam com ninguém
para ajudá-las. As maiores dificuldades relatadas por elas
foram tarefas simples e corriqueiras como se vestir, deitar e levantar
(veja a tabela abaixo).
Analfabetismo
– A idade média dos idosos em São Paulo é
68 anos. A maioria da população mais velha, 60%, é
formada por mulheres. O estudo registrou um número que assusta:
21% dos idosos não sabem ler nem escrever e 60% estudaram
menos de sete anos. A baixa escolaridade colocou o Brasil no topo
do ranking entre os outros países participantes da pesquisa
promovida pela Opas: Argentina, Barbados, Chile, Costa Rica, Cuba,
México e Uruguai.
Quando
o universo de estudo analisado é dos idosos com 80 anos e
mais, o índice de analfabetismo fica ainda maior, passando
para 39%. Maria Lúcia acredita que esses números estão
diretamente ligados a um outro dado revelado na pesquisa: quase
dois terços dos idosos entrevistados moraram na zona rural
até os 15 anos de idade por um período de pelo menos
5 anos. “Esse número tão grande de pessoas que
viveram na zona rural teve um acesso deficitário ou menor
à escola”, diz a professora.
As
duas vizinhas da comunidade São Remo legitimam essa pesquisa.
Não tiveram chance de estudar no campo quando crianças
e, depois de adultas, em São Paulo, o trabalho sempre vinha
em primeiro lugar. Maria Joana se orgulha de dizer que sabe pelo
menos assinar seu nome, e com bastante dificuldade as letras vão
se formando vagarosamente no papel.
Maria
Lúcia prevê que o aspecto da baixa escolaridade mude
nos próximos anos. “As nossas condições
de vida são muito diferentes, as pessoas foram tendo mais
acesso ao estudo”, analisa. “Tenderemos a melhorar.”
A pesquisa
também mostrou uma relação da pouca escolaridade
com a auto-avaliação do estado de saúde. No
total, 44,7% classificaram sua saúde como boa ou muito boa
e 55,1% responderam regular ou má. Entre os idosos sem escolaridade,
a porcentagem dos que disseram regular ou má sobe para 65,7%.
O número é ainda maior entre as mulheres com idade
entre 60 e 74 anos nas mesmas condições: 73,4%.
Do
próprio bolso
A
maioria dos idosos, 71,7%, paga os medicamentos que utiliza com
o próprio dinheiro; apenas 9,7% obtêm remédios
através do sistema público; 40,4% têm seguros
ou planos de saúde privados
O
estudo da Faculdade de Saúde Pública da
USP “Saúde, bem-estar e envelhecimento” (Sabe)
revelou que 86,7% dos idosos entrevistados utilizavam algum medicamento
no ano da pesquisa. E a maioria, 71,7% do total, obtém esses
remédios com o próprio dinheiro. Apenas uma pequena
parcela se vale do sistema público: 9,7%. Esse dado surpreendeu
a coordenadora da pesquisa, professora Maria Lúcia Lebrão.
“Achei que esses medicamentos vinham da rede pública,
não sei se eles não estão disponíveis
ou se os medicamentos que existem na rede não são
os mesmos que os médicos prescrevem.”
Outra
informação importante levantada pelo Sabe é
que 16,8% dos idosos disseram ter interrompido a medicação
que usavam no mês anterior à entrevista. Entre os motivos
alegados para a decisão, 54% atribuíram o problema
aos altos custos dos remédios.
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Maria
Lúcia Lebrão: mais de 110 mil idosos em São
Paulo não têm ninguém |
A viúva
e pensionista Dilza de Melo Neves, de 60 anos, tem diabete, reumatismo,
psoríase e problemas de tireóide. Para se tratar,
ela desembolsa todo mês de R$ 120 a R$ 130. Apesar das dificuldades
para cuidar da saúde, Dilza ainda se sente privilegiada por
ter plano de saúde privado, herança do marido. Por
ser bastante antigo, ela paga apenas cerca de R$ 50 mensais, um
valor baixo para uma pessoa da sua faixa etária. Como Dilza,
40,4% dos idosos em São Paulo possuem convênio particular.
O número de pessoas que mantêm um plano privado vai
diminuindo de acordo com o avanço da idade, quando as mensalidades
ficam mais altas (veja a tabela ao lado). Entre 60 e 64 anos, 46,7%
disseram ter convênio e, na faixa dos 80 anos e mais, esse
índice cai para 35,2%. “Com 60 anos de idade, tem muita
gente ainda inserida no mercado de trabalho e que tem plano de saúde
das empresas. Além disso, muitas companhias permitem que
os empregados coloquem os pais como dependentes”, diz Maria
Lúcia, explicando as possíveis razões do grande
número de convênios particulares entre os idosos.
Renda
– Segundo a pesquisa, 35,3% dos idosos vivem com uma renda
entre um e dois salários mínimos (confira na tabela
ao lado), proveniente geralmente de aposentadorias. Grande parte
das pessoas com mais de 60 anos mora no centro da cidade e 78% têm
casa própria (delas ou cedidas por alguém). A qualidade
da moradia de 96% dos idosos foi considerada boa. Foram
levados em consideração aspectos como água
encanada, sistema de esgoto, banheiro dentro de casa e um local
exclusivo para cozinhar.
Dentro
da faixa de renda predominante na pesquisa, a aposentada do comércio
Virgínia Barros Piviani, de 65 anos, diz que não é
possível viver com apenas um salário mínimo.
Para incrementar seus ganhos, a moradora do bairro Butantã
aluga há 15 anos, desde que o marido morreu, dois quartos
para estudantes da USP.
É
comum verificar entre as mulheres idosas mais dificuldades financeiras
depois da morte dos maridos. Muitas, além de não contar
com nenhum tipo de ajuda, ainda se vêem com a responsabilidade
de auxiliar os filhos. Dilza chora ao comparar sua situação
atual com sua vida há um ano, quando o marido ainda era vivo.
Mesmo ganhando R$ 750 – um pouco acima da média detectada
pela pesquisa –, o dinheiro, segundo Dilza, é pouco
para pagar todas as contas e ajudar os dois filhos e os dois netos
que moram com ela. Dilza faz doces e salgados para aumentar os rendimentos
da casa. “Minha vida mudou completamente. Meu marido me ajudava,
me ouvia. Meus filhos não têm paciência nem de
conversar.” Ela lembra com saudades do tempo em que viajava
em excursões por todo o Brasil ao lado do marido.
Além
das dificuldades financeiras, Dilza também se queixa da solidão,
problema que considera o mais grave da velhice. Ela também
não tem companhia para ir ao médico ou fazer qualquer
outra coisa. “Hoje os filhos não ajudam mais os pais.
Acontece o contrário.”
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Antônia
e Maria Joana: as amigas
se ajudam
para suprir
as necessidades e espantar
a solidão |
Retrato
– A preocupação da Organização
Pan-Americana de Saúde (Opas) em estudar o envelhecimento
tem uma razão bastante clara. Nos próximos 20 anos,
o número de pessoas com 60 anos ou mais na América
Latina e Caribe (região foco da pesquisa) vai praticamente
dobrar, passando de 42 milhões de indivíduos no ano
2000 para 82 milhões depois de 2020. No Brasil, apenas 4%
da população tinha mais de 60 anos em 1940. Em
2000, eram 8,6% dos brasileiros e a previsão para os próximos
20 anos é ultrapassar o número de 30 milhões
de pessoas, representando 13% da população.
O estudo
no Brasil, para a professora da Escola de Enfermagem da USP Yeda
Duarte – integrante da equipe que analisa os dados obtidos
–, trouxe à luz importantes informações
de que não se tinha conhecimento. “Temos a tendência
de ficar comparando uma situação com dados que não
são nossos. Estamos mostrando agora realmente quem é
o idoso que vive em São Paulo.”
Quanto
ao destaque a alguns dos aspectos negativos da condição
do idoso na pesquisa, a professora diz que é uma medida fundamental
para chamar a atenção, já que o objetivo é
gerar novas políticas públicas. “É importante
que as pessoas prestem atenção a esses dados. Num
contexto geral a situação dos idosos não é
tão ruim. A maior parte deles mora com a família,
tem uma condição de saúde boa, mas existe uma
parcela que está abandonada”, destaca Yeda.
Os
dados revelados pelo Sabe fornecem subsídios para a formação
de programas direcionados às necessidades dos idosos. Uma
das sugestões para o problema do grande número de
idosos que vivem sozinhos é a criação de centros
onde essas pessoas possam passar o dia e receber atendimento especializado.
“Estamos trabalhando agora nas demandas desses idosos. Como
o sistema de saúde pode organizar-se para atendê-los,
se eles não têm família, por exemplo”,
diz a professora. “Com a informação do que eles
precisam, o trabalho se volta para como se organizar para suprir
essas necessidades. Nos próximos anos, teremos um boom de
idosos e um sistema que agora está completamente desorganizado
para recebê-los.”
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