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Duas posições diferentes na USP diante da reforma da Previdência encaminhada ao Congresso Nacional pelo presidente da República: o professor e ex-diretor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade Denisard Alves, que continua na ativa embora pudesse ter pedido aposentadoria há seis anos, considera que a reforma é necessária, pois, “do ponto de vista atuarial não é possível ao Estado continuar pagando de 13 a 18 anos salários integrais ao funcionário aposentado”; já o professor José de Souza Martins, com 38 anos na Universidade, acaba de se aposentar do Departamento de Sociologia, junto com a sua mulher Heloisa Helena Teixeira de Souza Martins, também professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, justificando em carta aberta que não quer “ser vítima da demagogia praticada em nome do trabalho”. Citando o seu próprio caso, Denisard faz cálculos e conclui que, com o fundo previdenciário que ele construiu durante a carreira universitária, a USP poderia pagar-lhe na aposentadoria apenas 32 salários — “pagar-me 32 meses de salário integral e apenas isso!”. Souza Martins, pelo contrário, prevê que a reforma previdenciária como está posta representará grande ameaça à Universidade, especialmente aos professores com dedicação integral ao ensino e à pesquisa: “Daqui para a frente, o regime de tempo integral perderá completamente o sentido e ficará amplamente desmoralizado”. Também a Associação dos Docentes da USP (Adusp) considera que a reforma ameaça inviabilizar a universidade pública e, em assembléia dia 24 de junho, aprovou indicativo de greve na primeira quinzena de agosto, na tentativa de barrar a aprovação do projeto. Em junho, a Adusp dedicou ao assunto um número especial de sua revista.

 

 

 

“O caminho deveria ser outro”

Jornal da USP — Como o senhor analisa a reforma da Previdência no plano federal e no estadual?

José de Souza Martins — Se de fato uma reforma da Previdência é necessária neste país, coisa que até este momento ninguém demonstrou, o caminho deveria ser outro. Em primeiro lugar propor um modelo de previdência social, na empresa privada e no serviço público, que fosse justo e convincente, para amplo e demorado debate de todos os interessados, relativo ao futuro do sistema previdenciário. Uma proposta que na sua lisura já se justificasse por si mesma, sem depender de escamoteações e aliciamentos. Um sistema em que todos os cidadãos fossem obrigados a contribuir. Um imposto para o futuro. Em segundo lugar, propor um sólido modelo de transição para aqueles que já são contribuintes da Previdência, de modo a assegurar-lhes o direito adquirido, e em relação aos que estão próximos da aposentadoria e já sem oportunidade de começar de novo, o respeito pela expectativa de direito.

JUSP — Que implicações a reforma deverá ter na universidade, a curto, médio e longo prazos?

Martins — No curto prazo, até a aprovação final da emenda, haverá a multiplicação de casos como o meu, pessoas em plena condição de trabalho que preferem ou vão preferir a aposentadoria ao risco da permanência numa situação de desestímulo, que já vem de algum tempo com as más condições de trabalho e a redução dos salários reais e numa situação de grave risco quanto ao futuro de quem já não tem alternativa de emprego e sobrevivência.
A médio prazo, o problema mais grave será dos que não se aposentarem e dos que não têm ainda o tempo necessário para pedirem a aposentadoria. Esses importantes quadros da Universidade viverão e já estão vivendo numa situação de grande tensão e incerteza quanto ao seu próprio futuro e ao futuro da Universidade. Não será estranho se muito logo começarmos a constatar as pequenas violações do regime de tempo integral como meio de obter rendas alternativas e meios próprios de sobrevivência no futuro. Daqui para a frente, o regime de tempo integral perderá completamente o sentido e ficará amplamente desmoralizado. No lugar do sacerdócio do saber e do ensino entrará o mercenário do conhecimento. Esse será o grande e lamentável legado do governo Lula ao país na área da educação. Além, é claro, dos alfabetizados a cem reais por cabeça.

JUSP — A lei complementar do governo do Estado que aumentou em 5% a contribuição dos servidores públicos também prevê, na Disposição Transitória, que ficam isentos dessa taxa os servidores que, tendo tempo suficiente para se aposentar, decidirem continuar trabalhando. O senhor considera esse incentivo suficiente para segurar os professores?

Martins — Trata-se de uma medida demagógica e descabida. É particularmente grave que o governador não tenha levado em conta os efeitos da reforma previdenciária proposta, no Estado que tem o maior e o melhor número de universidades e instituições científicas do país. Nem Lula nem Alckmin, no que à Universidade se refere, pensaram nos enormes ganhos econômicos que a sociedade e o Estado recebem com o conhecimento nela produzido, essencial ao desenvolvimento econômico e social, um ganho que supera em muito o que eventualmente o governo possa gastar com uma aposentadoria de pesquisadores e professores. Trata-se de uma reforma burra.

 

 

 

 

“O governo tem razão”

Jornal da USP — O senhor já completou o tempo necessário de trabalho para pedir aposentadoria?

Denisard Alves — Este ano completo 36 anos como docente. Já poderia ter me aposentado em 1997.

JUSP — A lei complementar aprovada na Assembléia Legislativa paulista cria uma contribuição de 5% sobre os vencimentos dos funcionários públicos e, ao mesmo tempo, isenta dessa taxa os servidores que, podendo se aposentar, queiram continuar trabalhando. O que o senhor acha disso?

Denisard — Os governos, ou o Estado, gastam mais do que recebem, desde tempos idos. A dívida pública imensa é resultado de gastos superiores à arrecadação de vários anos passados. A dívida dos Estados é ainda maior que a dívida reconhecida. Os governos devem ainda mais. A redução da inflação deixou à mostra as dívidas. Como os governantes sabem que a carga tributária já atingiu um nível que não possibilita mais receitas com seu aumento, a saída é taxar os inativos.

O aumento da contribuição previdenciária do servidor significa que o Estado não dispõe de recursos para pagar ao inativo o seu último salário até a sua morte. O governo tem razão. Vamos tomar o meu caso como exemplo. Fui admitido como auxiliar de ensino em dezembro de 1967; portanto, eu poderia ter me aposentado em dezembro de 1997, pelas regras vigentes na época. (Salários de 1967 a 1997:)

1967-71 MS-1 2307.47
1972-76 MS-2 3595.86
1977-78 MS-3 5014.86
1979-82 MS-5 6277.90
1983-84 MS-5 6591.79
1985-92 MS-6 8344.90
1992-97 MS-6 10.251.71

Os salários já incorporam os qüinqüênios e sexta-parte. Os salários correspondem aos salários hoje vigentes na USP; ou seja, é como se eu tivesse em 1967 o salário que a USP pagaria a um MS-1 hoje. Fiz isso para evitar deflacionar os salários, o que seria complicado já que os índices de preço se modificaram muito devido aos vários planos econômicos que o País teve ao longo dos anos. A minha contribuição previdenciária, ao longo dos 30 anos, correspondeu ao recolhimento mensal de 11% sobre o meu salário bruto. Sob a suposição de que essa contribuição tivesse sido aplicada a uma taxa de juros de 6% ao ano, o meu fundo previdenciário teria totalizado R$ 315.456,7699. Muito bem, com esse fundo, seria possível a USP pagar-me 32 salários; ou seja, poderia pagar-me 32 meses de salário integral e apenas isso!

JUSP — Como analisa o encaminhamento da reforma previdenciária no âmbito federal?

Denisard — A reforma da Previdência tem que ser feita. Do ponto de vista atuarial não é possível ao Estado continuar pagando de 13 a 18 anos de salários integrais ao funcionário aposentado. Às vezes a gente se esquece de que o Estado é a população e quem irá arcar com o custo da previdência pública é a população que paga os impostos. O único argumento válido contra uma reforma sem regras de transição é que quem entrou para o serviço público entrou sob as regras da época, sem elas talvez ele não tivesse entrado no serviço público. Logo, é mais que razoável que existam regras de transição para contornar as mudanças unilaterais de um contrato de trabalho que existia quando o servidor decidiu pela sua entrada no serviço público.

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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