A
Congregação da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP divulgou no dia 17
passado, quinta-feira, um documento intitulado “A universidade
pública e a reforma da Previdência”. O documento
fora finalizado no dia 3 de julho, quando o governo federal pensava
em propor o fim da aposentadoria com salário integral no
serviço público. No mesmo dia 17, o governo enviou
ao Congresso o projeto de reforma da Previdência, que mantém
a integralidade e a paridade (reajuste igual para servidores da
ativa e aposentados). "O bom senso prevaleceu e o governo foi
sensível à necessidade de preservar um modelo de universidade
vitorioso", disse o diretor da FFLCH e presidente da Congregação,
professor Sedi Hirano. "O documento continua importante porque
as discussões sobre a reforma continuarão no Congresso."
O documento
enfatiza que uma reforma do setor não pode levar em conta
apenas a economia de gastos, mas também o tipo e a qualidade
do Estado que se deseja para a sociedade brasileira. O atual padrão
de carreira dos professores das universidades públicas -
diz o texto -, quando apoiado por um bom sistema de financiamento
à pesquisa, produziu resultados notáveis no Brasil,
a exemplo da USP, reconhecidamente uma das melhores universidades
do mundo. É isso o que não pode ser posto em risco
com a reforma da Previdência, segundo a Congregação
da FFLCH.
Para
a Congregação, o fim da integralidade seria uma das
medidas mais nocivas à universidade pública. Ela representaria
um desestímulo para os jovens mais qualificados seguirem
carreira acadêmica. Já a extinção da
paridade seria uma ameaça para os docentes mais qualificados
e experientes que completaram os atuais requisitos para a aposentadoria.
O documento
aponta duas principais conseqüências do fim da integralidade
e da paridade: “Primeiro, as universidades públicas
sofrerão uma enorme perda de pessoal altamente qualificado,
com conseqüências óbvias para a docência
e a produção cultural. Segundo, as universidades precisarão
repor esses quadros precocemente aposentados. Ampliar-se-á,
pois, ao invés de diminuir, como o governo deseja, o dispêndio
com pessoal. Pagar-se-ão os recém-aposentados pela
lei atual e se contratarão jovens docentes pela nova lei,
a qual exige também a contribuição ‘patronal’
do governo para os fundos de pensão”.
Mais
do que respeitar a expectativa de direito – em função
das quais os docentes organizaram suas vidas –, o documento
reitera que é preciso atentar para as implicações
da forma de organizar as carreiras dos servidores públicos
para o Estado que se deseja construir no País. “Dessa
construção, a docência e a pesquisa universitárias,
em tempo integral e dedicação exclusiva, constituem
parte essencial.”
O documento
aponta também “aspectos construtivos” das propostas
sugeridas pelo governo. Entre elas estão a contribuição
para a Previdência sobre a remuneração dos servidores
públicos, tanto os da ativa como os aposentados, e a fixação
da idade mínima para aposentadoria de 60 anos, a que deveriam
estar obrigados não só os homens, mas também
as mulheres. “Acreditamos que ainda há tempo para uma
reflexão ponderada sobre a reforma da Previdência e
esperamos estar contribuindo para que surja das forças sociais
e, especialmente, do Congresso Nacional – que afinal de contas
dará a última palavra no assunto – uma solução
justa, que reforme a Previdência sem inviabilizar o Estado
republicano e o sistema nacional de universidades públicas
de qualidade de que o Brasil necessita”, conclui o documento.
Exemplos
de solidariedade
Educadora
faz o elogio de professores que trabalham até a aposentadoria
compulsória e, em vários casos, além dela,
sem acumular salários
A
professora Maria Victória Benevides, da Faculdade de Educação
da USP e integrante do grupo de intelectuais que lutaram pela eleição
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disse que não
se sente à vontade para defender a aposentadoria integral
dos professores universitários. Ela não concorda com
aqueles que, em defesa dos vencimentos plenos, alegam que se trabalhassem
na iniciativa privada teriam salários mais altos do que na
universidade pública. O que conta mais, disse Maria Victória,
não é apenas o salário mas, principalmente,
a segurança que o salário assegura na vida, a estabilidade
econômica familiar e ainda as muitas outras vantagens culturais
de que o acadêmico usufrui, como viagens ao exterior, participação
em congressos, publicação de livros, direito à
pesquisa etc. Disse que em sua própria família há
profissionais liberais que enfrentam situação econômica
difícil em razão do desemprego que atinge a sociedade.
Ao contrário do servidor público, os autônomos
devem programar suas próprias férias, adquirir planos
de saúde e não têm garantia de um depósito
no banco no final do mês. “Onde
está a vantagem?”, pergunta, para acrescentar que apenas
para alguns profissionais, muito competentes, pode ser mais interessante
trabalhar no setor privado.
Segundo
a professora, na universidade pública existem dois exemplos
de professores: aqueles que gostam do que fazem, consideram-se privilegiados
diante das condições oferecidas pelo serviço
público, se aposentam apenas na compulsória e continuam
a prestar serviços à instituição em
que fizeram carreira, sem pensar em outros vencimentos senão
os da aposentadoria. Maria Victória diz conhecer muitos docentes
e pesquisadores nessa condição na USP e se refere
especialmente a um professor da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas que, depois de aposentado por ter alcançado
a idade de 70 anos, foi convidado a dar cursos na Unicamp. Esse
professor havia colocado como condição para aceitar
o convite não ser remunerado por isso, mas não era
possível e a solução que encontrou foi transformar
o pagamento a ele destinado em bolsas para alunos carentes do curso.
A outra corrente de professores, ainda segundo Maria Victória,
é constituída por aqueles que correm para a aposentadoria
assim que burocraticamenrte isso é possível, mesmo
que a idade não passe de 43 anos. Mas, aposentados, vão
trabalhar em outras instituições similares (ou nas
mesmas), acumulando vencimentos novos com os da aposentadoria, muitas
vezes disputando concursos com jovens professores que precisam de
trabalho mais do que eles. O pior, assegura, é que essas
mesmas pessoas ainda costumam defender aposentadorias menores para
os que vêm depois deles. Diante do desemprego que assola o
País, a educadora considera um “escândalo”,
uma “indecência”, antiético, haver servidores
que insistam em particularidades, em interesses apenas pessoais,
em vez de pensar solidariamente.
Se
não defende a integralidade, Maria Victória sente-se
bem à vontade para defender aposentadoria especial para professores
do ensino público fundamental e médio. Esses, sim,
trabalham duro, em condições precárias, e ainda
recebem salário comparável ao das faxineiras. Em países
culturalmente avançados, observa, avalia-se o desenvolvimento
pelos salários dos professores e dos médicos que trabalham
no setor público.
Não
é porque é professora que Maria Victória sai
em defesa das mulheres. Pelo contrário, não defende
privilégios para elas na questão da aposentadoria.
O mais importante, pensa assim, é garantir que tenham condições
de trabalhar sem sobressaltos. Entre outras coisas, garantir creches
para os filhos pequenos nas firmas em que trabalham. Privilégios
nem para o Judiciário, “uma categoria pouco transparente”.
Se é verdade que os juízes têm sobrecarga de
trabalho, que se repensem os concursos, se contratem mais pessoas.
Mas
tudo isso, acrescenta a educadora, tem que ser feito de acordo com
um projeto para o País, a começar por uma política
bem definida para ciência e tecnologia. No caso dos vencimentos,
a educadora entende que a universidade e as associações
que repreesentam os professores deveriam pleitear o aumento escalonado
do piso, não do teto, pois os docentes, assim como as mulheres,
precisam garantir certa tranqüilidade econômica no início
da carreira e também no final dela. No início, são
os filhos, a aquisição de casa, o aluguel; no final,
os achaques e a corrida às farmácias. No caso da reforma
da Previdência, o importante, a seu ver, são as regras
de transição, que devem levar em conta a situação
daqueles que investiram tudo na perspectiva de uma aposentadoria
tranqüila e não podem ser prejudicados agora. Mas ela
é favorável à cobrança da contribuição
dos inativos, pois “não tem sentido aumento de salário
na aposentadoria”, e é isso que significaria a isenção.
MIGUEL
GLUGOSKI
Esclarecimento
ao leitor
O
Jornal da USP, número 649, de 14 a 20 de julho, cometeu vários
equívocos ao editar entrevista do professor José de
Souza Martins, do Departamento de Sociologia, sobre a reforma da
Previdência. O texto original, com cerca de 14 mil caracteres,
foi reduzido a um quarto sem que o autor da entrevista tivesse sido
conseltado. Com toda razão, Souza Martins protestou, considerando
ainda os cortes como forma de censura. Diante disso, a Redação
sente-se na obrigação de esclarecer: 1. não
houve censura, prática que o Jornal da USP jamais adotou
em seus 18 anos de circulação; 2. os cortes foram
feitos em razão de problema técnico, de ajuste do
texto ao espaço disponível; 3. a Redação
errou ao não consultar o entrevistado se concordaria com
a redução; 4. a Redação reconhece que
a entrevista ficou gravemente prejudicada com os truncamentos, não
refletindo com exatidão a posição do professor
relativamente à reforma previdenciária; 5. o Jornal
da USP, assim como outros órgãos de comunicação
de responsabilidade da CCS, reconhece a excelência das pesquisas
do professor José de Souza Martins e por várias vezes
deu publicidade a seus trabalhos na área de sua especialidade;
6. por último, a Redação pede desculpas ao
professor e aos leitores pelos equívocos cometidos e espera
que o sociólogo concorde em recompor o bom relacionamento
com o jornal.
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