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Tendo participado, em junho passado, em Monterrey, México, de um seminário sobre a atuação da mulher na carreira acadêmica (“La Mujer y el Liderazgo Académico”), organizado pela International Association of Universities (IAU), ligada à Unesco, julguei oportuno mostrar à comunidade uspiana os dados lá apresentados sobre a presença da mulher na nossa instituição, entre os professores, funcionários não-docentes, alunos de graduação e de pós-graduação. A professora Sonia Penin, pró-reitora de Graduação, também representou nossa universidade no evento.

Os dados demográficos foram obtidos do Anuário Estatístico da USP, enquanto aqueles referentes à carreira docente foram gentilmente cedidos pelo professor Adnei Melges de Andrade, coordenador do Departamento de Recursos Humanos (DRH). Cabe destacar que dados relativos a gênero passaram a ser levantados na USP de maneira sistemática somente a partir de 2000, por proposta da professora Eva Blay, do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e do Núcleo de Estudos da Mulher e das Relações Sociais de Gênero (Nemge) da USP.

A USP como um todo – Em 2002, entre os 4.886 docentes, havia 1.621 professoras, o que representava 34%, ou seja, 1/3 do total de docentes (figura 1). Por sua vez, entre os 14.589 funcionários administrativos, técnicos e operacionais, 50,5% eram mulheres. Analisando os quadros discentes, as alunas constituíam 43% dos estudantes de graduação e 50,7% dos pós-graduandos.

Quando se analisam as grandes áreas do conhecimento (ciências biológicas, exatas e humanas), constatam-se diferenças marcantes entre as proporções de mulheres: mais elevadas nas biológicas e biomédicas e bem mais baixas nos campos das ciências exatas, como mostram as figuras 2A, 2B e 2C. Em todas as áreas, as proporções de mulheres foram sistematicamente mais baixas entre os docentes em relação aos alunos e, analisando os grupos discentes, as porcentagens de mulheres mostraram-se mais elevadas entre os pós-graduandos quando comparadas com os alunos de graduação.

Quando se analisam as proporções de homens e mulheres nas várias fases da carreira docente (figura 3), observam-se diferenças marcantes, com valores porcentuais mais elevados de mulheres (62%) do que de homens (47%) no nível MS-3, isto é, na fase inicial da carreira, em 2002. Corroborando essa observação, os valores porcentuais de professoras nas categorias de Associados e Titulares foram inferiores aos de professores do sexo masculino nos mesmos níveis. Comparando 2002 com 1992, verifica-se inicialmente uma significativa redução dos MS-1 e MS-2 de ambos os sexos, como conseqüência da política institucional de privilegiar a contratação de doutores. Constata-se também que houve, em uma década, um incremento nas proporções de professoras nas categorias MS-5 e MS-6, que alcançaram no ano passado respectivamente 21% e 14% do total de docentes do sexo feminino (figura 3). Por outro lado, quando se avaliam as proporções de mulheres entre os Professores Associados e Titulares (figura 4), verifica-se que, embora tenham ocorrido progressos nos dez anos em tela, as mulheres ainda figuram em porcentagens menores nos níveis mais elevados da carreira (28% e 22% dos MS-5 e MS-6, respectivamente, em 2002) que a média das docentes como um todo (34%) (ver figura 1).

Ciências biológicas – Como mostram o Quadro 1 e a Figura 5, as mulheres representavam a maioria dos docentes nas Escolas de Enfermagem, nas Faculdades de Ciências Farmacêuticas e no Instituto de Psicologia. Em contraste, eram minoria nas Faculdades de Medicina, nas Faculdades de Odontologia de São Paulo e de Bauru e nas faculdades dedicadas às ciências agrárias (Esalq, FMVZ e FZEA). Nas demais unidades havia proporções muito próximas de homens e mulheres nos quadros docentes (valores superiores a 40% e inferiores a 60%, estabelecidos arbitrariamente).

Quanto aos estudantes de graduação, apenas a Esalq e a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) tinham predomínio do sexo masculino. Entre os pós-graduandos, todas as unidades apresentavam porcentagens mais elevadas de mulheres ou equilibradas entre os sexos. A Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) aparece como um caso muito particular, com apenas 35% de mulheres no seu corpo docente mas com predomínio de alunas no curso de graduação (62%) e nos programas de pós-graduação (61%). As diferenças entre as proporções de alunas entre as duas Faculdades de Medicina deve refletir a presença das estudantes dos cursos de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional na unidade de São Paulo. A Faculdade de Saúde Pública (FSP), que oferece curso de graduação na área de Nutrição, apresentou porcentagem de alunas de graduação somente comparável às das Escolas de Enfermagem, isto é, superior a 90% do alunado.

Analisando a área da Odontologia, observa-se que há uma predominância de mulheres entre os alunos de graduação, isto é, dos 1.402 estudantes matriculados nas três faculdades, 856 (61%) são do sexo feminino. Entre os pós-graduandos, 53% são mulheres, também considerando as três unidades em conjunto. Cabe ainda destacar que as duas faculdades do interior têm, no momento, mulheres em suas diretorias.

Ciências exatas – Os homens predominaram francamente entre os docentes de todas as unidades, com exceção do Instituto de Química (IQ), que teve proporções consideradas como equilibradas entre os gêneros (Quadro 1). Aliás, a área de Química foi a única das exatas em que não houve predomínio de homens também entre os alunos (Quadro 1 e figura 5). As Escolas de Engenharia apresentaram as proporções mais baixas de docentes do sexo feminino em toda a Universidade, sendo 8,78% e 9,51% na Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) e na Escola Politécnica (EP), respectivamente (Figura 5). Por sua vez, observa-se a mesma tendência geral de proporções mais elevadas de moças entre os alunos de pós-graduação em relação aos de graduação, mesmo nas Escolas de Engenharia. As maiores proporções de alunas, tanto na graduação quanto na pós-graduação na EESC, quando comparadas à EP, podem ser decorrentes da presença de maior número de alunas no curso de Arquitetura na primeira.

Ciências humanas – Analisando o corpo docente, os homens predominaram em todas as unidades, com exceção da Faculdade de Educação (FE), que tem 2/3 de professoras, e da FFLCH, com proporções equilibradas entre os gêneros (Quadro 1). As duas Faculdades de Economia, Administração e Contabilidade apresentavam as proporções mais elevadas de homens no corpo docente (86,7% e 78% na FEA e Fearp, respectivamente), seguidas pela Faculdade de Direito (77,34%), áreas que também dispunham das maiores porcentagens de alunos de graduação e de pós-graduação do sexo masculino (Quadro 1 e Figura 5). Na FE, observa-se um fenômeno peculiar, com proporções mais elevadas de alunos entre os pós-graduandos (30,34%) que entre os graduandos (apenas 11,22%). A Escola de Comunicações e Artes (ECA) e a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) apresentam predomínio de homens nos quadros docentes (cerca de 2/3 do total), enquanto foram encontradas porcentagens superiores a 50% de alunas tanto na graduação como na pós-graduação.

Teria enriquecido este levantamento uma análise mais detalhada das várias áreas do conhecimento contempladas pela FFLCH e pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), o que infelizmente não foi possível no momento pela indisponibilidade de dados.

Alguns comentários finais – Embora ainda se observe um predomínio do sexo masculino nos corpos docente e discente da USP, os dados deste levantamento falam a favor de que as mulheres vêm ocupando um espaço cada vez maior na nossa instituição. Proporções de alunas sistematicamente superiores às de professoras em todas as áreas representam um indicativo de que oportunidades estão se abrindo para o sexo feminino na universidade mais importante do País. Um fenômeno, na minha opinião, muito interessante visto no presente estudo é representado pela predominância de mulheres (proporções superiores a 50%) entre os alunos de pós-graduação em 23 de 35 unidades, ou seja, 2/3 do total (a Fearp ainda não oferece pós-graduação). Mesmo sem aprofundamentos sobre suas causas, os dados certamente indicam que a proporção de mulheres no corpo docente tenderá a crescer nos próximos anos. Teremos sem dúvida um maior contingente de candidatas preparadas para assumir o lugar dos atuais docentes e pesquisadores em grande parte das áreas do conhecimento.

Por sua vez, os dados aqui apresentados confirmam que existem áreas típica e tradicionalmente femininas, como a Enfermagem, a Nutrição, a Educação e a Psicologia, e ao mesmo tempo apontam para outras áreas que tendem a se tornar de predomínio feminino, tais como as Ciências Farmacêuticas, a Medicina Veterinária e a Odontologia. As mulheres continuam predominantemente dedicadas às atividades relacionadas com o cuidar e com o ensinar, mas já começam a predominar em áreas com outras características, tendo-se observado proporções superiores a 50% de alunas de graduação e pós-graduação na ECA, FAU e FZEA, além das Faculdades de Filosofia.

Na Medicina, cresce a presença feminina como uma tendência mundial. Na USP, embora essa tendência ainda não seja muito patente nos dados aqui apresentados, há proporções crescentes de alunas ingressando em ambas as unidades, após aprovação nos vestibulares mais competitivos da Fuvest.
Vimos, por outro lado, áreas profissionalizantes que continuam com grande predomínio masculino, tais como as Engenharias, as Ciências da Terra, a Economia e Administração e, de certa forma, também o Direito. Nas áreas de ciências básicas, há típica predominância masculina na Física e nas Ciências Matemáticas. Dentre as chamadas hard sciences, os homens predominam no corpo docente de todos os campos, havendo certo equilíbrio entre os gêneros apenas na Biologia e na Química. Cabe aqui uma menção especial ao Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), uma das unidades de maior destaque em atividades de pesquisa na USP, que dispõe hoje de 70% de mulheres entre os seus alunos de pós-graduação.

Por seu turno, quando se aborda a questão da mulher em posições de liderança na USP, os números são bem mais modestos. Houve de fato algum crescimento das mulheres na última década nas categorias mais elevadas da carreira acadêmica (figuras 3 e 4), porém as proporções de Professoras Titulares e Associadas ainda são inferiores à média dos docentes do sexo feminino como um todo (22% e 28% versus 34%). Não se discute que hoje há professoras com reconhecida liderança, em inúmeros campos do conhecimento, tanto básicos como profissionalizantes, especialmente nas áreas biológicas e em algumas áreas das ciências humanas. Citando apenas o Instituto de Biociências (IB) e o ICB, que conheço melhor, grupos muito produtivos e reconhecidos internacionalmente nos campos da biologia celular, genética, farmacologia e imunologia, por exemplo, são hoje chefiados por mulheres. Na gestão acadêmica, é muito positivo o fato de que várias unidades elegeram diretoras pela primeira vez nos últimos anos, como foi o caso do ICB, da FD e da FEA, sendo que as duas últimas unidades ainda constituem redutos masculinos, como foi demonstrado. Nas últimas duas gestões reitorais, foram indicadas as primeiras pró-reitoras e, entre 1993 e 1997, a professora Myriam Krasilchik ocupou a Vice-Reitoria de nossa instituição. Porém, a ascensão de mulheres a postos de liderança ainda constitui acontecimento isolado e digno de nota.
Se, por um lado, é indiscutível que as mulheres estão chegando em números expressivos à graduação e à pós-graduação da principal universidade do País em quase todas as áreas do conhecimento, por outro lado, continua incomodando o fato de que proporções muito menores de mulheres alcancem posições acadêmicas de destaque, o que denota que ainda não há igualdade de oportunidades para que as mulheres possam desenvolver plenamente, tanto quanto os homens, seu potencial acadêmico. Será que não é chegada a hora de enfrentar de maneira objetiva essa questão e de implantar, por exemplo, ações mais efetivas no sentido de apoiar a formação de lideranças femininas em números mais expressivos dentro de nossa universidade? Ou vamos aguardar passivamente a evolução “natural” apontada pelos dados apresentados neste e em outros estudos?

Magda Maria Sales Carneiro Sampaio é professora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) e presidente da Comissão de Cooperação Internacional (CCInt) da USP

 




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