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Nesta semana, o programa “Olhar da USP”, da TV USP, reunirá três especialistas da Universidade para debater vários aspectos ligados à educação no Brasil. Apresentado pelo jornalista Marcello Rollemberg, o programa terá a participação da pró-reitora de Graduação, Sonia Penin, da ex-vice-reitora Myriam Krasilchik e do vice-diretor da Faculdade de Educação, Nélio Bizzo. Gravado no dia 12, o debate irá ao ar nesta quinta-feira, dia 21, em três horários: às 12 horas, às 16h30 e às 21 horas. Na cidade de São Paulo, a TV USP pode ser sintonizada na NET (canal 15) e na TVA (canal 71). A TV USP é mantida pela Coordenadoria de Comunicação Social (CCS) da USP. A seguir, trechos do debate que irá ao ar na quinta-feira.

 

Jornal da USP – Que avaliação os senhores fazem dos oito anos de gestão do ex-ministro da Educação Paulo Renato?

Myriam Krasilchik – A gestão do ministro Paulo Renato deixou uma série de marcas no sistema educacional. Uma delas foi a expansão da rede pública de ensino e a possibilidade de atender praticamente todas as crianças, pelo menos no ensino fundamental. O aumento da demanda por vagas no ensino superior, que vemos atualmente, é um reflexo dessa expansão. Outro aspecto importante da gestão de Paulo Renato foi a tentativa de renovação de currículos. Embora possamos não concordar com algumas mudanças, os chamados parâmetros curriculares provocaram nos professores pelo menos uma reflexão sobre o que e como ensinam.

Sonia Penin – Na gestão de Paulo Renato houve um fato fundamental: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a LDB. Ainda que não contemple tudo o que se deseja, essa lei foi um avanço fundamental. A partir dela muitas coisas aconteceram. Os parâmetros curriculares, por exemplo, foram estabelecidos pela LDB. A lei contribuiu para o aumento espetacular do número de alunos escolarizados, tanto no ensino infantil e fundamental como no médio e superior. No ensino superior, por exemplo, nós tínhamos no começo da década passada cerca de 1,3 milhão de alunos e hoje temos 3 milhões. No ensino médio, havia 3,5 milhões e agora já há quase 8 milhões de estudantes. São números muitos expressivos. A ênfase, agora, deve ser dada em como traduzir essa quantidade em qualidade.

Nélio Bizzo – Paulo Renato deve ser lembrado como um dos grandes ministros da Educação que o Brasil já teve. Concorde-se ou não com as suas medidas, ele foi o ministro que mais ficou no ministério em tempos democráticos, mantendo equipes estáveis ao longo de oito anos. Ter garantido a continuidade dos programas – permitir que o ensino fundamental avançasse enormemente, por exemplo – já é um grande mérito. Outro aspecto positivo da gestão de Paulo Renato é que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) se firmou como uma referência nacional em termos de avaliação, de indicadores educacionais. Quando Paulo Renato assumiu, as estatísticas educacionais estavam encostadas no Inep, aguardando os pacotes serem abertos. Quando concluiu sua gestão, o Inep se tornou um centro de referência internacional. Isso precisa ser reconhecido. Claro que temos problemas também. A educação superior se recente de políticas mais claras e a formação de professores foi um aspecto claudicante da administração de Paulo Renato. Tivemos idas e vindas. Não sabemos ainda quais são as diretrizes curriculares nacionais para o curso de Pedagogia, por exemplo. Uma parte dessa culpa cabe ao Conselho Nacional de Educação (CNE), mas o Ministério da Educação encaminhou a questão da formação dos professores de forma muito conflituosa e sem uma diretriz clara.

Myriam – A própria instalação do CNE, que substituiu o Conselho Federal de Educação – um órgão sempre muito discutido –, ocorreu durante a gestão de Paulo Renato e é também uma marca importante. O CNE continua com uma série de problemas que o Conselho Federal tinha. É uma arena em que interesses e valores diferentes se digladiam. Mas houve uma tentativa de tornar esse órgão mais representativo da sociedade. Isso também foi uma conseqüência da LDB.

JUSP – Como controlar a proliferação de instituições de ensino superior, sem a devida qualidade?

Sonia – Nós não podemos lamentar o crescimento do ensino superior. O Brasil precisa de mais jovens na universidade. O que lamentamos é o parco aumento no ensino público. De qualquer maneira, precisamos que esse aumento se dê com qualidade, daí por que a questão da avaliação é fundamental. É uma questão polêmica, mas é preciso discutir e melhorar as formas de avaliação, seja das condições e ensino, seja do aprendizado do aluno.

Myriam – Primeiro é preciso ver se realmente essa quantidade não se reflete em qualidade. Creio que a resposta é muito variada e diferente em cada sala de aula. Estatística tem esse problema. Existe um enorme acervo de pesquisas feitas aqui na USP com dados sobre essa pergunta e que permitiriam resolver a questão de forma diferente. É preciso usar esse material, o conjunto de reflexões e análises que a Universidade está produzindo. As políticas públicas não estão dando a devida consideração a essa produção, seja em nível municipal, estadual ou federal. Acho que é uma omissão muito séria e eu espero que as próximas gestões possam superar.

JUSP – O que os senhores acham da avaliação continuada?

Sonia – Quantidade já é uma qualidade. Aumentar a quantidade de alunos nas escolas já é uma melhoria da qualidade da educação brasileira. Isso é fundamental. Porém não é o bastante. Queremos que, para esses alunos, a escola seja o lugar do acesso ao conhecimento e uma referência de como aprender para a vida inteira. Para isso é fundamental que a avaliação seja feita, mas precisamos usá-la bem. É preciso verificar como fazer essa avaliação para que ela, primeiramente, ajude o professor a melhorar o seu trabalho. A avaliação diagnóstica é fundamental. Diagnóstica quer dizer do aluno, das dificuldades do aluno, como ele aprende. E a aprendizagem do aluno e suas dificuldades vão depender muito da origem e da cultura de onde ele vem. Alunos que têm a aprendizagem, a escrita, os livros como referência diária têm certa facilidade na escola. Outros alunos que não têm isso na sua vida diária enfrentam outras dificuldades. É preciso olhar para essas diferenças. A escola cresceu e, com o aumento do número de alunos, veio a diferenciação econômica e cultural. Essa é a dificuldade do professor realmente. Ele precisa aprender a entender esse aluno e suas características. Nesse sentido a avaliação diagnóstica é muito importante e fazer dessa avaliação uma avaliação formativa é fundamental.

Bizzo – Nós temos um fenômeno recente no Brasil, que é o número da inclusão. Para muitas famílias, é a primeira geração que entra e fica na escola. É o primeiro passo. O Brasil sonhou em viver uma situação como essa há muito tempo. Tínhamos uma realidade na qual os filhos dos bacharéis iam para a escola pública e tinham como professor um bacharel licenciado para dar aula. Estava tudo perfeito: o bacharel conversava com os filhos de bacharéis. Quando se percebeu que isso era insustentável e que era necessário ampliar o acesso à educação, surgiram vários problemas. Mas esses problemas não são exclusivos desse processo recente no Brasil. A Itália passa por uma reforma educacional, provocada por queixas de que os alunos, por não serem reprovados, não aprendem nada. Lá, o que se procura fazer é enraizar o aluno junto a um professor, que deve acompanhá-lo ao longo de alguns anos.

JUSP – Como enraizar o aluno que não convive com o fantasma da repetência?

Myriam – Uma das coisas importantes no aprendizado é informar os alunos sobre o desempenho deles. É importante, para o professor, ter mecanismos para isso. O mecanismo mais comum, culturalmente aceito, são as provas. É preciso repensar nas formas de dizer para o aluno “Você vai indo bem” ou “Você vai indo mal, precisa fazer isso”. É importante porque ele precisa saber como é que se aprende, como é que se estuda. E o problema da prova está estritamente vinculado a esse tipo de aprendizado.

JUSP – Trata-se de uma reconscientização de todo o trabalho educativo, que não é só um trabalho do professor, mas também do aluno.

Sonia – Mais ainda, da cultura. Nós entramos atrasados nesse processo de inclusão de todos na escola. Estávamos num processo de multirepetência e as pesquisas mostravam que o aluno, depois de duas ou três repetências, abandonava a escola. E nós não podemos deixar que os brasileiros deixem a escola. Então, como fazer para que eles permaneçam na escola e que ela se torne interessante e, além disso, que eles realmente aprendam e se tornem pessoas felizes, capazes de entender a vida e caminhar para o mercado de trabalho e para níveis superiores de estudos? Essa é uma questão que está aí e nós não podemos voltar a cometer erros do passado. Não podemos deixar crianças saírem da escola.

JUSP – O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é um bom sistema de avaliação?

Bizzo – Acho que o Enem foi uma inovação interessante. Não nego a importância que ele teve, inclusive como uma nova referência para as avaliações. Mas o Enem foi apresentado como um instrumento que iria ampliar o acesso do aluno egresso da escola pública à universidade pública. Nesse sentido, fracassou. O grande problema da educação superior no Brasil é a falta de vagas nas instituições públicas de qualidade. Seja qual for o funil – o Enem, o vestibular etc. –, teremos sempre um instrumento que não será bem-visto. É como um juiz de futebol, que não há quem aplauda. Eu defendo que o Enem seja mantido, mas trazendo benefícios para os professores, os alunos e todo o sistema. Ele poderia ser aplicado de uma forma mais simples, mas ao mesmo tempo ser universalizado. Todo o egresso do ensino médio poderia fazer o Enem, e sua nota seria remetida para uma estatística nacional. Dessa forma, o Enem ajudaria inclusive a monitorar a qualidade dos egressos do ensino médio. Isso contribuiria para a avaliação da educação superior. Se tivéssemos uma avaliação universal no final do ensino médio, saberíamos o que esse aluno aprende na faculdade. Hoje nós não sabemos. Temos as faculdades e não sabemos o que o aluno já trouxe de um ensino médio muito bom e aquilo que ele aprendeu ali. Um Enem universal poderia solucionar isso.

JUSP – Como os senhores vêem o Provão?

Myriam – As escolas hoje trabalham em função de fazer o aluno se sair bem no Provão, sem considerar se o exame realmente está oferecendo uma amostra adequada do conhecimento do aluno sobre aquilo que ele precisaria ter aprendido. Isso é preocupante. Qualquer avaliação é uma tentativa de ter uma amostragem do que o aluno aprendeu e do que a escola está fazendo. Esse é o objetivo. O Provão também é um instrumento muito precário de avaliação. Aqui na USP houve o caso de uma unidade que se saiu mal no Provão, porque houve uma divergência de opinião entre o que foi ensinado na escola, o que os alunos aprenderam e o que a banca colocou no Provão. Essa mesma unidade obteve grau máximo seis meses depois. Isso mostra que o Provão não tem as condições que se exige de um instrumento de avaliação: validade para avaliar o que pretende avaliar; fidedignidade, que permita que diferentes observadores vejam a mesma coisa; e a capacidade de discriminação. Como instrumento de avaliação, creio que ele tenha mais defeitos do que qualidades.

Sonia – O Provão acabou tomando uma dimensão maior, mas a avaliação do ensino superior inclui não apenas esse exame, mas outras questões, como as condições do curso, o próprio processo e seus indicadores, inclusive a produtividade dos alunos. Mas tudo ficou de lado, porque o que se queria ver é o Provão, porque é o mais objetivo dos resultados que se encontra, e daí vem essa repercussão toda. Precisamos de fato melhorar a forma de fazer essa avaliação de resultado e considerá-la adequadamente no conjunto das avaliações de condição de curso e de processo de curso.

JUSP – Que sugestões os senhores dariam para melhorar o sistema de avaliação do ensino superior?

Bizzo – É preciso aumentar os pesos dos fatores extra-Provão. Por exemplo, ter um cadastro dos professores, avaliar o progresso acadêmico deles. Enfim, é importante saber se o professor que deveria trabalhar em tempo integral numa instituição está trabalhando de fato ali e não em várias ao mesmo tempo. Não adianta você querer comparar o Provão de uma faculdade com o de outra. Hoje não há como controlar se o professor trabalha em várias instituições e esse é um dado importante. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por exemplo, tem um cadastro de todos os cursos de Direito. Isso o Ministério da Educação precisa fazer com todos os cursos, em todas as áreas. Ele precisa ter um cadastro dos docentes do ensino superior. O CNPq faz isso com os bolsistas. O ministério tem instrumentos para fazer isso, faz parte de suas atribuições. Ele poderia muito bem usar o desenvolvimento profissional dos docentes de nível superior como um instrumento importante na avaliação dos alunos.

Myriam – Eu gostaria de lembrar que está se gestando um outro processo de avaliação em que não se está prestando a devida atenção, que é o exame de certificação de professores. É um processo que está em gestação, que merece realmente uma análise muito mais profunda e que leve em conta todos os comentários que nós estamos fazendo aqui.

JUSP – E quanto à avaliação de professores?

Sonia – Essa questão terá que ser priorizada em relação às outras necessidades. O Brasil precisa investir muito em professor. O professor é o elemento fundamental em toda essa equação. A melhoria da qualidade do ensino passa pelo professor. Nós precisamos apoiá-lo, ser seus interlocutores constantes, sobretudo no que se refere à dificuldade de dar aula numa sociedade tão complexa e cheia de problemas, relativos à segurança, violência, drogas. Essas questões reverberam no âmbito das salas de aula. O professor precisa ser o educador. É fundamental que ele entenda e seja muito competente na sua área de conhecimento, mas que ele entenda a função social da escola.

JUSP – O atual Ministério da Educação está no caminho certo?

Bizzo – É uma pergunta difícil de responder, mas, de qualquer maneira, o que se percebe é que esse ministério fez uma avaliação, tem uma visão bastante clara de como são os programas em andamento e quais são os programas prioritários. Isso é importante. Falava-se, por exemplo, que o CNE seria extinto, que todos os programas não seriam continuados, tinha-se muito receio de que passasse a vigorar uma política de terra arrasada. Na realidade, muitos programas estão tendo uma continuidade normal. Vejo na imprensa até mesmo o ex-ministro Paulo Renato elogiar alguns aspectos da atuação do atual ministro Cristovan Buarque. A grande surpresa para o ministro Cristovan foi o desempenho dos alunos na educação básica, muito pior do que se supunha. Mais de 50% das crianças chegam à quarta série sem saber ler, por exemplo. É um dado assustador.

JUSP – Como fazer para ampliar o acesso dos jovens à universidade pública? O sistema de cotas é uma solução?

Sonia – Primeiro nós precisamos aumentar o número de vagas, que é um esforço que a USP está empreendendo. Aumentar o número de vagas não só no novo campus em construção na zona leste, mas em muitos dos cursos. Existe também uma série de políticas de ação afirmativa que podem de alguma forma compensar ou contrabalançar a exigência de cotas. Já foi aprovada na Faculdade de Educação e em todas as instâncias da Universidade, por exemplo, a duplicação do número de vagas dos cursos noturnos. O problema não é só aumentar em número, mas democratizar a Universidade, fazer com que seus alunos representem melhor a sociedade. A USP tem uma procura intensa. No último vestibular, 144 mil alunos disputaram 8.800 vagas. É impossível atender todos. Entre os inscritos, grande parte é da escola pública. Nós esperamos que aumente o número de alunos egressos da escola pública. No próximo vestibular, daremos 20 mil isenções de inscrição. É preciso que todos tenham a possibilidade de se inscrever. Mas acho que, de modo geral, precisamos atuar na melhoria da qualidade do ensino médio. É muito pequena a proporção de alunos afro-descendentes no ensino médio. É fundamental a inclusão de todos esses alunos no ensino médio e na melhor qualidade desse ensino, a fim de ajudá-los a entrar na universidade. Essa é a questão que fica posta, uma ação governamental.

Rollemberg, Myriam, Bizzo e Sonia na gravação do "Olhar da USP" sobre a educação no Brasil: discussões fundamentais para o futuro do País

 

 




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