|
Reforma deve simplificar
tributos sobre produtos e serviços, diz professor |
Especialistas
ouvidos pelo Jornal da USP são unânimes ao opinar a
respeito da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 41/03, sobre
a reforma tributária, que tramita na Câmara dos Deputados,
em Brasília: as medidas são inexpressivas, não
desoneram o setor produtivo e há possibilidade inclusive
de aumento da carga tributária no curto prazo, caso seja
aprovado o substitutivo apresentado pelo relator Virgílio
Guimarães (PT-MG) no dia 18 passado. O relatório de
Guimarães mantém o texto constitucional sobre tributos,
transforma a CPMF em contribuição permanente e simplifica
a cobrança do ICMS (leia no texto abaixo as principais sugestões
da PEC 41/03). Até o fechamento desta edição,
a previsão era que o texto começasse a ser votado
na Câmara, em primeiro turno, no dia 21, quinta-feira.
“No
geral, as medidas não servem para promover o desenvolvimento
econômico, o que deveria ser o foco de uma reforma ampla.
Se eu tivesse que dar uma recomendação ao governo
federal, diria para retirar de pauta esse projeto. O setor produtivo
ficaria mais aliviado”, afirma a pesquisadora da Fundação
Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) Maria Helena Zockun.
Para o especialista em Direito Tributário da Faculdade de
Direito da USP Heleno Taveira Torres, as mudanças são
funcionais e não estruturais. “Na verdade, uma grande
reforma precisa simplificar o sistema de tributos, diminuir a quantidade
de deveres acessórios, reduzir todos os tributos cumulativos
na produção e, entre outras coisas, trazer à
legislação novas formas de resolução
de conflitos na relação entre fisco e contribuintes.
Hoje o passivo de tributos discutidos judicialmente junto à
União chega a R$ 174 bilhões. Não
basta simplesmente simplificar o cumprimento das obrigações.
É preciso criar novos instrumentos para a solução
de conflitos. Tudo isso foi muito pouco discutido”, afirma
o professor.
Do
ponto de vista conceitual, esta é uma proposta centralizadora,
já que a distribuição de recursos favorece
a União em detrimento dos Estados, na análise de Paulo
de Barros Carvalho, professor de Direito Tributário da Faculdade
de Direito da USP. “A proposta do governo fala em fortalecer
a federação. Mas, no fundo, fortalece a União.
Isso é centralização de poder e contraria o
princípio constitucional de equilíbrio federativo”,
diz.
Simplifica
mas aumenta – A uniformização de alíquotas
e a unificação da legislação sobre ICMS
representam um passo positivo no longo prazo, já que promovem
a racionalização do sistema de cobranças. Mas,
no curto prazo, essas mudanças são insuficientes para
desonerar a carga tributária, já que o texto deixa
brecha para os Estados aumentarem as alíquotas, garantem
os especialistas. “A simplificação das alíquotas
é um benefício muito pequeno diante da possibilidade
de aumento dos seus valores por parte dos governos estaduais. Pelo
que vi até agora, os Estados terão liberdade de mexer
no valor das alíquotas do ICMS e essa brecha é muito
perigosa, já que com isso tentarão aumentar suas arrecadações,
onerando mais o contribuinte”, afirma Maria Helena.
O professor
André Franco Montoro Filho, da Faculdade de Economia, Administração
e Contabilidade (FEA) da USP, avalia que “a lei diminuirá
a liberdade de os Estados modificarem os valores de alíquotas
e, justamente por isso, os governos tentarão nivelar por
cima esses valores. Com isso, a tendência será aumentar
as alíquotas em geral, num primeiro momento”. Sobre
esse assunto, o professor Torres também acredita que será
difícil verificar redução no curto prazo, ao
passo que no médio e no longo prazo poderão existir
condições financeiras para reduzir esse imposto em
razão da racionalização da cobrança
e da unificação da legislação.
|
Montoro:
alíquotas maiores |
Os
especialistas garantem que o problema será definir o percentual
das alíquotas do ICMS e recorrem à história
para se apoiarem no argumento de que a tendência deverá
ser mesmo a de aumentar a carga tributária. “A uniformização
é importante porque é uma maneira eficiente de acabar
com o chamado turismo de produtos (tráfego criado artificialmente
para ganhar vantagens tributárias, ou seja: um produto sai
do Estado onde é fabricado para, cruzando fronteira interestadual,
receber alíquota menor de ICMS de um Estado vizinho e, em
seguida, voltar à sua origem, onde se dará o consumo).
Mas a questão será definir o valor das alíquotas.
As medidas apresentadas deixam uma porta aberta para um aumento
real dos tributos e, se tomarmos os exemplos históricos,
a tendência é piorar a carga”, afirma o professor
Hugo Tsugunobu Yoshida Yoshizaki, da Escola Politécnica da
USP.
O presidente
da Associação Comercial de São Paulo, Guilherme
Afif Domingos, em declaração à Agência
Senado, acredita que os governadores tenderão a fixar o teto
máximo permitido de 25% para a alíquota do ICMS, como
forma de compensar o que provavelmente não irão ganhar
na partilha de outros impostos, como a CPMF.
Espetáculo
do crescimento – “A CPMF deveria desaparecer. Piorou
porque pode virar permanente”, afirma Maria Helena, que defende
também IPI zero para o setor produtivo. Segundo ela, a CPMF
produz efeito cascata sobre os investimentos e esse é um
dos motivos pelos quais a simples redução do IPI é
uma medida inexpressiva diante da carga tributária que onera
o setor produtivo.
A idéia
de que só a redução do IPI será pouco
para compensar o setor produtivo também é compartilhada
pelo professor Torres. “O setor produtivo paga muitos impostos
– entre eles PIS, Cofins, ICMS e CPMF – para
que só isso compense. A produção precisa ser
estimulada. Não haverá nenhum espetáculo do
crescimento se a produção continuar onerada como está.
Assim, não há como o produto nacional ganhar competitividade
internacionalmente”, afirma.
Para
ele, outra medida inócua foi tomada em relação
à Cofins. O texto prevê o fim da cumulatividade com
a criação de uma alíquota única que,
ao final das contas, corresponderá a algo em torno dos 9%
que hoje são pagos pelo consumidor final. “Ou seja,
só unificou, não reduziu nada. O contribuinte continua
pagando a conta.”
|
Maria
Helena: retirar o projeto |
O professor
Montoro Filho acredita que os pontos mais importantes para uma reforma
ampla não foram contemplados na proposta do governo, como
a redução da carga tributária, a repartição
equilibrada de recursos entre União, Estados e municípios,
a desoneração da produção e a maior
justiça tributária.
Sob
a ótica jurídica, o professor Barros Carvalho também
critica o resultado final do relatório. “A questão
do incentivo ao crescimento através de uma tributação
mais justa e racional vira retórica e é tratada de
forma muito branda. Não há um desafogo sensível
ao setor produtivo. Além disso, a disputa que se está
criando em torno da CPMF é um problema de ordem financeira
e não tributária. Em vez de os Estados lutarem por
suas competências constitucionais, ficam lutando por uma participação
maior ou menor na receita.”
Os
professores Barros Carvalho e Heleno Torres citam a questão
da progressividade do imposto de renda – o princípio
segundo o qual paga mais imposto quem ganha mais – como outro
ponto que merece ser mais bem discutido no texto da reforma tributária.
“Há uma série de preceitos constitucionais que
não foram cumpridos até agora. Entre eles, o da progressividade
do imposto de renda, que ainda precisa ser devidamente regulamentado
através de lei infraconstitucional. Ou
seja, seria necessária a aprovação de uma tabela
progressiva prevendo a variação da alíquota
de acordo com a base de cálculo. Isso sequer foi discutido”,
garante Carvalho.
As
sugestões da PEC 41
Em
linhas gerais, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 41/03
mantém o texto constitucional sobre tributos e ratifica
a exigência de lei complementar para a instituição
do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF). Entre as principais
mudanças, a CPMF (Contribuição Provisória
sobre Movimentação Financeira) é transformada
em contribuição permanente (CMF) e poderá
variar, a critério do Executivo, entre 0,38% e 0,08%.
O texto prorroga até 2007 a Desvinculação
das Receitas da União (DRU), o que permite que o governo
use livremente 20% de toda sua arrecadação.
Outra
medida simplifica a cobrança do ICMS (Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços):
os Estados passariam a cobrar cinco alíquotas unificadas
desse imposto, em vez das 44 alíquotas existentes.
Além disso, as diferentes legislações
de ICMS dos 27 Estados seriam regidas por uma lei federal.
A princípio, fica mantido o atual sistema de partilha
entre origem e destino de receitas do ICMS nas operações
interestaduais. Mas
a cobrança do ICMS deverá ser gradualmente transferida
para o Estado onde o produto é consumido e, em cerca
de dez anos, o Estado produtor ficaria com apenas 4 pontos
percentuais do valor do imposto.
O
texto também proíbe novos incentivos fiscais
e mantém por mais oito anos os incentivos já
existentes nos Estados, à exceção da
Zona Franca de Manaus, que teve esse benefício prorrogado
até 2023, em vez de 2013, como previa o relatório
original. Também prevê redução
do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para bens
de capital, transfere da União para os Estados o Imposto
Territorial Rural (ITR) e institui a noventena, ou seja, um
pazo de 90 dias desde a criação ou majoração
de tributos até sua implementação. Pela
regra da anualidade, uma lei podia ser criada, por exemplo,
em 31 de dezembro e entrar em vigor em 1o de janeiro. Também
deverá ser criado um fundo de compensação
com o objetivo de compensar os Estados por suas perdas pela
desoneração das exportações.
|
|