O
grito de 7 de Setembro ainda não tinha um ano
quando o governo imperial decidiu construir um monumento em comemoração
à Independência. O local escolhido foi o mesmo onde
ela havia sido proclamada, às margens do Ipiranga. A obra,
no entanto – como o dinheiro era escasso e não se chegava
a um entendimento quanto ao tipo de construção –,
levaria quase 70 anos para sair do papel. Quando ficou pronta, o
Brasil já não era um império, mas uma república,
e o seu destino acabaria por ser alterado.
Ainda
que faltasse o acabamento, os trabalhos foram dados por encerrados
e o que deveria ser o monumento do Ipiranga foi transformado, pela
lei 192, de 26 de agosto de 1893 – há exatos 110 anos
–, no Museu Paulista, também conhecido como Museu do
Ipiranga. Para saudar o aniversário, o museu, que hoje pertence
à USP, não prepara nenhuma grande festa, mas comemorações
que, segundo a diretora Raquel Gleizer, professora do Departamento
de História da USP, devem se estender até o próximo
ano. Em setembro, será lançado Ferro de passar. Passado
a limpo, livro do jornalista Fernando Cerqueira Lemos, editado pela
Edusp, que, através da coleção do museu, conta
as transformações pela qual passou esse humilde utensílio
doméstico no Brasil ao longo dos séculos 19 e 20.
Ainda em 2003 estão previstas duas exposições:
uma sobre o comércio em São Paulo e outra com fotografias
de Militão Augusto de Azevedo – uma das mais importantes
coleções fotográficas de seu acervo, com 13
mil exemplares.
Monumento à memória – Os recursos para as obras
do museu não vieram de patrióticas contribuições
ou de fundos do governo, mas das chamadas Loterias do Ypiranga,
instituídas em 1881 para angariar recursos. A primeira rendeu
já mil contos de réis, mas desavenças políticas
retardariam a construção por mais quatro anos. Contratado
como arquiteto, o italiano Tommaso Gaudenzio Bezzi apresentou, para
celebrar a Independência, o projeto de um monumento-edifício
à semelhança de um palácio renascentista. O
estilo escolhido foi o eclético – uma recuperação
de estilos históricos –, que há muito estava
em curso na Europa e que viria marcar a transformação
arquitetônica de São Paulo na passagem do século.
Para que o engenheiro Luigi Pucci executasse com fidelidade o seu
projeto, Bezzi fez uma maquete em gesso, reproduzindo os detalhes
da arquitetura e da ornamentação, repleta de detalhes.
Como não existiam trabalhadores familiarizados com a execução
de ornatos, a mão-de-obra contratada era toda italiana.
Já
durante a sua construção, o edifício era uma
referência excepcional para a pequena cidade de São
Paulo, então com apenas 70 mil habitantes: o modelo de palácio,
o grande porte e o fato de ser um volume isolado no espaço,
visível por todos os lados, chamavam a atenção.
O projeto inicial, no entanto, era ainda mais ambicioso. Duas alas
laterais dariam ao prédio um formato de “E”,
mas, como não havia dinheiro para concluí-las, as
alas foram abandonadas e o edifício acabou ficando com 123
metros de comprimento, apenas um terço do seu tamanho previsto.
Ainda
que pareça um exagero, com ares megalômanos, o que
deixou de ser construído faz hoje muita falta. Com mais de
100 mil peças, só há espaço para expor
cerca de 20%. Para além do famoso quadro de Pedro Américo
– primeira imagem que vem à cabeça quando se
fala no museu –, a instituição guarda um significativo
acervo de pinturas, objetos e também de documentação
textual, que cobre desde a correspondência de políticos
ligados ao movimento de independência do País até
os diários de campo da Revolução Constitucionalista
de 1932. Dono
de mais de uma centena de coleções e fundos de arquivos
públicos e privados, o museu consegue contar a história
de diferentes aspectos da vida política e institucional da
sociedade brasileira, em especial a paulistana.
Em
suas origens, contudo, o Museu Paulista não era como hoje,
um lugar de memória brasileira como nação,
mas sim um órgão de investigação científica.
Em seu primeiro acervo, o museu recebeu as coleções
da Comissão Geológica e Geográfica e do Museu
Sertório, compostas principalmente de peças de história
natural (depois transferidas para o Museu de Zoologia da USP). A
mudança no enfoque só viria a acontecer na década
de 20, quando o historiador Affonso d’Escragnolle Taunay,
então diretor do museu, deu início a um novo projeto
de ornamentação do prédio para as festividades
do centenário da Independência. As pinturas e esculturas
do saguão foram por ele concebidas. Nas paredes da escadaria,
ao redor de D. Pedro I, patrono da Independência, dispôs
estátuas dos bandeirantes que desbravaram as fronteiras de
São Paulo, e no teto, as datas simbólicas da história
da nação. Para compor o salão de honra, pediu
à família real, que se encontrava no exílio,
que mandasse objetos como chaves, botões, medalhas e até
mechas do cabelo da princesa Isabel. Outras oito salas históricas
seriam também abertas à visitação pública.
O museu
começava então a se caracterizar como um museu da
história de São Paulo e do Brasil, uma vocação
que seria definitivamente sublinhada quando foi transferido da Secretaria
de Estado da Educação para a USP, em 1963. “Estar
ligado à Universidade mantém o museu vivo”,
afirma Raquel Gleizer. Segundo
ela, a academia garante os recursos para manutenção
do patrimônio e também forma os quadros, museógrafos
e historiadores, que trabalham na instituição. “Por
estar menos atenta a modismos e a exigências do mercado, a
Universidade tem condições de preservar a memória
social.”
Mesmo sem qualquer tipo de publicidade, explica a diretora, o museu
tem um enorme apelo popular, com 290 mil visitantes por ano. Ser
identificado como um símbolo da cidade e um elemento de identidade
nacional explicaria o fato. “Pensa-se que o museu é
um lugar da elite e para a elite, mas nós estamos voltados
para a sociedade. São Paulo é uma cidade que mudou
muito nos últimos anos e as pessoas precisam encontrar em
algum lugar elementos de identificação com o seu espaço.
Elas vêm aqui procurar por sua história, procurar saber
quem são”, diz ela.
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Ao lado, vista atual da escadaria central do Museu
Paulista, com a ornamentação idealizada para
comemorar o centenário da Independência. Abaixo,
imagens da Escadaria em 1892 e em 1898
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Semana discute ação dos museus
O Museu
Paulista é o organizador da 4a Semana dos Museus, que acontece
de 26 a 29 no Anfiteatro Camargo Guarnieri, na Cidade Universitária,
promovida pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão
Universitária. O tema central é “Preservação
em museus: identidades, políticas e memórias”.
Segundo a coordenadora-geral do evento, pesquisadora Solange Ferraz
de Lima, o tema da preservação deve ser discutido
de forma ampla. “Discutiremos temas como a preservação
da memória, a construção da identidade e como
a questão de patrimônio nos últimos anos.”
Para
favorecer o debate o encontro privilegia as mesas-redondas. Serão
sete delas, com 18 conferencistas, três deles de outros países.
Uma das preocupações da coordenação,
explica Solange, foi aproximar a reflexão teórica
das experiências concretas desenvolvidas nos museus. “Para
ter uma visão de conjunto, privilegiamos a multidisciplinaridade.”
A seguir a programação da 4a Semana dos Museus.
26
de agosto
9 horas. Abertura.
10 horas. Mesa-redonda:
“Museus da USP: identidades e futuro”.
13h30h. Comunicações.
17 horas. Mesa-redonda:
“Museus: entre globalização e identidades locais”.
27
de agosto
9 horas. Mesa-redonda:
“Museus: do fetiche ao documento”.
13h30. Comunicações.
17 horas. Mesa-redonda:
“Museus: a memória dos outros”.
28
de agosto
9 horas. Mesa-redonda:
“O Museu: marco referencial urbano”.
13h30. Atividade setorial nos museus da USP.
29
de agosto
9 horas. Mesa-redonda:
“Museu e patrimônio ambiental”.
13h:30. Mesa-redonda:
“Museus: políticas culturais de preservação”.
17 horas. Fórum de encerramento.
19 horas. Coquetel.
USP
sediará colóquio mundial
Em
março do próximo ano, entre os dias 21 e 28,
o Museu Paulista da USP vai sediar o mais importante encontro
de museus históricos de todo o mundo, o 7o Colóquio
da Associação Internacional de Museus de História.
Criada em 1991, e fortemente enraizada na França, essa
associação é filiada ao Conselho Internacional
de Museus da Unesco e organiza a cada dois anos um colóquio
com diretores e pesquisadores de museus dos cinco continentes.
Suas reflexões giram em torno dos museus de história,
sua identidade, filosofia e papel social.
Para
o encontro de 2004, que será o primeiro a acontecer
fora do Hemisfério Norte, um extenso levantamento de
museus de história da América Latina está
sendo organizado. Haverá discussões sobre como
organizar um mundo multipolarizado e de que forma os museus
devem se colocar diante dos novos desafios plantários.
Para
a diretora do Museu Paulista, Raquel Gleizer, o fato de a
instituição ter sido escolhida como primeira
a sediar o colóquio na América Latina é
um reconhecimento ao seu trabalho e tradição.
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O
mapa das riquezas
Na
4a Semana dos Museus, o Brasil ganhará uma publicação
que ampliará seus conhecimentos sobre uma importante
parte de seu patrimônio. Será lançado
nesta terça-feira, dia 26, às 19 horas, na Cidade
Universitária, o Catálogo das coleções
especiais e acervos museológicos da USP. Editado pela
Comissão de Patrimônio Cultural (CPC) e pelo
Sistema Integrado de Bibliotecas (Sibi), ambas da USP, o Catálogo
relaciona cada uma das coleções especiais existentes
nas unidades e órgãos da Universidade. Com 168
páginas, a obra revela verdadeiros tesouros do conhecimento
guardados nas bibliotecas uspianas – algumas delas pouco
conhecidas pela sociedade.
Exemplos
disso encontram-se às dezenas no Catálogo. Tome-se
o acervo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), onde se
conservam mais de 20 coleções especiais, como
a Coleção Camargo Guarnieri, a Coleção
Graciliano Ramos e a Coleção Mário de
Andrade. Lendo a página 141, fica-se sabendo que o
IEB possui os 1.500 volumes que pertenciam a Graciliano, entre
eles as primeiras edições de escritores seus
contemporâneos e as obras que formaram o autor de Memórias
do cárcere e Vidas secas. Esse material foi doado à
USP, em 1984, pela viúva do escritor, registra o Catálogo.
Outras
riquezas históricas encontram-se nas páginas
da publicação da CPC e do Sibi. A Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) mantém
as Coleções Antonio Candido, Anatol Rosenfeld,
Eurípedes Simões de Paula e Governo Português.
Esta última é formada por 1.812 volumes editados
em Portugal sobre vários aspectos da literatura, da
cultura e da história daquele país ibérico
– doados em 1954 pelo Instituto de Alta Cultura de Portugal
–, como consta na página 61.
No
total, o Catálogo relaciona as coleções
e acervos de 20 unidades de ensino e pesquisa da USP, incluindo
os campi do interior, dos quatro principais museus da Universidade
– Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE), Museu de Arte
Contemporânea (MAC), Museu Paulista e Museu de Zoologia
–, de dois institutos especializados (o Centro de Biologia
Marinha e o IEB) e de dois órgãos, o Centro
de Divulgação Científica e Cultural,
de São Carlos, e a Estação Ciência,
em São Paulo.
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