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Acima, o Museu Paulista em três momentos: em 1888, em 1898 e atualmente. Ao lado, o engenheiro Bezzi, autor do projeto do prédio

O grito de 7 de Setembro ainda não tinha um ano quando o governo imperial decidiu construir um monumento em comemoração à Independência. O local escolhido foi o mesmo onde ela havia sido proclamada, às margens do Ipiranga. A obra, no entanto – como o dinheiro era escasso e não se chegava a um entendimento quanto ao tipo de construção –, levaria quase 70 anos para sair do papel. Quando ficou pronta, o Brasil já não era um império, mas uma república, e o seu destino acabaria por ser alterado.

Ainda que faltasse o acabamento, os trabalhos foram dados por encerrados e o que deveria ser o monumento do Ipiranga foi transformado, pela lei 192, de 26 de agosto de 1893 – há exatos 110 anos –, no Museu Paulista, também conhecido como Museu do Ipiranga. Para saudar o aniversário, o museu, que hoje pertence à USP, não prepara nenhuma grande festa, mas comemorações que, segundo a diretora Raquel Gleizer, professora do Departamento de História da USP, devem se estender até o próximo ano. Em setembro, será lançado Ferro de passar. Passado a limpo, livro do jornalista Fernando Cerqueira Lemos, editado pela Edusp, que, através da coleção do museu, conta as transformações pela qual passou esse humilde utensílio doméstico no Brasil ao longo dos séculos 19 e 20. Ainda em 2003 estão previstas duas exposições: uma sobre o comércio em São Paulo e outra com fotografias de Militão Augusto de Azevedo – uma das mais importantes coleções fotográficas de seu acervo, com 13 mil exemplares.


Monumento à memória – Os recursos para as obras do museu não vieram de patrióticas contribuições ou de fundos do governo, mas das chamadas Loterias do Ypiranga, instituídas em 1881 para angariar recursos. A primeira rendeu já mil contos de réis, mas desavenças políticas retardariam a construção por mais quatro anos. Contratado como arquiteto, o italiano Tommaso Gaudenzio Bezzi apresentou, para celebrar a Independência, o projeto de um monumento-edifício à semelhança de um palácio renascentista. O estilo escolhido foi o eclético – uma recuperação de estilos históricos –, que há muito estava em curso na Europa e que viria marcar a transformação arquitetônica de São Paulo na passagem do século. Para que o engenheiro Luigi Pucci executasse com fidelidade o seu projeto, Bezzi fez uma maquete em gesso, reproduzindo os detalhes da arquitetura e da ornamentação, repleta de detalhes. Como não existiam trabalhadores familiarizados com a execução de ornatos, a mão-de-obra contratada era toda italiana.

Já durante a sua construção, o edifício era uma referência excepcional para a pequena cidade de São Paulo, então com apenas 70 mil habitantes: o modelo de palácio, o grande porte e o fato de ser um volume isolado no espaço, visível por todos os lados, chamavam a atenção. O projeto inicial, no entanto, era ainda mais ambicioso. Duas alas laterais dariam ao prédio um formato de “E”, mas, como não havia dinheiro para concluí-las, as alas foram abandonadas e o edifício acabou ficando com 123 metros de comprimento, apenas um terço do seu tamanho previsto.

Ainda que pareça um exagero, com ares megalômanos, o que deixou de ser construído faz hoje muita falta. Com mais de 100 mil peças, só há espaço para expor cerca de 20%. Para além do famoso quadro de Pedro Américo – primeira imagem que vem à cabeça quando se fala no museu –, a instituição guarda um significativo acervo de pinturas, objetos e também de documentação textual, que cobre desde a correspondência de políticos ligados ao movimento de independência do País até os diários de campo da Revolução Constitucionalista de 1932. Dono de mais de uma centena de coleções e fundos de arquivos públicos e privados, o museu consegue contar a história de diferentes aspectos da vida política e institucional da sociedade brasileira, em especial a paulistana.

Em suas origens, contudo, o Museu Paulista não era como hoje, um lugar de memória brasileira como nação, mas sim um órgão de investigação científica. Em seu primeiro acervo, o museu recebeu as coleções da Comissão Geológica e Geográfica e do Museu Sertório, compostas principalmente de peças de história natural (depois transferidas para o Museu de Zoologia da USP). A mudança no enfoque só viria a acontecer na década de 20, quando o historiador Affonso d’Escragnolle Taunay, então diretor do museu, deu início a um novo projeto de ornamentação do prédio para as festividades do centenário da Independência. As pinturas e esculturas do saguão foram por ele concebidas. Nas paredes da escadaria, ao redor de D. Pedro I, patrono da Independência, dispôs estátuas dos bandeirantes que desbravaram as fronteiras de São Paulo, e no teto, as datas simbólicas da história da nação. Para compor o salão de honra, pediu à família real, que se encontrava no exílio, que mandasse objetos como chaves, botões, medalhas e até mechas do cabelo da princesa Isabel. Outras oito salas históricas seriam também abertas à visitação pública.

O museu começava então a se caracterizar como um museu da história de São Paulo e do Brasil, uma vocação que seria definitivamente sublinhada quando foi transferido da Secretaria de Estado da Educação para a USP, em 1963. “Estar ligado à Universidade mantém o museu vivo”, afirma Raquel Gleizer. Segundo ela, a academia garante os recursos para manutenção do patrimônio e também forma os quadros, museógrafos e historiadores, que trabalham na instituição. “Por estar menos atenta a modismos e a exigências do mercado, a Universidade tem condições de preservar a memória social.”
Mesmo sem qualquer tipo de publicidade, explica a diretora, o museu tem um enorme apelo popular, com 290 mil visitantes por ano. Ser identificado como um símbolo da cidade e um elemento de identidade nacional explicaria o fato. “Pensa-se que o museu é um lugar da elite e para a elite, mas nós estamos voltados para a sociedade. São Paulo é uma cidade que mudou muito nos últimos anos e as pessoas precisam encontrar em algum lugar elementos de identificação com o seu espaço. Elas vêm aqui procurar por sua história, procurar saber quem são”, diz ela.

Ao lado, vista atual da escadaria central do Museu Paulista, com a ornamentação idealizada para comemorar o centenário da Independência. Abaixo, imagens da Escadaria em 1892 e em 1898

 

Semana discute ação dos museus

O Museu Paulista é o organizador da 4a Semana dos Museus, que acontece de 26 a 29 no Anfiteatro Camargo Guarnieri, na Cidade Universitária, promovida pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária. O tema central é “Preservação em museus: identidades, políticas e memórias”. Segundo a coordenadora-geral do evento, pesquisadora Solange Ferraz de Lima, o tema da preservação deve ser discutido de forma ampla. “Discutiremos temas como a preservação da memória, a construção da identidade e como a questão de patrimônio nos últimos anos.”

Para favorecer o debate o encontro privilegia as mesas-redondas. Serão sete delas, com 18 conferencistas, três deles de outros países. Uma das preocupações da coordenação, explica Solange, foi aproximar a reflexão teórica das experiências concretas desenvolvidas nos museus. “Para ter uma visão de conjunto, privilegiamos a multidisciplinaridade.” A seguir a programação da 4a Semana dos Museus.

26 de agosto
9 horas. Abertura.
10 horas. Mesa-redonda:
“Museus da USP: identidades e futuro”.
13h30h. Comunicações.
17 horas. Mesa-redonda:
“Museus: entre globalização e identidades locais”.

27 de agosto
9 horas. Mesa-redonda:
“Museus: do fetiche ao documento”.
13h30. Comunicações.
17 horas. Mesa-redonda:
“Museus: a memória dos outros”.

28 de agosto
9 horas. Mesa-redonda:
“O Museu: marco referencial urbano”.
13h30. Atividade setorial nos museus da USP.

29 de agosto
9 horas. Mesa-redonda:
“Museu e patrimônio ambiental”.
13h:30. Mesa-redonda:
“Museus: políticas culturais de preservação”.
17 horas. Fórum de encerramento.
19 horas. Coquetel.

 

 

USP sediará colóquio mundial

Em março do próximo ano, entre os dias 21 e 28, o Museu Paulista da USP vai sediar o mais importante encontro de museus históricos de todo o mundo, o 7o Colóquio da Associação Internacional de Museus de História. Criada em 1991, e fortemente enraizada na França, essa associação é filiada ao Conselho Internacional de Museus da Unesco e organiza a cada dois anos um colóquio com diretores e pesquisadores de museus dos cinco continentes. Suas reflexões giram em torno dos museus de história, sua identidade, filosofia e papel social.

Para o encontro de 2004, que será o primeiro a acontecer fora do Hemisfério Norte, um extenso levantamento de museus de história da América Latina está sendo organizado. Haverá discussões sobre como organizar um mundo multipolarizado e de que forma os museus devem se colocar diante dos novos desafios plantários.

Para a diretora do Museu Paulista, Raquel Gleizer, o fato de a instituição ter sido escolhida como primeira a sediar o colóquio na América Latina é um reconhecimento ao seu trabalho e tradição.

 

 

 

 

O mapa das riquezas

Na 4a Semana dos Museus, o Brasil ganhará uma publicação que ampliará seus conhecimentos sobre uma importante parte de seu patrimônio. Será lançado nesta terça-feira, dia 26, às 19 horas, na Cidade Universitária, o Catálogo das coleções especiais e acervos museológicos da USP. Editado pela Comissão de Patrimônio Cultural (CPC) e pelo Sistema Integrado de Bibliotecas (Sibi), ambas da USP, o Catálogo relaciona cada uma das coleções especiais existentes nas unidades e órgãos da Universidade. Com 168 páginas, a obra revela verdadeiros tesouros do conhecimento guardados nas bibliotecas uspianas – algumas delas pouco conhecidas pela sociedade.

Exemplos disso encontram-se às dezenas no Catálogo. Tome-se o acervo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), onde se conservam mais de 20 coleções especiais, como a Coleção Camargo Guarnieri, a Coleção Graciliano Ramos e a Coleção Mário de Andrade. Lendo a página 141, fica-se sabendo que o IEB possui os 1.500 volumes que pertenciam a Graciliano, entre eles as primeiras edições de escritores seus contemporâneos e as obras que formaram o autor de Memórias do cárcere e Vidas secas. Esse material foi doado à USP, em 1984, pela viúva do escritor, registra o Catálogo.

Outras riquezas históricas encontram-se nas páginas da publicação da CPC e do Sibi. A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) mantém as Coleções Antonio Candido, Anatol Rosenfeld, Eurípedes Simões de Paula e Governo Português. Esta última é formada por 1.812 volumes editados em Portugal sobre vários aspectos da literatura, da cultura e da história daquele país ibérico – doados em 1954 pelo Instituto de Alta Cultura de Portugal –, como consta na página 61.

No total, o Catálogo relaciona as coleções e acervos de 20 unidades de ensino e pesquisa da USP, incluindo os campi do interior, dos quatro principais museus da Universidade – Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE), Museu de Arte Contemporânea (MAC), Museu Paulista e Museu de Zoologia –, de dois institutos especializados (o Centro de Biologia Marinha e o IEB) e de dois órgãos, o Centro de Divulgação Científica e Cultural, de São Carlos, e a Estação Ciência, em São Paulo.

 

 

 




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