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Haroldo de Campos conseguiu conquistar uma segunda vida. Será lembrado por todos. Com essa definição, o professor Jacques Marcovitch, ex-reitor da USP, tenta traduzir a lembrança do olhar firme e sempre curioso do poeta, do tradutor e do pesquisador falecido no dia 16 de agosto. “Foi um homem das letras, no sentido infinito da palavra. Mergulhava nas culturas e conseguia passar a diversidade e as peculiaridades da sua descoberta.”

Entre estudantes e professores da Universidade, Haroldo de Campos deixa um universo. Um universo infinito de poemas, de idéias, de coisas a serem feitas. Há poucos dias, ele estava pela USP, questionando aqui e ali. Pesquisando e buscando sempre. Sempre pronto para a troca de idéias, de informações. Ou simplesmente para conversar, ouvir e incentivar os jovens poetas, escritores, artistas plásticos. Dividia, com prazer, o conhecimento de uma vida entre livros.

“Jamais ouvi o Haroldo dizer que estava sem tempo”, conta o professor Andréa Lombardi, do Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. “Tinha uma generosidade tão infinita quanto a sua curiosidade. Dava a mesma atenção tanto para os estudantes como para os intelectuais. Foi um incentivador, um acolhedor. Um eterno estudioso. Estava sempre à procura de algo além dos limites, além das ‘colunas de Hércules’. Nas margens, nas entrelinhas, no ainda não descoberto. Ele trans-humanizou a literatura, utilizando um termo de Dante Alighieri por ele criativamente atualizado.”

“Haroldo tinha uma generosidade tão infinita quanto a sua curiosidade. Foi um incentivador, um acolhedor, um eterno estudioso”

É desse mestre e grande civilizador – como lembra Lombardi – que os amigos da Universidade vão sentir falta. Um amigo raro, que detestava elogios gratuitos. Mas que repartia com sinceridade e sem distinção o que tinha de mais caro: os sonhos e o olhar sensível das coisas do mundo.

Muito além do concretismo – A busca incessante de Haroldo de Campos permeou todas as culturas. E se deparou com muitas críticas. Era apontado como figura polêmica e muitos ainda insistiam em limitá-lo apenas a um poeta concreto. Só que Haroldo, como defende o professor João Alexandre Barbosa, também da FFLCH, estava muito além do concretismo. Foi uma fase dos anos 50 e 60. Mas o poeta, o tradutor, o crítico foi muito além. Teve inúmeras fases, percorreu caminhos diversos. Tantos que a mídia nem sempre foi capaz de captar e registrar. “Ele procurou divulgar obras pouco lidas ou mal lidas, mas de extrema importância”, conta João Alexandre. “Traduziu os italianos, alemães, franceses, japoneses, empenhando-se na difusão da cultura no País.”

O professor acompanhou a trajetória de Haroldo de Campos nos últimos 41 anos. Como crítico literário, mas especialmente como amigo. “Não conheço nenhum intelectual com a sua generosidade, com a sua abertura”, diz. “Tinha uma enorme interlocução com os poetas, com os artistas. Estava sempre presente.”

João Alexandre guarda boas lembranças da participação do poeta na vida cultural da Universidade. “Nos anos 80, quando Octavio Paz veio para uma conferência na USP, a colaboração de Haroldo foi muito importante. De um lado estava o Octavio e de outro, o Haroldo, fazendo a tradução simultaneamente.”

No ano passado, João Alexandre publicou o texto “Meio século de Haroldo de Campos” no livro Alguma crítica, da Ateliê Editorial, que apresentou em conferência na Universidade de Yale, nos Estados Unidos. “É uma homenagem ao seu trabalho. Procuro mostrar que ele é um cosmonauta do significante.” O professor lembra que Haroldo de Campos foi procurador da USP. Por várias vezes foi convidado a ocupar uma função oficial como assessor cultural. Mas nunca aceitou. Dizia que preferia cumprir o horário de seu trabalho e ter mais tempo para os poemas, as traduções, as pesquisas. Mas, extra-oficialmente, Haroldo colaborou com as exposições do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, acompanhando o trabalho dos pintores e escultores. Integrava os seminários do Centro Universitário Maria Antonia, da FFLCH e de outras unidades.

Diálogo intenso – “Haroldo era uma presença marcante e atuante na cultura brasileira”, observa a professora Walnice Nogueira Galvão, da FFLCH. “Atuou tanto na prosa como na poesia, tanto no pensamento teórico quanto na tradução. Ele nos trouxe os grandes clássicos da literatura universal, desde Dante até textos bíblicos, além da Ilíada, que traduziu integralmente. Não gostava de dizer que fazia tradução e sim transcriação.”

Walnice destaca que, no pensamento teórico, Haroldo de Campos manteve intenso diálogo com a grande crítica literária do seu tempo. “Ele produziu uma crítica interessante, capaz de resgatar para a literatura brasileira nomes que estavam esquecidos, como o do poeta Sousândrade.”

Haroldo de Campos conseguiu revelar para os brasileiros as nuances da cultura japonesa através da delicadeza de seus haicais. Uma sensibilidade reconhecida pela Fundação Japão, que o premiou com uma viagem para diversas cidades daquele país. “Haroldo de Campos foi um grande incentivador da cultura japonesa”, observa Jô Takahashi, diretor cultural da Fundação Japão. “Ele foi uma referência, um norte para os pesquisadores brasileiros poderem entender outros universos semânticos.”

O incentivo à cultura japonesa também teve o reconhecimento da USP. Durante a programação dos Cem Anos de Amizade Brasil-Japão, em 2001, a coordenadora do evento, Irene Tomita, o indicou para uma homenagem especial. “Com essa reverência, tivemos a oportunidade de reconhecer não só o seu trabalho na divulgação da cultura japonesa, como também o seu mérito como poeta, tradutor e crítico literário”, diz Irene.

O olhar oriental de Haroldo foi compartilhado com a artista Tomie Ohtake. “Eu aprendi muito com ele”, afirma Tomie. “Sabia muito mais sobre o Japão do que eu. Trabalhamos juntos. Fiz algumas gravuras para os seus haicais. Tenho uma tela onde está a letra dele. Isso tem um significado muito grande para mim.”

 

Uma vida pela cultura

Morto no dia 16 de agosto passado, aos 73 anos, Haroldo de Campos foi presença marcante na literatura brasileira nos últimos 50 anos. Nascido em 1929, Haroldo formou-se em Direito pela USP em 1952, mesmo ano em que criaria, com seu irmão Augusto e Décio Pignatari, o grupo de poesia concretista Noigrandes. Em 1956 e 1957, participou do lançamento oficial da poesia concreta na “1a Exposição Nacional de Arte Concreta”, no Museu de Arte Moderna (MAM), em São Paulo, e no MEC, no Rio de Janeiro. Logo em seguida, publicaria, mais uma vez ao lado de Décio Pignatari, o Plano Piloto para Poesia Concreta, em uma referência assumida ao Plano Piloto para Construção de Brasília, feito por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Ao longo dos anos, trabalhando como poeta, tradutor e crítico literário, Haroldo escreveu mais de 30 livros e centenas de ensaios, traduzidos em diversos idiomas.

Doutor em Letras pela USP em 1972, recebeu várias condecorações, entre elas o Prêmio Tradução pelo livro Mallarmé, concedido pela Associação Paulista de Críticos de Arte (!975), e o Jabuti de Tradução de Obra Literária (1992 e 1999). Em 1990 a PUC de São Paulo lhe concedeu o título de Professor Emérito.


 

 

 

Haroldo de Campos:
poeta crítico, convicto e apaixonado

 

 

Perseguidor de pontos luminosos

Um singular perfil de Haroldo de Campos encontra-se nesta entrevista do poeta feita pela professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e publicada no livro A posse da terra – Escritor brasileiro hoje, de 1985

CREMILDA MEDINA

Poeta crítico, convicto. Aliciante, apaixonado. Fanático?
Haroldo de Campos reage à dúvida levantada. Fanatismo não se coaduna com lucidez, abertura para o mundo, pesquisa permanente de significados. Poeta crítico, está certo. Há realmente o poeta-vate (ingênuo) e o poeta-crítico (douto): ele não se imagina nem de longe na primeira categoria. O que distinguiria, Haroldo, um “douto”? A reflexão. Metafísica, erótica e sobre a evolução da linguagem. A opção da linguagem soa vazia, formalista? De forma alguma, porque não existem formas in-significantes, só significantes.

O desafio está lançado. Conversar com Haroldo de Campos é compulsoriamente viajar pelos significados ou significâncias da arte poética. Se eu jogo um punhado de palavras para o ar e depois as recolho arbitrariamente do chão, não terei feito nada que se compare à invenção poética. (Calou a boca dos acusadores com esta incisiva afirmação em 1980, numa entrevista a Antônio Medina no Jornal da Tarde). Há sempre os que querem reduzir a invenção, ainda mais se ela se propõe como vanguarda, a resultados subalternos no cômputo geral da criação. Meu projeto de intervenção literária está ligado à renovação lingüística. A função mágica de Maiakovski, que escrevera em 1922: “Sem forma revolucionária não há arte revolucionária”. Haroldo, convicto, vai mais fundo na intervenção literária:

Sendo que a poesia não é feita (diretamente) de idéias mas de palavras (estas, sim, portadoras daquelas), ela privilegia o signo na sua existência polivalente, a um só tempo conceito, imagem acústica e visualidade. (Joyce definiu como verbicovisual o verso dinamitado). Esta busca da polivalência, traço coerente da obra do poeta, vem desaguar, no momento, no seu último livro (a publicar), A educação dos cinco sentidos. Na linha de uma proposição do jovem Marx, dos Manuscritos econômicos-filosóficos (1844), segundo a qual “a educação dos cinco sentidos é tarefa de toda a história universal até agora”. À poesia, exatamente, está reservado este papel de ampliar e renovar a sensibilidade, papel que não pode ser negligenciado em sua especificidade e que não se confunde (embora também não o exclua a priori) com o engajamento a nível temático.

Para entrar nesse universo da ampliação e renovação poética seria necessária a erudição, o domínio da História da Arte? Os valores históricos não são absolutos. Eu procuro os punti luminosi. O caminho do poeta é assinalado pela descoberta de outros poetas e da transcrição. Sua obsessão é o eterno fazer. Nem há fronteiras nacionais. Haroldo sabe, como poucos, contra-argumentar o nacionalismo literário: o discurso literário se propõe uma exposição ao que se poderia chamar de língua pura, algo assim como um idioma adâmico; seria como um ponto messiânico para onde convergiriam todas as línguas, independentemente de parentesco e unidas apenas por um telos último – seu modo de intencionar (de extração mallarmeana). Tingida de acentos de hermenêutica bíblica, essa concepção benjaminiana poderia ser repensada em termos de um código intra-e-inter-semiótico, latente na poesia de todas as línguas e exportável de uma a outra, como um sistema geral de formas significantes.

O aliciante professor universitário se justapõe, com seu vocabulário lingüístico e semiológico, quando não filosófico, ao apaixonado e visceral artista. Eu trabalho em concentração e em tensão de linguagem. A voz mais autêntica se solta: considero-me um desespecialista em fragmentos. Haroldo de Campos substitui o argumento douto pela varinha mágica da sensibilidade: tenho uma espécie de faro ecumênico. Em matéria de passado da cultura estou sempre atento (falando de poesia) àquelas obras que respondam, de maneira viva, a uma pergunta extraída de uma circunstância presente. Assim também elege os textos que traduz. A tradução é um diálogo criador, sincrônico. Insiste: o caminho do poeta é pontilhado pela descoberta de outros poetas e da transcrição.

Não é acidentalmente que as traduções de Ezra Pound, Joyce, Brecht, Maiakovski, Mallarmé, Dante ou Goethe marcam, em português, por sua ousadia. O tradutor/transcriador, nesse sentido, é um coreógrafo da dança interna das línguas, valendo o sentido (o assim chamado conteúdo) como bastidor semântico ou cenário pluridesdobrável dessa coreografia móvel de signos. Ao perseguir essa língua universal, Haroldo estaria abandonando a circunstância cultural de ser brasileiro? Apaixonado, outra vez, chama à discussão argumentos críticos e põe a girar os conceitos sobre sua obra. Lida com biografemas mais a multidevoração. O que é biografema? O que pode parecer hermético na poesia nada mais é que a vida transformada em escritura, numa espécie de descoberta epifânica. Fatos que fazem parte do mundo à volta e que, após sua escritura, torna-se impossível dividir o suceder do imaginado. Portanto, o biografema contém, em sua essência, a História, a circunstância de ser brasileiro em relação a outros seres.

A multidevoração nada mais significa que a abertura da cultura brasileira para a leitura múltipla dos dados universais. Nossa cultura híbrida se define justamente por articular com a cultura universal e assim se apresentar como diferente. Veja a própria plasticidade do português do Brasil. Uma língua aberta que não tem preconceitos de usar o “você” com formas oblíquas da segunda pessoa. A nossa vantagem diante da cultura que se desenvolveu na América espanhola é não ser “imperial”. Somos ex-cêntricos, o que nos permite, ao mesmo tempo, a condição de brasileiros, e profundamente voltados para a transculturação.

Fanático em seus pontos de vista? Mais uma vez o ataque e o contra-ataque. Haroldo de Campos defende o direito de argumentação, de trabalho consciente, construído. É curiosa a suspeita que certa crítica levanta contra os poetas-teóricos (declarou ele à Folha de S. Paulo, em 1983), talvez por se ver por eles ameaçada naquilo que considera como um espaço privativo. Como se os poetas, por definição, devessem ser “curatelados”: “bons selvagens”, “incapazes”, eternamente afetados de “menoridade”, cabendo à crítica explicar-lhe o sentido de sua atividade que lhes brotaria com pureza do “coração” e que qualquer exercício de auto-reflexão como que turvaria... Prova de que pensa e repensa a obra, o poeta vai publicar As galáxias, textos-fragmentos que escreve desde 1963 e são o resultado de um projeto épico que se transformou em epifânico. O livro como viagem no tempo e rompendo as artificiais fronteiras entre poesia e prosa. Como teórico, o autor constrói a narração épica, mas que na prática se nega como épica.

Passaram-se 30 anos desde o momento em que eclodiu a poesia concreta. Embora até hoje seja denominada de vanguarda, Haroldo sabe que a perspectiva do tempo traz soluções imprevisíveis, próprias de sua dialética. As galáxias pontilham a evolução do barroquismo, que foi contido pelo construtivismo da poesia concreta, à expansão galática. Nós vivemos de dois ritmos diferentes: o pólo de contensão e o pólo de expansão. Estaria Haroldo agora mais propenso a soltar o segundo pólo? As galáxias o mostrarão. Não que ele renegue os “excessos” da contensão na poesia concreta. Era preciso responder à situação-limite de um certo projeto da poesia ocidental lançado por Mallarmé. O Ocidente logocêntrico foi abalado por Mallarmé e Pound. Nós, aqui no Brasil, respondemos nos anos 50 e a Europa só pensou nisso na década de 60. Veja, por aí, como se pode falar em subdesenvolvimento na literatura? Nós não fomos tímidos ao romper a barreira lógico-discursiva, lançarmo-nos na viagem espacial até o caso-limite. Após, com a reflexão houve um refluxo: ao invés de pensar na poesia concreta, passamos a pensar o concreto na poesia. Nesse sentido, todo o grande poeta é concreto; a materialidade da linguagem, a função poética, de que fala Jakobson, aí estão presentes. Camões é poeta concreto.

Haroldo de Campos viu se sucederem o neoconcretismo com Ferreira Gullar, a poesia práxis com Mário Chamie, a poesia processo e a progressiva diluição do concretismo em muitas vanguardas. Amorteceu a contundência do movimento dos “trigênios vocalistas”, como foram apelidados Haroldo e Augusto de Campos e Décio Pignatari, líderes da poesia concreta nos anos 50. Décio, em um momento dessa contundência, chamou a eles as fúrias: “Calem suas lamúrias pessoais ou demagógicas e tratem de construir poemas à altura dos objetos industriais, racionalmente planejados e produzidos”. Não teria, então, Haroldo, o movimento se acoplado à ideologia de desenvolvimentismo da época? Não, de fato, a poesia concreta partiu de uma reflexão eminentemente literária. Vivíamos o pós-guerra, recebíamos uma informação privilegiada para um país periférico. Enquanto os europeus estavam preocupados, com razão, com a reconstrução, nós aqui, mais disponíveis, trabalhávamos a arte brasileira no seu rumo universal e não meramente epigonal em relação à tradição. Claro, tínhamos certa ambição programática. Ou seja, o poeta brasileiro pode responder à pergunta fundamental da poesia. A poesia concreta não tem nada a ver com a ideologia desenvolvimentista. Niemeyer e Portinari, promovidos, esses sim, pela fase juscelinista, deixaram de ser os artistas que são. No máximo, o que se pode dizer é que Brasília foi uma metáfora epistemológica da capacidade de inovação do artista brasileiro.

Alienação, outra acusação dirigida aos concretistas. Haroldo de Campos tira de letra o golpe. A poesia concreta era, então, a linguagem do futuro, do mundo tecnológico. (Nesse sentido, Brasília foi a utopia realizada de certas propostas da poesia concreta). Mas esse mundo tecnológico não significa desumano. E sempre sobreviveu na cisura entre duas censuras, a do stablishment e a do patrulhamento ideológico. Nunca foi uma poesia sectária, mas a serviço da criação universal. Haroldo lembra que a amizade dos três líderes sempre foi dialógica, porque há profundas diferenças de personalidade e formação nos “trigênios”. Hoje, no momento pós-utópico – nos anos 50 ainda havia a possibilidade da utopia para o mundo –, todas essas reflexões críticas se tornaram como que uma saída. A plasticidade da avaliação é o trunfo que Haroldo guarda contra o rótulo de fanatismo: nunca me senti fanático, porque sempre fui laico, embora respeite o espanto pelo sagrado. Estou sempre apto a exercer a crítica, não a emitir o dogma. Como diz o pintor Picabia, “nós temos a cabeça redonda para poder mudar de idéia”.

O poeta não se incomoda com iras catalisadas. Pelo contrário, explica-as: o seu trabalho propõe uma escolha, uma inserção histórica, reconstruir o passado para certo uso. Não é uma escolha eclética, e sim articulada com uma proposta teórica. Que incomoda. Se não, vejamos. Não é em vão que se opta pela poesia de Oswald em detrimento da de Mário de Andrade. As idéias do grupo cortaram o ambiente literário e foram tão marcantes que, às vezes, ainda são identificados como os novíssimos, 30 anos depois. Haroldo assinala a componente de intervenção polêmica como definitiva. Hoje persiste essa componente nas propostas, continua polêmica, embora a poesia se comporte de forma muito diferente. Mas as grandes questões não foram pacificadas. A essência do movimento não passa de um projeto – dentro da utopia coletiva –, mas sobrevive a coerência na intervenção literária.

Troquemos fanático por teimoso, persistente. Pois não é que com chuva ou trovoada, nada convence o consagrado tradutor, que Haroldo de Campos já demonstrou ser, a pegar numa obra não escolhida por ele. Só traduzo um poeta e um poema que respondam a uma questão pertinente da poesia moderna, que traga um acréscimo de informação original. Não me posiciono como colecionador, mas como transculturador. Não sinto o prazer museológico e sim musical.

Cremilda Medina é professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e dirige a Coordenadoria de Comunicação Social (CCS) da USP. O texto acima foi publicado no livro A posse da terra – Escritor brasileiro hoje, editado em 1985 pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, de Portugal, e Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, páginas 171 a 175

 

 




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