Luís
da Câmara Cascudo, Cascudo, não o escaravelho, nem
o peixe, mas porque seu avô paterno era um dos chefes do Partido
Conservador, que tinha como apelido Partido Cascudo, e para dar
continuidade ao título, se tornou Cascudo. Um polígrafo
que escreveu sob vários gêneros (ensaios, poesias,
romances, reportagens) sobre diversos temas (história, geografia,
política, religião...) a partir da cultura popular
brasileira, mas alçando vôos por temas universais.
Sempre abordando a questão da oralidade, de forma pioneira.
Dos causos extraiu temas complexos. Da temática regional
foi para assunstos mitológicos de diferentes povos da Europa.
Daí, uma obra vasta e original. Entender sua historicidade
é partir para uma reflexão sobre a cultura popular
de hoje. Foi pensando nisso que o historiador e professor da USP
Marcos Silva organizou um dicionário crítico, reunindo
87 verbetes em ordem alfabética do universo cascudiano, comentados
e analisados por especialistas de todo o Brasil.
São
grandes obras e outras de menos fôlego mas também importantes
para se conhecer a fundo a trajetória de Câmara Cascudo.
É um balanço geral de suas obras, segundo o organizador,
incluindo ainda bibliografia (pesquisa realizada também por
Marcos Silva). A idéia do dicionário surgiu em 1998,
época em que se comemorava o centenário do escritor,
que além de sua importância literária tem uma
significação pessoal para o organizador, também
do Rio Grande do Norte, que lê Cascudo desde sua adolescência.
O desafio do especialista era apresentar e comentar determinada
obra de Cascudo, falando de sua atualidade e até do envelhecimento
do seu campo temático. E o desafio do dicionário,
percorrer sua obra.
Na
década de 20 a preocupação com a oralidade
já existia, embora ainda não estivesse clara para
Câmara Cascudo. Em Histórias que o tempo leva... Da
história do Rio Grande do Norte, ele ouve narrativas do pai
e começa a pensar sobre a importância de uma memória
oral. Época também de Alma Patrícia e Joio.
Depois começa seus estudos históricos sobre o século
19, com Conde d’Eu (1933) e O Marquez de Olinda e o seu Tempo
(1938). É ainda no final da década de 30 que define
com maior clareza os estudos populares, lançando Vaqueiros
e Cantadores. Sua obra também perpassa temas políticos
– Cascudo tinha simpatia pela monarquia, mas a partir de 30,
torna-se um integralista, sem ser um militante político –,
religiosos, geografia, biografias. E seu texto traz a linguagem
coloquial do Modernismo (foi amigo pessoal de Mário de Andrade).
Obras-primas
– Câmara Cascudo é um autor que pode ser lido
por pesquisadores de várias áreas, da literatura e
linguística à antropologia, esta última ainda
hoje com grande interesse, por exemplo, por História da Alimentação
no Brasil, da década de 60, em que Cascudo recorre à
bibliografia de viajantes estrangeiros no Brasil do século
19, bem como notas e observações dele próprio,
para escrever uma sociologia da alimentação com base
histórica e etnográfica. Há também outras
obras-primas como Vaqueiros e Cantadores (1937), resultante do trabalho
de observação e registro, durante quinze anos, que
rendeu um extenso documentário de fatos, versos e causos;
Literatura oral (1952), que traz técnicas e fundamentos,
gêneros orais e suas relações, e ainda sua transmissão
e recriação, inclusive dos jogos infantis, parlendas
e adivinhas; e ainda o Dicionário do Folclore Brasileiro
(1956), sua obra mais divulgada e conhecida, considerada uma síntese
do seu trabalho, onde nas suas próprias palavras, “estão
as minhas curiosidades, o segredo, a alegria da minha preferência.”
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Dicionário
Crítico Câmara Cascudo
Editora Perspectiva
352
páginas
R$ 45,00.
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Raridades
e reedições
Sem
dúvida, esse dicionário crítico vai despertar
o leitor para esse pensador da cultura popular brasileira.
Um exemplar raro de O Doutor Barata, de 1938, por exemplo,
só é encontrado nos arquivos do Instituto de
Estudos Brasileiros (IEB) da USP; e Fabulário do Brasil,
no Real Gabinete Português de Literatura no Rio de Janeiro.
Há também títulos nas bibliotecas da
Faculdade de Direito da USP e do Museu Paulista. Atualmente,
a Editora Global detém contrato de republicação
de suas obras, tendo reeditado recentemente Geografia dos
Mitos Brasileiros, Jangada, Rede de Dormir e, no mês
passado, História dos Nossos Gestos. Também
relançou em 2000 o Dicionário do Folclore Brasileiro,
revisto, ilustrado e atualizado sob o comando de Laura Della
Monica, colaboradora de Cascudo de 1951 até a sua morte,
em 1987. |
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