Henrique,
de 3 anos, estende a mão e espera, pacientemente, a sua vez
para segurar uma estrela-do-mar. Atento, ouve as explicações
das monitoras Juliana Borges e Ana Paula Plaza, que vão mostrando
que os seres que vivem pelas praias e no fundo do mar também
são curiosos, simpáticos e bonitos. Atento, Henrique
parece entender tudo direitinho. Observa
o laboratório do Centro de Biologia Marinha (Cebimar) da
USP, onde estão os tanques com o paguro, a ascídia,
o pepino-do-mar, o molusco, a bolacha-da-praia, entre outros animais
e algas. Sorri quando vê as “pontas” da estrelinha
quase vermelha se mexerem. Sabe que está viva. Tão
viva quanto o cachorrinho de sua avó ou o canarinho que canta
na sua varanda.
A alegria
de Henrique é maior do que a que sentiu quando foi ao zoológico.
“Aqui a gente pode pegar tudo na mão”, diz. “É
engraçado ver os espinhos do ouriço-do-mar. Parece
que vão espetar, mas se mexem e não espetam.”
Nesta visita, fez questão de trazer o pai. “Ele e a
irmã Larissa já tinham vindo com a mãe nas
férias, em julho. Falaram tanto que, quando soube que o Cebimar
iria abrir para os visitantes durante a Semana de Arte e Cultura
da USP, decidi ver para crer”, conta o publicitário
Celso Ribeiro da Silva.
Larissa,
que só tem 6 anos, já decidiu. “Vou ser bióloga”,
conta. “Sei todos os nomes dos dinossauros e agora quero conhecer
tudo sobre os animais que vivem no mar.” Diante dessa disposição,
a família não pensa duas vezes em sair de São
Paulo e ir até São Sebastião. “Este trabalho
é muito bonito. E a sua divulgação é
importante porque ensina coisas que passam despercebidas até
para as pessoas que vivem no litoral”, observa o publicitário.
“Como elas, eu também não sabia que as conchas
que são vendidas como decoração não
deveriam ser recolhidas das praias porque servem de casa para outros
bichos e que a bolacha-da-praia não deve ser quebrada porque
a estrela que parece estar presa é a sua boca e ela também
é um ser vivo e precisa se alimentar.”
O aprendizado
dessa e de tantas outras famílias de organismos marinhos
é uma das sementes de um projeto de extensão à
comunidade que a bióloga, pesquisadora e professora Valéria
Flora Hadel vem desenvolvendo. Com a equipe de monitores –
integrada por Ana Paula Plaza, Fabiana Bolsachini Coutinho Leite,
Juliana Ervedeira Borges e Álvaro Augusto Santos Moura –,
ajuda moradores e estudantes de São Sebastião e arredores,
e também de cidades de todo o Estado, a entender a natureza
do mar, a respeitar a sua fauna e flora. “Nós estamos
abrindo o Cebimar para a visitação”, explica
Valéria. “Nossos monitores são estudantes ou
biólogos já formados, que são devidamente treinados
para orientar o público. Na sala de exposição
há tanques de contato em que todos podem conhecer de perto
e manipular seres que nem imaginavam que também respiram
e se alimentam. Com esse programa, nós queremos garantir
a preservação da fauna e da flora marinha e divulgar
o trabalho do biólogo e da USP.”
Formação
de biólogos – Valéria explica que esse projeto
também faz com que a população conheça
as atividades do Cebimar, que é uma das poucas instituições
brasileiras voltadas exclusivamente para o estudo da biologia marinha.
“Através das visitas e também da nossa participação
no Programa USP e as Profissões, apresentamos o papel do
biólogo aos estudantes. São inúmeras as pessoas
que nos procuram, mesmo fora do programa, para uma orientação
sobre o nosso trabalho.”
|
Em
meio à exuberante paisagem do litoral paulista, o Cebimar
ensina crianças e adultos a preservar a natureza: paixão
pela biologia |
Com
esse contato, os visitantes percebem que o biólogo não
é o vilão dos filmes ou o cientista louco, como o
cinema costuma retratar. “O nosso programa de visitas monitoradas
tem atraído pessoas de todas as idades, níveis socioeconômicos
e graus de escolaridade. Isso mostra que o trabalho de um instituto
de pesquisa interessa ao público em geral”, diz Valéria.
A monitora
Fabiana Bolsachini foi uma das estudantes que vieram visitar o Cebimar
e acabou se apaixonando pela biologia. “Gostei
tanto de ver o idealismo das pessoas que trabalham aqui, orientando
a comunidade para ter um novo olhar sobre a natureza, que decidi
seguir a profissão”, conta. Depois de formada, Fabiana
veio morar em São Sebastião. “Hoje, a minha
expectativa é passar o meu entusiasmo para outros estudantes.
É claro que temos nossas dificuldades, como mergulhar em
dias gelados de inverno para observar os experimentos, mas tudo
vale a pena.”
Fabiana
e a equipe de monitores lembram que o dia-a-dia no centro de biologia
exige muita dedicação. Mas sentem-se recompensados
diante da oportunidade de ter o mar como laboratório. Um
laboratório que reserva cenas inesperadas, como ocorreu há
poucos meses, quando presenciaram um bando de 15 baleias orca. “Nós
nem acreditávamos no que estávamos vendo. Pegamos
o barco e fomos observar as baleias com os seus filhotes bem de
perto”, conta Álvaro Augusto.
A rotina
inclui o atendimento sempre especial para a população,
despertando a confiança e o carinho de São Sebastião
e região. “O pessoal chega aqui trazendo os bichos
que aparecem em seus quintais ou que encontram pelo caminho, como
cobra-coral, jararaca, tamanduá, bicho-preguiça e
aves silvestres”, diz Valéria.
Através
do Cebimar, a comunidade busca o conhecimento e a experiência
da USP. “Nós estamos aqui trocando informações
com as diversas ONGs de proteção ao ambiente. Temos
ainda a ajuda do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil na remoção
e transporte dos animais.” De vez em quando, os moradores,
turistas e veranistas recorrem aos biólogos para socorrerem
os pingüins que recolhem nas praias. “Eles chegam aqui
com os bichos em caixas de isopor cheias de gelo. Aí nós
explicamos que essa espécie não vive no gelo e não
pode ser socorrida dessa maneira. Começamos então
a colocar água quente em garrafas, que são envolvidas
em jornais e colocadas debaixo de suas asas. Ficamos vários
dias cuidando deles, até que de repente eles se levantam
e recompensam todos com a sua alegria. Quando vêem pessoas
com calças pretas, saem correndo atrás, talvez imaginando
ser um deles também.”
Os
animais passam por uma triagem, são devolvidos para a natureza
ou encaminhados para uma instituição que se responsabilize
pela sua recuperação. “Nós contamos com
o auxílio dos veterinários da região para a
reabilitação. Depois, eles são devidamente
encaminhados para os órgãos competentes. Por exemplo,
as tartarugas vão para o Projeto Tamar. Os pingüins
são levados para o Aquamundo do Guarujá. Enfim, há
todo um esquema cuidadoso para garantir a sua sobrevivência.”
Uma
referência mundial
A
visita de pesquisadores e estudantes de universidades e instituições
de diversos países faz parte da rotina do Centro de
Biologia Marinha (Cebimar) da USP. “Somos uma referência
no mundo”, orgulha-se Cláudio Gonçalves
Tiago, professor e diretor técnico. “Biólogos
da Europa e dos Estados Unidos ficam sempre surpresos com
os nossos laboratórios e equipamentos, especialmente
com o nosso laboratório de água do mar corrente.
Oferecemos boas condições técnicas para
o desenvolvimento de trabalhos básicos que podem ser
feitos com microscópios.”
Apesar
dessa importância, de reunir estudantes de todo o País
– do Amazonas até o Rio Grande do Sul –
e de ser uma das unidades que se destacam pela produção
científica, o Cebimar é um dos menores institutos
especializados da Universidade. Porém, a equipe de
24 funcionários desdobra-se em múltiplas funções
e, como o próprio Tiago faz questão de destacar,
é muito empenhada. Sob a direção de Eleonora
Trajano, reúne três docentes: Álvaro Esteves
Migotto (vice-diretor), Cláudio Tiago e Valéria
Flora Hadel.
Suas
atividades foram iniciadas na década de 1950, quando
um grupo de professores da USP decidiu, com recursos próprios,
adquirir uma área no município de São
Sebastião, destinada a abrigar uma instituição
de ensino e pesquisa de biologia marinha. Em 14 de fevereiro
de 1955 foi criada a Fundação Instituto de Biologia
Marinha, sob a direção do professor Paulo Sawaya.
Com recursos obtidos da USP, do CNPq, da Fundação
Rockefeller e do governo do Estado, foram implantadas as primeiras
edificações. Em 1958, o professor Paulo Sawaya
doou o terreno onde se localiza o Cebimar à fundação
que passou a ser incorporada pela USP em 1962. Tem cerca de
2.400 metros quadrados de área construída, ocupando
um terreno de 40 mil metros quadrados, com dois acessos ao
mar através das praias do Segredo e do Cabelo Gordo.
O
Cebimar não tem curso regular de graduação,
mas ministra disciplinas de pós-graduação
e optativas de graduação para os cursos de ciências
biológicas, além de inúmeros cursos de
extensão universitária oferecidos periodicamente
desde a época de sua fundação. |
Desconhecidos,
porém simpáticos
O
roteiro para a população saber um pouco mais
sobre o Cebimar, as suas pesquisas e a própria natureza
começa na Praia do Segredo, que tem esse nome porque
do mar não é possível vê-la com
facilidade. Depois, todos os visitantes vão para o
laboratório com os tanques com água do mar corrente
e logo percebem que a proposta é muito diferente de
apreciar um aquário com focas pulando. Vão aprender
sobre alguns ilustres desconhecidos que, muitas vezes, morrem
nas mãos das pessoas, confundidos com plantas e pedras.
Veja
a apresentação dos monitores sobre esses bichos
estranhos, que também gostam de um contato com afeto
e respeito. É uma explicação para leigos,
mas que desperta a simpatia dos visitantes, que fazem questão
de segurá-los na palma da mão.
Paguro
– É um crustáceo parente da lagosta. Ao
contrário do que muita gente pensa, não morde
e não pica. Se ficar estressado de tanto ser manipulado,
dá umas pinçadas que só assustam. Não
moram em casa própria, ou seja, vivem emprestando as
conchas vazias dos moluscos. Alimentam-se de detritos orgânicos.
Pepino-do-mar
– É um animal que vive na areia ou nas pedras.
Alimenta-se de matéria orgânica ou de plâncton
e há alguns que chegam a viver mais de 50 anos. Quando
percebe a presença de um predador, joga fora a água
do corpo e se enfia nas fendas das pedras. Ao ser tocado pelos
visitantes, deixa o corpo todo mole e se finge de morto. No
Oriente, faz parte do cardápio alimentar. Daí
ser muito procurado no litoral brasileiro. Esse comércio
é ilegal e pode levar a espécie à extinção.
Molusco
– Confecciona a concha onde vive, que cresce junto com
ele. Quando morre, a sua concha é ocupada pelo paguro.
Siri e caranguejo – Os dois são crustáceos.
A diferença está na última pata, que,
no siri, é uma nadadeira e, no caranguejo, é
uma pata igual a todas as outras que terminam em garra, permitindo
que ele ande fora da água, ou seja, nas pedras e na
lama.
Bolacha-da-praia
– É um equinoderme que vive no fundo de areia.
Algumas têm umas fendas para deixar a água passar
e assim elas não se quebram.
Ouriço-do-mar
– Também é um equinoderme. Apesar dos
espinhos, não ataca ninguém. É herbívoro
e se alimenta de algas. Quando é retirado da água,
parece ficar todo bagunçado, com os espinhos se mexendo
de um lado para outro. Ficam sempre submersos.
Ascídia-negra
– Parece um pedaço de piche na praia. Mesmo não
tendo olhos e patas, a ascídia tem a notocorda, que
nos humanos deu origem à coluna nervosa dorsal. É
filtradora, possuindo um sifão inalante e outro exalante.
Retém todos os animais dos quais se alimenta.
Anêmona
– É um cnidário com tentáculos
que ficam balançando na água e auxiliam na alimentação.
É muito bonito e tem uma coloração variada
(branca, marrom, vermelha e abóbora, entre outras).
Crinóide
– Tem a aparência de uma planta. É parente
da estrela-do-mar. Fica balançando os braços,
por onde capta os alimentos e os leva até a boca. Ele
também consegue se locomover através dos cirros,
que ajudam a sua fixação no substrato. Pode
ser encontrado nas pedras.
Gorgônia
– É um cnidário, parente da água-viva
e dos corais. Parece uma árvore vermelha mas, na verdade,
é uma colônia de centenas de pequenos animais.
Esponja
– É um animal filtrador que também
forma colônia. Tem o corpo constituído
por espículas calcárias, como se fossem
microalfinetes. Vive nas pedras.
Zoantídeo
– Tem um sistema nervoso interconectado. A
aparência é de um monte de pequenos animais
encostados uns nos outros. Basta tocar um deles para
todos se fecharem. Tem
uma secreção que serve para evitar o
ressecamento pelo vento e sol.
|
|
|
|