Eh,
bien, commençons de nous occuper de la botanique. Iniciou-se
assim a primeira aula de Botânica do curso de Ciências
Naturais da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL)
da USP, em 1935, ainda na sede da Faculdade de Medicina, na avenida
Doutor Arnaldo. O professor Felix Rawitscher, responsável
pela cadeira, desembarcara no Brasil havia poucos meses e mal conseguia
expressar-se em português, tendo ministrado toda a aula na
língua francesa. As notas originais dessa aula, datilografadas
numa daquelas máquinas de escrever manuais, encontram-se
na exposição “Ensino e Pesquisa no Instituto
de Biociências: revisitando 70 anos de história”,
organizada pela historiadora Nelsita Trimer, diretora técnica
da biblioteca do Instituto de Biociências, e pelo professor
Carlos Ribeiro Vilela, responsável pela Comissão Memória
do Departamento de Biologia, com o apoio da organização
BrasilConnects.
Aberta
ao público na sala de leitura da própria biblioteca
no dia 22 de setembro, durante a Semana Temática de Biologia,
a exposição é “o embrião de um
museu histórico”, na concepção de Vilela.
A partir da restauração e preservação
de objetos da época, documentos e antigas fotografias, a
historiadora e o biólogo pretendem reconstituir a história
do Instituto de Biociências. “Queremos resgatar a memória
e as origens do Curso de Ciências Biológicas, que os
próprios alunos desconhecem”, destaca Vilela. “A
maior surpresa é que fizemos algo sem pretensão, era
uma simples atividade da biblioteca”, acrescenta Nelsita.
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Os
objetos expostos na mostra e o histórico palacete da
alameda Glete: trajetória marcada por conquistas científicas |
Foi
na esquina da alameda Glete com a rua Guaianazes, no sótão
de um luxuoso palacete da época áurea dos barões
do café, que em meados de 1938 se instalou a cadeira de Biologia
Geral, sob o comando do professor André Dreyfus. No andar
térreo ficava a de Botânica e no primeiro andar, a
de Zoologia, que em 1939 se ramificou, dando origem à cadeira
de Fisiologia Geral, sob responsabilidade do professor Paulo Sawaya.
No fundo e na lateral do terreno, em construções então
já existentes, ficaram as cadeiras de Geologia e de Paleontologia.
O
palacete Jorge Street, no bairro paulistano de Campos Elíseos,
constituiu a primeira sede do curso de Ciências Naturais,
denominado Ciências Biológicas no começo da
década de 60. “São poucas as pessoas que se
lembram dessa história”, destaca o professor Vilela,
que recompôs esse recorte histórico a partir de uma
pesquisa em processos de venda do imóvel e arquivos pertencentes
à Reitoria da Universidade. De acordo com seu relato, apenas
no final da década de 50 os vários departamentos foram
se transferindo para a Cidade Universitária. “Foi nas
dependências do legendário palacete que as cadeiras
que deram origem aos atuais departamentos do Instituto de Biociências,
criado no final de 1969, se solidificaram como importantes centros,
tanto de geração de conhecimento como de formação
de recursos humanos na área”, escreveu em documento
exposto na mostra. O palacete foi demolido e no local hoje funciona
um estacionamento.
A exposição
não apresenta apenas relatos, mas resquícios materiais
dessa história. Muitos dos objetos expostos estavam condenados
ao esquecimento e tomados pelo mofo nas residências de antigos
catedráticos da faculdade. Uma das máquinas de escrever
utilizada na década de 50 para a datilografia de teses e
trabalhos científicos foi recuperada do lixo por uma funcionária
do instituto e hoje constitui o acervo desse futuro museu. Ao lado
dela, na exposição, encontra-se uma calculadora elétrica
Marchand, que tem tamanho e peso semelhantes a uma máquina
de escrever, e era utilizada na secretaria da então chamada
Seção de Biologia nos anos 50 e 60.
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A
velha calculadora, o modelo em madeira da Drosophila e substâncias
químicas contam a história do Instituto de Biociências
da USP. “Queremos resgatar as origens do Curso de Ciências
Biológicas”, diz Vilela |
O que
era uma sala de leitura transformou-se em um verdadeiro museu, cujo
acervo foi utilizado por diversas gerações. Ali estão
microscópios binoculares e monoculares fabricados na Alemanha
e nos Estados Unidos nas primeiras décadas do século
20 – entre eles o que pertenceu a Felix Rawitscher –
e balanças de metal para pesagem de substâncias químicas,
com seus respectivos pesos prateados. Também
estão expostos outros equipamentos utilizados pelos cientistas,
como um quimógrafo – aparelho para registro de respostas
de contração muscular e batimento cardíaco
em vertebrados e invertebrados –, eletroscópio portátil,
iluminador artesanal para microscópio, micrótomo,
um temporizador GE à corda e um transformador elétrico.
Foi recuperada pela historiadora uma garrafa de éter sulfúrico
pertencente ao Ministério da Guerra, substância utilizada
pelo Departamento de Biologia da década de 40 até
a década de 70.
Muitos
desses equipamentos, substituídos por outros que se encontram
na vanguarda tecnológica, se tornaram verdadeiros artigos
de museu, tais como os diapositivos franceses em vidro antes usados
para projeção em aula e seu respectivo projetor. Mas
isso não significa que todos estejam fadados a permanecer
nas cúpulas de vidro da exposição. Alguns materiais
ainda são utilizados por professores para ilustrar a aula.
Exemplo disso é uma escultura em madeira de fêmea adulta
da mosca Drosophila melanogaster, feita pela alemã Marta
Breuer. Marta mudou-se para o Brasil em 1925 e nove anos depois,
a convite de André Dreyfus, tornou-se técnica de laboratório
da recém-criada FFCL. “Ela tinha grande habilidade
manual, inventividade técnica, acuidade de observação,
dedicação e interesse pela pesquisa, que, aliados
à sensibilidade e à capacidade de reprodução
do observado, em desenho e em pintura, tornaram-na uma técnica
excepcional”, descreve Vilela. “É uma das preciosidades
desse futuro museu.” Vilela é um dos professores que
utilizam a mosca nas suas aulas de genética. “A partir
da observação das estruturas do modelo de madeira
estilizado é mais fácil reconhecê-las no modelo
vivo.” Ainda são usados em aulas os grandes painéis
ilustrativos pintados com guache, mas estes não foram expostos
porque, além de serem muitos, não havia como protegê-los.
A
exposição “Ensino e Pesquisa no Instituto de
Biociências: Revisitando 70 Anos de História”
estará aberta ao público durante os meses de outubro
e novembro, das 8h30 às 21h50, na sala de leitura da biblioteca
do Instituto de Biociências da USP (rua do Matão, 303,
Cidade Universitária). Mais informações podem
ser obtidas com Nelsita pelo telefone 3091-7514.
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