Quando
os cientistas mencionam a possibilidade de transferir genes de bactérias
para culturas de soja, milho ou quaisquer outros, transformando-as
em transgênicas, a reação mais comum dos leigos
é um arrepio de medo, porque bactéria costuma vir
associada a doenças. Mas essa crença não tem
fundamento. Das bactérias existentes no mundo apenas 3% são
patogênicas; todas as outras são benéficas ao
homem, aos outros animais e às plantas. Fixam oxigênio
nas folhas, limpam águas poluídas, processam a digestão.
O sistema digestivo do homem possui milhões de bactérias
e sem elas a vida seria impossível. Claro que são
apenas as bactérias benéficas que a biotecnologia
usa no processo de transgenia, daí a ausência total
de risco para o consumidor. Há muitos anos, milhões
de pessoas se alimentam de transgênicos e não existe
registro de um só caso de doença provocada por eles.
Todos
os pesquisadores sabem disso e o professor Ernesto Paterniani, titular
de Genética da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz,
da USP em Piracicaba, levará esse item, e outros mais, para
o Seminário Internacional Transgênicos no Brasil, que
a Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária
promove de 27 a 29 (segunda a quarta-feira), no Anfiteatro Camargo
Guarnieri, Cidade Universitária. Participam
também da organização a Academia Brasileira
de Ciências e o International Life Sciences Institute (veja
o programa do seminário abaixo).
O pró-reitor
Adilson Avansi de Abreu justifica a iniciativa, informando que a
sua Pró-Reitoria possui uma Comissão de Estudos de
Problemas Ambientais (Cepa), integrada por pesquisadores de várias
unidades que pesquisam o tema habitualmente; outra razão
é que uma das funções do órgão
é levantar subsídios para a formulação
de políticas públicas para o País.
O papel
da ciência — De acordo com o professor Paterniani, os
transgênicos são conseqüência natural da
genética. E a genética moderna nasceu no início
do século 20, quando os cientistas tomaram conhecimento das
leis sobre herança genética formuladas pouco antes
por Gregor Mendel (1822-1884). No tempo de Mendel, a sociedade ainda
não estava preparada para entendê-lo e continuar suas
experiências, que fez com ervilhas. Mas o grande salto foi
dado 50 anos depois, com a descoberta da estrutura do DNA e o código
genético. O interessante nisso tudo, observa o professor
da Esalq, é que o código genético é
comum a todos os seres vivos, quer sejam animais (homens, insetos)
ou vegetais. Depois se descobriu a técnica de transferência
do gene de um organismo para outro, constatando-se que, por ser
universal o código genético, as características
de cada organismo se mantinham as mesmas depois da transferência.
Assim, quando se deseja introduzir em uma cultura qualquer uma característica
especial, por exemplo a resistência a pragas, transfere-se
para a planta o gene de uma bactéria (benéfica) que
possui essa resistência. É assim que o milho, a soja,
o feijão e outras culturas modificadas geneticamente ficam
livres de vários tipos de pragas e dispensam agrotóxicos.
Na definição do professor Franco Lajolo, farmacêutico-bioquímico
e professor titular do Departamento de Alimentos e Nutrição
Experimental da Faculdade de Ciências Farmacêuticas
da USP, “plantas transgênicas são aquelas que
tiveram introduzido entre seus genes um novo gene ou fragmento de
DNA, pelo processo do DNA recombinante ou engenharia genética”.
Lajolo acaba de lançar o livro Transgênicos, bases
científicas da sua segurança (editado pela SBAN —
Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição110
páginas), em parceria com a professora Marília Regini
Nutti, da Unicamp.
Paterniani
diz que os cientistas não são loucos de usar bactérias
patogênicas e garante que os produtos geneticamente modificados
são avaliados com muito maior rigor do que os encontrados
em supermercados. É certo também que muita coisa que
se compra rotineiramente é produto transgênico sem
que os consumidores saibam. Um dos primeiros a ser fabricado com
essa tecnologia é o queijo. Para se obter o coalho, primeira
etapa do queijo, usa-se a enzima quimosina, que anteriormente se
obtinha do estômago de bezerros. Oitenta por cento dos queijos
resultam desse processo.
Tanto
Paterniani como Lajolo e Avansi são favoráveis à
liberação dos produtos modificados geneticamente.
Lajolo espera que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva
assine logo a Lei da Biogenética e abra o jogo. Para ele
e para Avansi, trata-se de uma questão irreversível
e a própria Europa, que vinha tratando o assunto com muita
cautela, já o aceita, exigindo sempre a rotulagem. Sobre
a posição do presidente da República, Paterniani
diz que Lula aprende rápido: inicialmente era contra os transgênicos
por ideologia, mas está mudando de posição
graças a vários de seus ministros, que se convenceram
de que os transgênicos são benéficos ao homem
e aumentam a competitividade agrícola do Brasil. Os riscos
não passam de hipóteses jamais confirmadas. Quanto
à oposição, o pesquisador da Esalq observa
que é em geral composta por leigos — advogados, artistas,
músicos — que, ajudados por uma imprensa também
desinformada e sensacionalista, acabam colocando boa parte da opinião
pública contra a liberação do plantio e comercialização
desse tipo de produto. “Durante a vida toda fui pesquisador
de genética”, diz Paterniani. “Acredito na ciência
e fico com ela”.
Sobre
a possibilidade de reações alérgicas devidas
à utilização de produtos geneticamente modificados,
um dos aspectos mais importantes relativos à sua segurança,
o professor J. E. Dutra de Oliveira, da Faculdade de Medicina da
USP em Ribeirão Preto, afirma no prefácio ao livro
de Lajolo e Marília que, em setembro de 2002, a Sociedade
de Toxologia, organismo internacional, publicou documento em que
garante que os alimentos transgênicos “são substancialmente
equivalentes aos alimentos convencionais”.
O pró-reitor
de Cultura e Extensão Universitária cita alguns dados
sobre os transgênicos no mundo. Em 2002, havia 59 milhões
de hectares ocupados com culturas do tipo transgênico, dos
quais 99% concentrados em apenas quatro países — 76%
nos Estados Unidos, 23% na Argentina, 6% no Canadá e 4% na
China. Três espécies de cereais concentravam 95% de
toda a terra cultivada: soja (62%), milho (21%) e algodão.
Miguel
Glugoski
Os
efeitos da nova tecnologia
A
seguir, trecho do livro Transgênicos – Bases científicas
da sua segurança, de Franco Maria Lajolo e Marília
Regini Nutti, publicado neste ano pela Sociedade Brasileira
de Alimentação e Nutrição.
Como
já se mencionou, quando se faz a modificação
genética não se pode saber de antemão
em que local do cromossomo o DNA transferido irá localizar-se.
Ele pode inserir-se no meio de um gene ou de seus elementos
reguladores ou gerar a inserção de fragmentos
menores de DNA em alguma região. Devido
a essa inserção ao acaso, podem ocorrer efeitos
não-intencionais, causados por alterações
no genoma receptor, como ativação de alguns
genes ou silenciamento de outros. Isso resulta numa expressão
maior ou menor de enzimas e, em conseqüência, em
alterações nos teores de certos componentes
do metabolismo, ou seja, na introdução de características
não-previstas.
Efeitos
não-intencionais são alterações
que podem aparecer em vários níveis, como, por
exemplo, na morfologia da planta e do tecido, caso em que
são facilmente detectáveis nas etapas do processo
de desenvolvimento da nova planta. Mas podem ocorrer, também,
no metabolismo e na composição química,
sendo necessária uma análise laboratorial elaborada
para a sua detecção.
Esses
efeitos podem, em alguns casos, ser previstos, mas outras
vezes não, existindo a possibilidade de que, devido
à influência do meio ambiente sobre a expressão
gênica, apareçam apenas na fase de cultivo no
campo. É o caso dos glicoalcalóides da batata,
que têm seu teor aumentado na seca, e da lignina da
soja, cujo teor aumenta com o calor. |
Alimentos,
ciência e saúde
Inscrição
no seminário sobre transgênicos no Brasil e informações
sobre taxas devem ser buscadas no site www.usp.br/prc.
Abertura
Sessões com apresentações de
até 30 minutos com tradução simultânea,
seguidas de debate aberto ao público. Cada expositor
deverá enviar previamente um sumário da sua
apresentação. Todos os trabalhos (power point,
transcrições de gravações e textos)
deverão ser publicados, mediante autorização
dos seus autores pela Universidade de São Paulo.
Programa
27
de Outubro
8h30
- 9h30
Sessão de Abertura
9h45 -12h30
Biotecnologia: evolução, riscos e benefícios
Ernesto Paterniani - Esalq/USP
Marie-Anne Van Sluys - IB/USP
Silvia Maria Francisco Cozzolino - FCF/USP
Francisco José Lima Aragão – Cenargen/Embrapa
12h30 - 14h
Almoço
14h30 - 18h30
Segurança dos alimentos transgênicos para a saúde
Ad Peijneiburg - Rerikelt Institute of Food Safety/WUR Holanda
Franco Lajolo - FCF/USP
J.Thomas - MAFF-UK
Jason Hlywka - Cantox Health Science International
28
de outubro
8h30 - 12h30
Transgênicos: aspectos ambientais e econômicos
Clive James - ISAAA Inter Service for the Acquisition of Agribiotechnology
Aplications
Helaine Carrer - Esalq/USP
João Gomes Martines Filho - Esalq/USP
Rubens Onofre Nodari - Ministério do Meio Ambiente
Antônio Vargas de Oliveira Figueira - Cena/USP
14h30 - 18h30
Transgênicos no Brasil: aspectos regulatórios
Ivan Wedekin - Ministério
da Agricultura
João Paulo Capobianco - Ministério do Meio Ambiente
Jorge Guimarães - Ministério
da Ciência e Tecnologia
Maria José A. Moraes
Sampaio - Embrapa
Ricardo Oliva – Anvisa
Newton Silveira - FD/USP
19h30
Apresendação da Orquestra Sinfônica da
USP
29
de Outubro
8h30
- 12h
As Academias de Ciência e os Transgênicos
Third World Academy of Science
National Academy of Sciences - USA
Academia de Ciencias de Méjico
Academia
Brasileira de Ciências
12h15
- 13h
Sessão de Encerramento
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