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Vargaftig:
novas ferramentas |
Rubio: grande revolução |
Hockett:
terapias individuais |
A
1st São Paulo Research Conference, sobre medicina molecular,
realizada nos dias 14 e 15 de novembro no Hotel Intercontinental,
em São Paulo, foi uma ocasião inédita para
médicos, biólogos, técnicos, cientistas, doutorandos
e pós-doutorandos adquirirem conhecimentos essenciais sobre
o que vem sendo desenvolvido na área de biologia celular
e molecular.
Com
a presença de conferencistas de renome internacional, esses
conhecimentos foram aplicados à cardiologia, à imunologia,
à oncologia, à neurologia e às tecnologias
de transplante celular, bem como a aspectos laboratoriais e a diagnóstico
molecular e novos medicamentos. Segundo o professor Marco Antonio
Zago, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP,
os palestrantes escolhidos trouxeram apresentações
muito relevantes para a área. “De um modo geral as
apresentações foram extremamente sólidas e
atuais do ponto de vista científico. O evento procurou ter
a doença como modelo, direcionando a discussão para
os mecanismos básicos moleculares, como a lesão imunológica,
a regeneração de células do sistema nervoso
e o uso de células para promover a regeneração.”
A promoção do encontro foi da Pró-Reitoria
de Pesquisa da USP.
No
início da conferência, o médico espanhol Vicente
Rubio abordou a diferença entre medicina molecular e medicina
clássica geral. Para ele, a diferença básica
é que já se sabe muito sobre macromoléculas
e proteínas de DNA, o que permite tentar bloquear, de forma
racional, a produção dos sintomas e, portanto, fabricar
fármacos que interfiram no processo da doença. “Foi
a partir da pesquisa molecular que passamos a conhecer todos os
genes que existem no genoma e, conseqüentemente, tratamos de
identificar quais deles são suscetíveis de interferir
na capacidade de desenvolver a doença”, ressaltou Rubio.
“Com a medicina molecular passamos a desenvolver doenças
humanas em camundongos e produzir neles as alterações
gênicas de determinada doença. Com isso, temos um modelo
vivo para estudar tratamentos possíveis. A grande revolução
é que antes éramos apenas observadores, agora, a partir
dessa medicina, também criamos modelos experimentais de doenças.”
Um
exemplo concreto aprendido com os genes no interior da célula,
segundo Rubio, é que hoje os cientistas sabem bloquear a
substância TNF, que causa a artrite reumatóide e a
psoríase (enfermidade da pele), e desenvolver inibidores
que se unem a essa substância e evitam que ela reproduza suas
ações, causando a doença. “A Aids representou
a primeira geração de antiretrovirais, de que derivou
o conhecimento de uma proteína do vírus, a protease
viral. Essa proteína serve para fabricar o vírus.
É possível, hoje, fabricar inibidores de protease
que têm salvado a vida de muitos pacientes que eram resistentes
às drogas contra a Aids da primeira geração”,
disse o médico espanhol.
Um
dos idealizadores do evento, professor Boris Vargaftig, do Instituto
de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, afirma que a medicina
molecular não é sinônimo de desenvolvimento
lógico da medicina dos séculos passados, e sim que
ela evolui de uma medicina de paciente para uma medicina de tecidos,
medicina de células, medicina subcelular e agora medicina
molecular. “É um conceito atualmente aplicado a toda
medicina. Não existe medicina que não seja molecular.
O que ela traz de novo é baseado nas tecnologias que derivaram
da genética. Essas técnicas permitem uma outra abordagem
das moléstias, compreendida a partir dos mecanismos íntimos,
e ao compreendermos esses mecanismos conseguimos outras ferramentas
de intervenção.”
O professor
deixa claro que essa não é apenas uma perspectiva
teórica, só de futuro. “Existem inúmeros
outros fatores importantes. Por exemplo, a eritropoetina, substância
utilizada em pacientes com anemia severa e que a partir do seu uso
fez diminuir o número de transfusões de sangue. Outra
substância de grande relevância obtida a partir da biologia
molecular é o interferon. Atualmente existem 250 mil pacientes
no mundo todo com esclerose nas placas coronárias, que estão
sendo tratados com essa substância.”
Alzheimer
e câncer de mama – O neurologista espanhol José
Javier Lucas discutiu como se dá a alteração
molecular encontrada na doença de Alzheimer e quais seriam
as bases moleculares desse processo. “Mostrei que a partir
de duas alterações protéicas, a prodeína
de amilóide e a proteína TAU – ambas ocorrem
na doença –, há um depósito no sistema
nervoso central dessas proteínas alteradas. Procuramos descobrir
qual de fato seria a responsável pela doença. O que
se demonstrou é que as duas provocam um certo encadeamento,
sendo que uma se altera e provoca uma resposta celular, que finalmente
altera a seguinte e leva ao depósito desta outra. Como conseqüência,
foi identificado o mecanismo central representado pela alteração
de um gene, provocada pela primeira proteína que faz o depósito.
Daí temos um primeiro passo para um mecanismo que pode ser
atacado no sentido de tentar tratar a doença”, ponderou
o médico.
“Abordagens
terapêuticas da esclerose em placas e da encefalite experimental
auto-imune”, palestra ministrada por Carolina Whitacre, da
Universidade do Estado de Ohio, nos Estados Unidos, demonstrou,
a partir de suas pesquisas com um modelo experimental – um
animal com esclerose múltipla –, o quanto é
possível provocar reações no mecanismo imunológico
e, dessa forma, diminuir as manifestações da doença.
Atualmente Carolina e sua equipe investigam uma abordagem experimental
visando a um futuro tratamento.
Depois
do intervalo da manhã de sexta-feira, Michel Revel, do Instituto
Weizmann, de Israel, apresentou palestra em que demonstrou que a
substância interleucina 6 pode ser importante para a regeneração
e multiplicação de células do sistema nervoso
central e, portanto, contribuir para o tratamento de problemas que
envolvem a destruição de células do sistema
nervoso, como as doenças degenerativas. Já em fase
de testes pré-clínicos, o cientista chegou a essa
conclusão a partir de modelos experimentais em que células
neurológicas, quando tratadas com interleucina 6, têm
um desenvolvimento intenso.
O pesquisador
Richard Hockett, da multinacional farmacêutica Eli Lilly Corporate
Center, uma das apoiadoras do evento, falou sobre o uso de biomarcadores
para prever a suscetibilidade de doenças e antecipar o tratamento.
A partir de um certo número de moléstias, é
possível identificar o indivíduo com mais suscetibilidade
a desenvolver determinada doença, disse. Por exemplo, o câncer
de pulmão tem como sua principal causa o cigarro, mas, entre
todos os indivíduos que fumam, provavelmente alguns vão
desenvolver o câncer e outros não. “É
possível que existam genes que tenham variantes e, dependendo
da variante, se o indivíduo fuma, ele tem mais chance de
desenvolver a doença do que o que não tem a variante.
Isso se aplica para um grande número de doenças”,
explicou Hockett.
Um
outro aspecto importante analisado por Hockett foi a questão
do tratamento. Pacientes com uma doença que parece homogênea,
usando o mesmo medicamento, respondem satisfatoriamente ao tratamento,
mas outros não. Isso ocorre porque pode existir no indivíduo
uma variante que favorece ou não a resposta ao tratamento.
Hockett explicou: “Por exemplo, as mulheres com câncer
de mama, que é uma alteração na célula
carcinomatosa, em alguns casos têm múltiplas cópias
de um determinado gene e outras vezes não têm. Quando
existem essas múltiplas cópias, as células
respondem muito bem ao tratamento com determinado anticorpo. Quando
elas não existem, não há resposta. Com um teste
que identifique quem possui determinado gene, é possível
definir qual paciente pode utilizar o tratamento e qual não
pode. É como fazer uma terapia sob medida para os indivíduos.
Pessoas que têm a mesma doença não têm
obrigatoriamente que passar pelo mesmo tratamento. Vai chegar um
momento em que, a partir da análise do genoma, será
possível dizer se tal tratamento é bom ou não
para determinada pessoa”.
A conferência
abordou ainda a aplicação da medicina molecular na
oncologia. Foi feita uma descrição de como ocorre
o processo da gênese de leucemia, que é razoavelmente
bem conhecido. “Essa pesquisa descreve modelos experimentais
em animais que permitem reproduzir diferentes formas de leucemia
que ocorre em seres humanos. O importante desse processo é
que ele permite identificar os mecanismos responsáveis pela
doença. Isso serve não só para comparação,
mas também para um tratamento específico molecular
básico”, explicou o professor Eduardo Rego, da Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto da USP e do Centro de Terapia
Celular de Ribeirão Preto.
O brasileiro
Sergio Lima, pesquisador do Mount Sinai Hospital, em Nova York,
apresentou um modelo do sarcoma de Kaposi, reproduzido em camundongos
para utilização do segmento do gene alterado. Ele
mostrou como os genes se relacionam com as quimiocinas que estão
envolvidas no processo de angiogênese (processo de formação
de vasos).
Para
falar sobre o modelo de sinalização celular, o professor
Francisco Rafael Martins Laurindo, do Instituto do Coração
(Incor) da Faculdade de Medicina da USP, apresentou uma pesquisa
que aponta para uma série de elementos que participam do
remodelamento do vaso após a lesão.
Uma
célula precisa constantemente processar sinais, seja do ambiente,
iônicos, químicos ou mecânicos, para transformá-los
em sinais bioquímicos. Um dos principais elementos que integram
esse processamento de sinais são as reações
redox – reações de transferência de elétrons
que se caracterizam por transmitir não apenas elétrons,
mas também elementos independentes, os radicais livres, com
os quais é possível saber se uma célula está
viva ou morta, se vai proliferar ou se vai migrar.
“Temos
dados recentes que controlam o calibre de um vaso após a
lesão. Usamos uma lesão por cateter balão,
ou seja, um modelo clássico de lesão. No nosso modelo,
mostramos que os processos redox controlam principalmente uma enzima
específica denominada superoxidesmutase, ou SOD. A atividade
da SOD é fundamental para determinar o calibre do vaso após
a lesão por cateter balão”, explicou Laurindo.
Em
sua palestra, Laurindo disse que o que se sabe hoje sobre os processos
de oxirredução é que eles se caracterizam por
serem reações de transferência de elétrons
mediadas por radicais livres e metais de transição,
que estão em equilíbrio com enzimas anti-oxidantes.
“Esses processos são importantes para indicar uma série
de elementos que participam do remodelamento do vaso. Podemos dizer
que a aplicabilidade clínica é poder saber do calibre
do vaso. Com isso sabemos que o crescimento de um tecido, denominado
camada neointimal, está sob o controle desses processos redox
e, portanto, podemos entender como eles se formam e agem sobre os
vasos.”
Essa
pesquisa mostra ainda que, ao compreender o processo que ocorre
numa célula que sofre uma lesão, é possível
modular o calibre do vaso. Potencialmente isso pode ter uma aplicação
terapêutica clínica. “Ainda não podemos
dizer que é a cura do infarto porque é exigir demais
de um único processo que acontece na célula. Uma célula
é muito complexa. O que realmente temos é uma situação
em que o vaso estreitaria num ritmo menor e, com isso, a partir
de outras intervenções, conseguiríamos controlar
esse estreitamento, evitando o infarto.”
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