Quando
você se deparar com a Caixa Modernista, sentirá exatamente
a expectativa que uma caixa propõe. Irá primeiro observar
os losangos coloridos que a enfeitam. Dentro dela, uma outra caixa.
Mesmo apressado e curioso, sentirá que deve ser aberta com
cuidado. Apreciando a expectativa de um sonho. E o impacto de uma
obra de arte.
A Caixa
Modernista – definida por seu idealizador, professor Jorge
Schwartz, como “um museu portátil” – é
uma edição primorosa da Edidora da USP (Edusp), Imprensa
Oficial do Estado e Editora da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG). Através dela, é possível conhecer a
Semana de Arte Moderna exatamente como tudo aconteceu. Reúne
Paulicéia desvairada, de Mário de Andrade, na edição
de 1922, pela Casa Mayença, que inaugurou a poesia moderna
no Brasil. E Pau Brasil, de Oswald de Andrade, publicado pela editora
francesa Au Sans Pareil, em 1925. Além dessas edições
fac-similares, a caixa tem outros preciosos documentos, como o programa
da Semana de Arte Moderna, datilografado em azul e resgatado pelo
professor Carlos Augusto Calil no acervo de Paulo Prado, e o programa
do dia 15 de fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São
Paulo. Há também o convite e catálogo da exposição
de Tarsila do Amaral, de 7 a 25 de junho de 1926, na galeria Percier,
em Paris, que traz poemas de Blaise Cendras, em francês, e
encarte com a tradução dos poemas para o português.
Outra
preciosidade é a cópia integral do exemplar número
1 da Revista de Antropofagia (maio de 1928). Na capa, o artigo de
Antônio de Alcântara Machado: “Nós éramos
xifópagos. Quási chegamos a ser deródimos.
Hoje somos antropófagos. E foi assim que chegamos à
perfeição...”. Nessa página, o recado
de Mário de Andrade com o seu poema Manhã: “O
jardim estava em rosa, ao pé do Sol/ E o ventinho de mato
que viera do Jaraguá/ Deixando por tudo uma presença
de água/ Banzava gosado na manhã praceana...”
Cartões
postais – Importantes ainda, os cartões postais que
revelam detalhes das artes plásticas, arquitetura e cinema
na Semana de Arte Moderna. É possível, por exemplo,
observar A negra (1923), de Tarsila do Amaral e uma amostra da seqüência
de estudos em nanquim e aquarela. “Nós procuramos documentar
o quadro nas cores exatas”, conta o organizador Jorge Schwartz,
que é professor do Departamento de Letras Modernas da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. “A
equipe da Edusp foi tão cuidadosa que comparou as provas
do cartão postal com a obra que pertence à coleção
do Museu de Arte Contemporânea da USP.”
Essa
mesma preocupação se repetiu com as obras de Victor
Brecheret, Anita Malfatti, Cícero Dias, Vicente do Rego Monteiro,
Di Cavalcanti, John Graz e Lasar Segall. Também em forma
de postais, fotografias do Grupo da Semana de 22, da visita do futurista
italiano Filippo Marinetti a uma favela do Rio de Janeiro, em 1926,
e da Casa Modernista do arquiteto Gregori Warchavchik, na rua Itápolis,
em São Paulo. Curioso ainda ver a reprodução
das capas dos livros Cobra Norato, de Raul Bopp, Martim Cererê
e Vamos caçar papagaios, de Cassiano Ricardo, Jogos pueris,
de Ronald Carvalho, História do Brasil, de Murilo Mendes,
e O homem e a morte, de Menotti Del Picchia.
|
Schwartz
e a caixa com 30 itens relacionados
ao modernismo no Brasil, incluindo edição
fac-similar de Paulicéia desvairada, de
Mário de Andrade: rigor e sensibilidade |
Jorge
Schwartz aliou a sensibilidade à didática para reviver
a Semana de Arte Moderna com toda a sua proposta multidisciplinar.
Foi nesse tom que realizou à parte um outro projeto. Com
a produção de José Miguel Wisnik e Cacá
Machado, a Caixa Modernista traz um CD que reúne obras de
Heitor Villa-Lobos, Ernesto Nazareth, Darius Milhaud, Anacleto de
Medeiros, Lamartine Babo e Camargo Guarnieri. Entre as cinco composições
de Villa-Lobos, há a desconhecida Melodia da montanha, encontrada
por Wisnik em um livro do compositor editado pelo Instituto Interamericano
de Musicologia e Boletim Latino-Americano de Música, em 1946.
Obra
de arte – Com todo esse apuro, a edição é
muito mais do que um museu portátil. Capaz de fazer o público
reviver e sentir todo o clima da Semana de Arte Moderna. Com o projeto
visual de César Hirata, transformou-se em uma obra de arte.
Fechada,
a caixa esconde um enigma. Aberta, em formato tríptico, se
multiplica pelos objetos que contém. “Como escolher
esses objetos?”, questiona Schwartz. “Sabe-se que toda
escolha supõe uma perda, mas também o ganho de novos
sentidos que são dados pela contigüidade dos objetos
postos em circulação.”
O organizador
conta que a seleção dos 30 itens que compõem
a Caixa Modernista resultou de muitos anos de pesquisa. “A
obrigação da escolha conduziu minha fantasia aos processos
seletivos dos gabinetes de curiosidades renascentistas, à
taxionomia dos museus e à própria tradição
das caixas como pequenas obras de arte: das pioneiras boîtes-en-valise
criadas por Marcel Duchamp à box art de Joseph Comell.”
A proposta de Schwartz submeteu-se a um período circunscrito:
a década que tem como núcleo a Semana de 22, culminando
com a eclosão da Antropofagia. “Espero ter conseguido
oferecer a todos uma síntese caleidoscópica de nossas
vanguardas históricas.”
Caixa
Modernista, organizado por Jorge Schwartz, Edusp, UFMG e Imprensa
Oficial do Estado, R$ 150,00.
|