Uma
missão de fé e vida. Uma história de amor,
garra e ações concretas. Assim é a trajetória
da médica pediatra e sanitarista Zilda Arns, narrada em seu
livro autobiográfico Zilda Arns Neumann – Ela criou
uma rede de solidariedade que salva milhares de crianças
brasileiras, coleção Depoimentos Brasileiros, da Editora
Leitura, que foi lançado no dia 25 de novembro, durante o
2o Congresso Brasileiro do Voluntariado, em São Paulo.
Dona
de uma sinceridade surpreendente e inspirada em sua mãe,
Helena, agente comunitária, Zilda conta no livro como foi
sua vida desde a infância, na cidade de Forquilhinha, em Santa
Catarina, até a criação, em 1983, da Pastoral
da Criança, uma organização que surpreende
os mais experientes da área econômica e da saúde,
pois consegue resultados concretos investindo seus modestos recursos
financeiros no combate à mortalidade infantil.
A Pastoral
da Criança é uma das mais importantes organizações
comunitárias do mundo com atuação internacional.
Transfere tecnologia e estímulo a países com experiências
semelhantes à brasileira. No Brasil, a rede está presente
em 3.616 municípios, cuida de 1,6 milhão de crianças
e quase 80 mil gestantes, através de uma rede de 218 mil
voluntários.
Segundo
Zilda – que em 2000 foi contemplada com o Prêmio USP
de Direitos Humanos –, é impossível discursar
sobre cidadania ou desenvolvimento econômico se não
for valorizado o potencial das relações humanas. Ela
alerta também para a necessidade de políticas públicas
que estimulem a parceria entre governo, empresários e sociedade
civil na resolução dos problemas de exclusão
social.
O objetivo
da coleção Depoimentos Brasileiros, segundo o editor
Carlos Figueiredo, é mostrar um Brasil possível, além
das grandes dificuldades que a maioria das pessoas gosta de enaltecer,
e apresentar exemplos para o País. “A experiência
de Zilda Arns é muito abrangente. A Pastoral consegue atuar
nos grotões do Brasil atendendo populações
sem assistência do Estado, a um custo de R$ 1,18 por criança
ao mês, e conseguiu reduzir a mortalidade infantil a níveis
impressionantes nos locais onde atua”, ressalta. Dados do
IBGE mostram que, para cada mil crianças brasileiras nascidas
vivas, morrem 29,6. Em 2002, nas comunidades acompanhadas pela Pastoral,
esse índice ficou em 14.
Saber
e solidariedade – Tudo começou em 1982, numa reunião
sobre a paz mundial, da Organização das Nações
Unidas (ONU). O então diretor-executivo do Unicef, James
Grant, convenceu o irmão de Zilda Arns, d. Paulo Evaristo
Arns, cardeal-arcebispo de São Paulo na época, de
que a Igreja poderia ajudar a salvar a vida de milhares de crianças
que morriam pela desidratação se ensinasse às
mães a preparar o soro oral.
Durante
muitos anos, Zilda prestou serviços na Pediatria do Hospital
de Criança Cezar Pernetta, em Curitiba (PR), como médica.
Depois foi diretora de postos de saúde das periferias de
Curitiba e mais tarde dirigiu a assistência materno-infantil
do Paraná. Essas experiências fizeram a médica
refletir sobre a metodologia que deveria ser adotada para fazer
com que cada mãe aprendesse coisas simples, que prevenissem
a morte e fossem importantes para o desenvolvimento de seus filhos.
Ela
conta que tinha certeza de que não existia nada que promovesse
mais a inclusão social do que a democracia do saber e da
solidariedade. “Perguntava-me: como líderes analfabetos
poderiam ser estimulados a multiplicar o saber? Eu tinha certeza
de que reduziria a mortalidade infantil, a desnutrição
e a violência familiar com a educação das mães
e das famílias”, diz.
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A
médica Zilda Arns, Prêmio USP de Direitos Humanos
de 2000, em diferentes momentos de sua trajetória de
solidariedade e amor ao próximo (ao lado e acima):
medidas simples e muita garra para resolver graves problemas
sociais |
Sempre
que tem de tratar de políticas públicas para crianças
e adolescentes com lideranças políticas, Zilda recomenda
a implementação da “educação integral”.
“Sai muito mais barato do que cuidar da violência e
da criminalidade, sem contar que evita o terrível sofrimento
da criança, da família e da sociedade causado por
esses males.” A médica acredita que quanto mais participação
houver, mais a promoção humana estará garantida.
Ela diz que foi na Faculdade de Saúde Pública da USP
que aprendeu a fazer o que chama de “educação
participativa”.
A primeira
experiência piloto da Pastoral da Criança aconteceu
em Florestópolis, no Paraná, onde o índice
de mortalidade infantil era altíssimo. Ali, a Pastoral conseguiu
baixar de 127 para 28 mortes por mil crianças nascidas vivas.
Cada criança e cada gestante eram acompanhadas e, sempre
que necessário, encaminhada para o serviço de saúde.
Para
capacitar líderes da comunidade, a médica diz que
se baseou na leitura da distribuição de pães
e peixes narrada no Evangelho de São João. “Planejei
que cada líder comunitária capacitada iria multiplicar
o seu saber por 10 a 20 famílias, e assim esses líderes
cada vez aprenderiam mais. A mística cristã era o
motor que impulsionava o trabalho”, reflete a médica.
Para
levar a Pastoral da Criança para os outros cantos do Brasil,
Zilda Arns encontrou muitos obstáculos e críticas,
inclusive por parte da Igreja. Ela conta que algumas pessoas achavam
que pesar as crianças e ensinar às mães como
fazer soro caseiro era papel do governo. “Estamos fazendo
a multiplicação do conhecimento, promovendo a autonomia
na prevenção das doenças, transformando líderes
comunitárias em agentes de transformação.”
Para
alguns, a Pastoral é um serviço assistencialista,
porque ensina ao povo iniciativas corriqueiras, como preparar soro
caseiro, em vez de exigir que o governo cuide do saneamento básico
e do emprego. “Mas, até isso acontecer, quantas crianças
morrem, quantas delas são empurradas para a rua?”,
questiona Zilda.
O trabalho
da Pastoral baseia-se em cinco ações: saúde
da gestante, aleitamento materno, soro caseiro, vigilância
nutricional e vacinação. Como pediatra e sanitarista
experiente, Zilda considera imprescindíveis as atividades
realizadas pelas líderes comunitárias na própria
comunidade, porque o importante não é só assistir
as crianças, mas fazer com que as famílias se sintam
estimuladas a cuidar melhor de seus filhos e se mobilizem para recuperar
os desnutridos. Para Zilda, mesmo um líder analfabeto é
capaz de uma atuação extraordinária em favor
da sua comunidade.
Simplicidade
e praticidade – Zilda marca sua trajetória pela simplicidade
e praticidade. Em 1988, por exemplo, quando foi à Diocese
de Caicó, no Rio Grande do Norte, para visitar comunidades
e reunir-se com os líderes locais, procurou a região
mais pobre. Lá foi a médica para Catrocé, hoje
conhecida como Alto da Bela Vista, no município de Equador.
Na época o lugar era cheio de lixo, com uma grande área
de prostituição. Zilda quis visitar as prostitutas.
Viviam ali cerca de 50 crianças em estado lastimável,
nariz escorrendo, barriga grande, cheia de vermes, descalças
e com feridas. A médica se reuniu com 50 mulheres. Ao invés
de começar a dar a palestra, perguntou se elas gostariam
de organizar um projeto de geração de renda para a
comunidade. As mulheres acharam a idéia excelente e contaram
que teciam redes. Meses depois foram instalados os teares.
Em
dezembro de 2000, Zilda voltou a Natal para receber o título
de Cidadã Honorária. “A comunidade de Catrocé
estava irreconhecível. Foram construídas casas populares.
Tudo estava melhor. As crianças já eram mocinhos e
mocinhas, lindos, felizes e estudando. Tocaram flautas e estavam
formando uma orquestra completa para atender a todos os pedidos
de apresentação da comunidade. As mulheres desenvolveram
a tecelagem de redes lindíssimas e, quando fui visitá-las
outra vez, estavam tecendo as redes e colorindo os fios”,
conta a médica.
Para
Zilda, a experiência da Pastoral da Criança demonstra
que “a solução dos problemas sociais depende
da valorização do tecido social, do potencial de cada
pessoa e de políticas públicas para os mais necessitados”.
É uma tarefa que deve ser compartilhada entre governo, empresários
e sociedade civil, opina. “As parcerias entre eles são
de fundamental importância na busca da realização
de um trabalho eficaz que realmente chegue às famílias
e às comunidades.”
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Zilda
Arns Neumann - Ela criou uma rede de solidariedade que
salvou centenas de crianças brasileiras
coleção Depoimentos Brasileiros
Editora Leitura (telefone 31 3371-4902)
152 páginas |
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