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Engenho São Jorge dos Erasmos, localizado no sopé do Morro da Caneleira, no município de Santos – antiga Capitania de São Vicente –, foi um dos primeiros engenhos construídos no litoral brasileiro e um dos pioneiros a alavancar a produção e exportação de açúcar. Hoje uma ruína de grande valor histórico, cinco séculos depois de sua construção será erguida em seu entorno uma base avançada de pesquisa da USP, onde funcionará um auditório e um espaço para exposições. Essa proposta foi lançada no dia 2 de dezembro, durante cerimônia de apresentação do projeto arquitetônico desenvolvido pelo arquiteto Júlio Roberto Katinsky, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP e membro do conselho curador do engenho.

Realizado ao lado das ruínas centenárias, o evento contou com a presença do reitor Adolpho José Melfi, do pró-reitor de Cultura e Extensão Universitária, Adilson Avansi de Abreu, do vice-prefeito de Santos, João Paulo Tavares Papa, e da presidente do conselho curador, professora Maria Cecília França Lourenço, entre outras autoridades. Sob a regência de Benito Juarez, o Coral da USP (Coralusp) entoou o Hino Nacional e canções de Chico Buarque de Holanda, Tom Jobim e Vinícius de Moraes, enchendo de melodia a mata atlântica que circunda o terreno do engenho.

Embora o que se encontra no local sejam apenas tímidos remanescentes arquitetônicos de modelo açoriano de um dos primeiros centros de produção econômica do Brasil, trata-se de um sítio arqueológico de importância internacional, tombado pelas três instâncias governamentais (municipal, estadual e federal). Devido a essa importância, a USP – através da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária – traçou um projeto de ocupação educacional e científica como forma de revitalização das ruínas.

Melfi e Papa observam projeto da base avançada: sonho dos santistas

A base avançada será mais uma unidade da USP e fará parte das comemorações dos 70 anos da Universidade, que serão completados no dia 25 de janeiro de 2004. “A finalidade é utilizar este patrimônio como um espaço para um centro de lazer ambiental e cultural, encontros científicos, palestras, seminários, pesquisas e formação na área de atuação da USP, incluindo uma biblioteca sobre o engenho, sobre a cidade de Santos e temas paralelos”, ressalta Avansi de Abreu. A verba para a construção da base deverá vir de instituições externas. A Prefeitura de Santos apoiou a iniciativa com a doação de um terreno de 3 mil metros quadrados no entorno da ruína.

O projeto arquitetônico da base avançada terá 600 metros quadrados de área construída. Segundo Katinsky, ela contará com um pequeno edifício com paredes externas de vidro, para facilitar a entrada de luz, como forma de incorporar o prédio às ruínas, contribuindo para realçar o conjunto arquitetônico. “Os dados recolhidos durante esses 50 anos sobre a história do Engenho São Jorge dos Erasmos sugerem que ele é um dos primeiros engenhos construídos na América. Por isso o novo edifício tem a intenção de proteger a ruína e servir de ponto de apoio para as pesquisas que a universidade brasileira, em particular a paulista, tem que fazer na Baixada Santista”, afirma Katinsky. Ainda não há prazo previsto para o início das atividades no engenho.

História local – Para o vice-prefeito de Santos, João Paulo Tavares Papa, que representou o prefeito Paulo Mansur no evento, a base avançada vem confirmar o momento importante que a Baixada Santista vive. “Com a ampliação da segunda pista da Rodovia Imigrantes, a ligação com a cidade de São Paulo ficou mais fácil. Por isso está ocorrendo uma grande retomada do desenvolvimento na área da construção civil, gerando novos negócios”, disse Papa. “Neste momento positivo que a cidade vive, a possibilidade de termos uma base avançada da USP com cursos de extensão e atividades culturais acaba se tornando um grande marco desse processo de revitalização econômica.”

De acordo com projeto concebido pelo professor Júlio Katinsky,
ao lado do Engenho São Jorge dos Erasmos
será construído um pequeno edifício,
que sediará atividades de extensão e protegerá as ruínas:
mais lazer, cultura e educação para a região

Papa diz ainda que ver a USP fincar estacas de uma base avançada na Baixada Santista sempre foi um sonho antigo do município. “Contar com a atuação de pesquisadores uspianos, com suas experiências, será mais uma forma de alavancar o processo de desenvolvimento da cidade. Por isso a administração municipal se encontra aberta para que essa parceria se consolide da melhor forma possível. Esperamos que nossas relações não terminem por aqui e que esta base seja a semente da implantação de cursos regulares.”

O reitor Adolpho José Melfi destacou que o espaço não contará com cursos de especialização e graduação, mas sim com atividades de extensão – educacionais, culturais e de lazer. “Atualmente não temos possibilidades de oferecer cursos de graduação conforme pede o prefeito de Santos, porque duas frentes muito importantes estão ocupando muito de nossas energias: o campus da zona leste de São Paulo e o campus II de São Carlos”, justificou. Avansi acrescentou que serão levadas para a base santista atividades desenvolvidas em outros espaços da Universidade, como o Centro Universitário Maria Antonia e a Estação Ciência.

Com a ajuda de dois educadores para orientar as visitas monitoradas, a professora Maria Cecília França Lourenço pretende iniciar o trabalho na base avançada assim que a construção estiver concluída. “Já contamos com uma experiência bem-sucedida de visitação, que é uma parceria com a escola de primeiro grau Gracinda Maria Ferreira. Queremos agora povoar este espaço com informações, dados e fotos, e assim resgatar a história do local.”

A professora, uma das grandes incentivadoras da construção da base avançada, diz que o local foi pensado para ser um espaço onde os brasileiros possam se espelhar e ver o que deu certo e o que não deu. “O conflito, a intolerância com as diferenças e o interesse econômico deixam as coisas virarem ruínas. Não queremos isso para o futuro do País”, explica.

 

O Coral da USP se apresenta em meio à mata atlântica
que circunda as ruínas centenárias:
a presença da USP na Baixada Santista

 

 

Um engenho à base de energia hidráulica

Por volta do ano de 1516, o cultivo da cana para a fabricação do açúcar estava no auge na Europa. Por isso o rei de Portugal, D. Manuel, procurou introduzir esse tipo de cultivo e a tecnologia da fabricação do açúcar no Brasil. A expedição de Martim Afonso de Souza, que em 22 de janeiro de 1532 fundou a vila de São Vicente – a primeira cidade do Brasil –, pode ser considerada o ponto de partida para a indústria açucareira no Brasil. Segundo citação do padre Simão de Vasconcelos, a Capitania de São Vicente “foi a primeira que teve plantas de cana-de-açúcar”. Ainda de acordo com Vasconcelos, “foi na Vila de São Vicente onde se fabricou o primeiro açúcar no Brasil”.

Segundo registro do monge beneditino Frei Gaspar Madre de Deus, no século 18, o Engenho de São Jorge dos Erasmos estaria entre os primeiros engenhos de açúcar. “Consta, por duas escrituras lavradas em Lisboa e registradas no Cartório da Fazendo Real de São Paulo, que Martim Afonso de Sousa e Pedro Lopes de Sousa celebraram contrato de sociedade com João Veniste, Francisco Lobo e o piloto-mor Vicente Gonçalves, para efeito de levantarem dois engenhos nas Capitanias destes donatários, obrigando-se eles a darem as terras para isso necessárias (...). Consta mais expressamente que Martim Afonso satisfez à condição, assinando as terras do Engenho de São Jorge, situado na Ilha de São Vicente.”

Martim Afonso de Souza, donatário da Capitania de São Vicente, considerado pioneiro na colonização do Brasil, foi também o pioneiro na produção regular de açúcar no Brasil. Ele foi responsável pelo lançamento das bases da ocupação da região, criando uma infra-estrutura que permitiu a fixação dos portugueses no território. Além de doar sesmarias e construir fortalezas, introduziu o cultivo da cana-de-açúcar na capitania, levando à construção do engenho.

O Engenho dos Erasmos recebeu o nome de Engenho do Governador e foi construído por Martin Afonso de Souza por volta de 1534. A escolha do terreno deu-se em função de dois importantes fatores: além de não pertencer a ninguém, próximo a ele passava um riacho, que facilitava o transporte da cana e do açúcar e permitia o funcionamento do engenho à base de energia hidráulica. Na plataforma foram construídos muros de arrimo, em posição de domínio sobre a paisagem, de forma que
o engenho fosse protegido dos ataques dos índios pelo Morro da Nova Cintra, na retaguarda.

Seis anos depois passou a se chamar “dos Erasmos” por ter sido adquirido pela família Schetz, de Antuérpia. Segundo carta de descendentes de Erasmus Schetz, em 16 de março de 1603, “o senhor Erasmus Schetz, cavalheiro, senhor de Grobbendonk, falecido em 1550, adquiriu em cerca dos anos 1540 determinadas terras e um engenho na Ilha do Brasil, Capitania de São Vicente. Além disto, um certo número de escravos e habitações. Costumava tirar disso, todos os anos, uma determinada quantia de arrobas de açúcar. E (o engenho) era chamado aí o ‘engenho dos Erasmos ou dos esquetes’”.

O Engenho dos Erasmos tornou-se propriedade dos Schetz por intermédio do flamengo Johan Van Hielst ou João Veniste, que, desempenhando a função de representante comercial da família, contraiu sociedade com Martim Afonso, Pero Lopes de Souza, Francisco Lobo e Vicente Gonçalves em 1533. Nessa época o governador da capitania objetivava arrecadar recursos para levantar o engenho, que seria construído no ano seguinte.

Originários da Franconia ou Aachen, atual área de fronteira entre Holanda, Bélgica e Alemanha, os Schetz iniciaram suas atividades comerciais por volta de 1500, com a iniciativa do patriarca Coenraedt Schetz, pai de Erasmus, conhecido por imprimir sua marca em diversos produtos de forte penetração no mercado europeu e por ter ligações de caráter comercial com italianos, holandeses, franceses, portugueses e alemães, além da Companhia de Jesus. Erasmus Schetz era dono de uma empresa em Leipzig. Seus negócios na Alemanha envolviam uma casa bancária, seguros marítimos e minas de cobre e prata. Em seguida, suas atividades comerciais estenderam-se até Antuérpia, Bruxelas e Amsterdã.

O apogeu do Engenho São Jorge dos Erasmos foi sob a direção dos Schetz, quando produzia cana para exportação, rapadura e aguardente para consumo interno. Os documentos da época colonial registram que esses negociantes flamengos fizeram várias tentativas de vender sua propriedade no Brasil entre 1593 e 1612.

Em 1943, as ruínas ganharam novo proprietário, Otávio Ribeiro de Araújo. Após lotear a propriedade, em 1958 ele doou o Engenho São Jorge dos Erasmos à então chamada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Hoje o imóvel é um bem da USP, ficando a cargo da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária propor políticas de uso qualificado.

Foi o arquiteto Luís Saia, chefe do 4º Distrito da Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, órgão federal, quem realizou a prospecção da ruína e definiu que o engenho apresentava um modelo arquitetônico “açoriano, tipo real e movido a água”. Esse engenho, segundo o pró-reitor de Cultura e Extensão Universitária da USP, Adilson Avansi de Abreu, representa o processo de expansão do capitalismo mundial, que está na base do processo de mundialização. “Temos aqui um patrimônio da humanidade e particularmente um patrimônio nacional, porque a partir desta fortificação é que se iniciaram os trabalhos de expansão para o interior do Estado, subida da serra e conseqüente implantação da cidade de São Paulo.”

 

 

 

 




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