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O campus da USP em São Paulo, hoje: ensino e
pesquisa a serviço do desenvolvimento do Brasil

No dia 18 de fevereiro de 2000, em cerimônia no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo, o então governador Mário Covas fez o anúncio oficial de uma das maiores façanhas da história da ciência brasileira – o mapeamento completo do genoma da bactéria Xylella fastidiosa, causadora da “praga do amarelinho”, uma doença que ataca os laranjais e causa prejuízos milionários às lavouras paulistas. O mapeamento da bactéria colocou o Brasil entre as “potências biológicas” do planeta – como destacou o jornal francês Le Figaro – e capacitou pelo menos duas centenas de cientistas numa área considerada estratégica no século 21.

Essa conquista científica foi como que um coroamento da trajetória da USP, que teve pesquisadores de nove unidades envolvidos no projeto financiado pela Fapesp. Ela revelou também uma característica marcante da Universidade desde seus primórdios – a abertura para o futuro e a preocupação com os destinos do Brasil. Assim como o mapeamento do genoma da Xylella deu novas perspectivas para a ciência e a sociedade brasileiras, a própria criação da USP, em 1934, ocorreu com a intenção de inovar, desenvolver e preparar a nação para os desafios à sua frente.

Foi com esse objetivo que os fundadores da USP se empenharam para concretizar o projeto de uma universidade. Derrotado no conflito que opôs o Estado ao governo federal – a chamada Revolução Constitucionalista de 1932 –, São Paulo buscou modernizar a sociedade através do conhecimento científico, daí o lema que até hoje estampa os documentos oficiais da USP: Scientia vinces (“Pela ciência vencerás”, em latim).

Em 1933, o então interventor de São Paulo Armando de Salles Oliveira – um dos líderes do movimento constitucionalista, indicado para o cargo naquele ano pelo presidente Getúlio Vargas – nomeou uma comissão de notáveis para elaborar o decreto de criação de uma instituição de ensino superior. Faziam parte desse grupo o jornalista Júlio de Mesquita Filho, do jornal O Estado de S. Paulo, e os professores André Dreyfus, da Faculdade de Medicina, e Vicente Rao, da Faculdade de Direito. No dia 25 de janeiro de 1934, o interventor finalmente assinava o Decreto Estadual 6.283, dando origem à Universidade de São Paulo (USP). O decreto justificava o ato afirmando que “a organização e o desenvolvimento da cultura filosófica, científica, literária e artística constituem as bases em que se assentam a liberdade e a grandeza de um povo” e lembrava ainda que “somente por seus institutos de investigação científica de altos estudos, de cultura livre, desinteressada, pode uma nação moderna adquirir a consciência de si mesma, de seus recursos, de seus destinos”.

Faculdade de Direito, de 1827:
uma das unidades fundadoras da USP

Missões estrangeiras – O decreto de criação da USP assinalava que a nova instituição seria formada por faculdades já existentes, mas até então independentes umas das outras, e por uma escola ainda a ser formada. Aquelas faculdades eram, por exemplo, a Faculdade de Direito, fundada em 1827, a Escola Politécnica, de 1893, e a Faculdade de Medicina, de 1912. A nova escola receberia o nome de Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras.

Criada para fortalecer o caráter interdisciplinar da Universidade, a Faculdade de Filosofia – como ficou conhecida – abrigava várias “seções”. Na área de ciências, por exemplo, havia as seções de Ciências Naturais, Ciências Químicas, Ciências Físicas, Geografia e História e Ciências Sociais e Políticas. “Como uma universidade em miniatura, ela (a Faculdade de Filosofia) sozinha povoou o ambiente com nomes notórios em todas as áreas do saber e provocou um surto cultural sem paralelos na história intelectual do País”, escreveu o sociólogo Florestan Fernandes – ele mesmo um dos frutos mais célebres da instituição – no livro A questão da USP, de 1984.

Os “nomes notórios” a que Florestan se refere dizem respeito às chamadas “missões estrangeiras” de professores, contratados na Europa para ministrar ensino na recém-fundada Universidade. Não havia, no Brasil dos anos 30, recursos humanos suficientes para lecionar numa faculdade com cursos tão especializados e variados. Os docentes europeus que vieram ensinar na USP eram já famosos ou ser tornariam, mais tarde, referências mundiais em suas áreas. Entre eles estavam os franceses Jean Maugüe, Pierre Monbeig, Fernand Braudel e Claude Lévy-Strauss, os italianos Gleb Wataghin, Giuseppe Ungaretti e Giuseppe Occhialini e os alemães Heinrich Rheinboldt e Heinrich Hauptman. Foram esses cientistas que ensinaram o rigor científico às primeiras gerações de pesquisadores brasileiros e permitiram o florescimento da ciência brasileira (leia na página ao lado mais informações sobre a Faculdade de Filosofia).

Patinho Feio – Depois desse início impulsionado pelas missões estrangeiras, o ensino e a pesquisa na USP só fizeram crescer, em todas as áreas do conhecimento. Ao mesmo tempo em que formou recursos humanos qualificados para a nação, a USP obteve ao longo das décadas conquistas científicas notáveis. Mário Schenberg e César Lattes, que atuaram no Instituto de Física da USP, foram responsáveis por trabalhos de repercussão internacional. Schenberg, falecido em 1993, se dedicou a estudar os neutrinos, uma das partículas elementares da matéria, e Lattes descobriu o méson pi, outra partícula atômica. O médico Euryclides de Jesus Zerbini, da Faculdade de Medicina, realizou o primeiro transplante de coração da América Latina, em 1968. Florestan Fernandes, ao lado de Roger Bastide, concebeu uma nova forma de fazer sociologia, que aponta as contradições e as mazelas da sociedade brasileira. O primeiro computador brasileiro, o Patinho Feio, foi construído na Escola Politécnica, em 1972 (leia mais sobre a história da pesquisa na USP nas páginas 9, 10 e 11).

A missão francesa que lecionou na USP no anos 30: pioneirismo

Nos anos 60 e 70, a USP enfrentou talvez o seu período mais difícil. Com o Ato Institucional número 5, baixado em dezembro de 1968, a Universidade teve vários de seus mestres cassados pelo regime militar. Um deles foi o professor Helio Lourenço de Oliveira, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, que, como vice-reitor, ocupava a Reitoria no lugar do titular, professor Luís Antonio da Gama e Silva. Este se licenciara do cargo para ser ministro da Justiça do governo Costa e Silva.

Nos seis meses e meio em que ocupou a Reitoria, Oliveira fez mais do que protestar contra a perseguição a cientistas renomados e manter a autonomia da Universidade diante de contingências políticas. Ele também liderou a reforma universitária, aprovada pelo Conselho Universitário no mesmo dia em que foi anunciada a sua própria cassação, 28 de abril de 1969.

Com a reforma, a USP se modernizou, preparando-se para o futuro. Em lugar do regime de cátedras, foram implantados os departamentos – uma exigência da legislação federal de então para o ensino superior. A Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, que passou a se chamar Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, se desmembrou, dando origem a outras faculdades e institutos. As antigas seções de Ciências Químicas e Ciências Físicas, por exemplo, se tornaram unidades autônomas, com os nomes de Instituto de Química e Instituto de Física. Antes espalhadas pela cidade, a partir do início dos anos 70 as várias unidades da USP em São Paulo foram reunidas, na sua maior parte, na Cidade Universitária (leia mais sobre a ocupação da Cidade Universitária na página 20).

Hoje a USP conta com 36 unidades de ensino e pesquisa distribuídas em seis campi, localizados em São Paulo, Bauru, Piracicaba, Pirassununga, Ribeirão Preto e São Carlos. Com quase 5 mil professores, 15 mil funcionários e mais de 70 mil alunos (42,5 mil de graduação, 23,7 mil de pós-graduação e 6,6 mil de especialização), ela é responsável por 30% de toda a produção científica do Brasil. Como ocorre desde sua fundação, está à disposição do País para ajudá-lo a enfrentar os desafios do futuro.

Protesto de estudantes contra a ditadura militar, na Faculdade de Direito (acima), e visita do general Emílio Garrastazzu Médici à Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (ao lado): tempos difíceis
 




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