Exatamente
há 20 anos, em janeiro de 1984, um jovem chamado Steve Jobs
apresentou aos acionistas da Apple Computer, nos Estados Unidos,
um pequeno computador Macintosh. O modelo, que tinha 128K de memória
RAM, praticamente inaugurou a era dos computadores pessoais, apresentando
inovações como mouse e ícones na tela. “Um
Mac se ligava ao outro em rede com dois ou três comandos.
E ninguém fora técnicos sabia o que era uma rede”,
escreveu para o site No Mínimo o jornalista Pedro Doria.
“Nestas últimas duas décadas, tanto se espalharam
os computadores pessoais gráficos – e tanto eles se
ligaram à rede – que fez-se a globalização.”
A idéia
da construção de uma rede de computadores para troca
de informações já tinha pelo menos outras duas
décadas de idade: surgiu na Advanced Research Projects Agency
(Arpa) do Departamento de Defesa americano em 1962. Além
de permitir o trabalho cooperativo em grupos geograficamente distantes,
a preocupação para os militares americanos, naqueles
anos de auge da Guerra Fria, era ter uma rede de telecomunicações
que não possuísse uma central e que não pudesse
ser destruída por nenhum ataque localizado. O sucesso da
chamada Arpanet deu origem à CSnet, uma rede que interligou
todos os departamentos de Ciência da Computação
dos Estados Unidos.
Sem
imagem – Em meados dos anos 80, havia mais de 105 diferentes
redes espalhadas pelo planeta, como Decnet, Hepnet e Janet. Foi
com uma delas, a Bitnet, que se fez em 1988 a primeira conexão
brasileira. O Laboratório Nacional de Computação
Científica da Universidade Federal do Rio de Janeiro estabeleceu
uma ligação de 9.600 bps com a Universidade de Maryland
(EUA). Essa conexão não evoluiu e anos depois acabou
desativada. Por isso, o marco da entrada do Brasil nas redes mundiais
é a linha de 4.800 bps entre a Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)
e o Laboratório de Física de Altas Energias (Fermilab),
de Chicago (EUA), no final de 1988. A USP e outras instituições
foram se conectando a ela. A iniciativa do projeto coube ao professor
Oscar Sala, à época presidente do Conselho Superior
da Fapesp (leia texto abaixo).
Usar
a rede era uma tarefa bem diferente do que é hoje –
estamos falando da era pré-navegadores como Netscape e Internet
Explorer, que só surgiriam cerca de cinco anos depois. “A
rede nessa época é sinônimo de correio eletrônico”,
resume Demi Getschko, engenheiro com graduação, mestrado
e doutorado na Escola Politécnica da USP e que então
trabalhava na Fapesp. “Era muito econômica, não
tinha imagem, não tinha gráfico, não tinha
html. Era texto puro e listas de discussão.” Diretor
de Tecnologia do grupo O Estado de S. Paulo, Getschko diz que os
atuais usuários não têm idéia do trabalho
que dava garimpar uma informação, pois não
havia ferramentas de busca. Além disso, seu caráter
era marcadamente acadêmico e científico, bem diferente
do perfil “pop” de nossos dias. “A rede era do
pessoal que entendia de computação, porque era quem
sabia como explorá-la.”
Morro
abaixo – A eficiência da Bitnet deixava muito a desejar.
“A interface de e-mail era indescritível, péssima”,
relata Imre Simon, professor do Instituto de Matemática e
Estatística da USP. Simon conta que organizou uma conferência
internacional em 1992 e boa parte dos contatos que a prepararam,
em 1990 e 1991, foi feita por correio eletrônico. “Nesse
período era tão horroroso aqui na USP que eu escrevi
um programa na minha casa e fazia os e-mails a partir do meu computador.
Não dá para comparar com a situação
de hoje.” O professor Geraldo Lino de Campos, diretor do Centro
de Computação Eletrônica (CCE) da USP até
1988, revela que certa vez esteve na Fapesp para conversar sobre
esses problemas. “Reclamei asperamente: como vocês ligam
com a Bitnet e não com a Internet? Eu não quero mandar
correio eletrônico, quero baixar arquivos.”
Campos
diz que posteriormente veio a saber que “aquela conversa teve
muita influência e acabou empurrando o pessoal a se ligar
mais cedo com a Internet”. A necessidade de melhores conexões
era também uma demanda de pesquisadores que voltavam do exterior
e que pressionavam por condições mais favoráveis
de se manter em contato com os centros e com os profissionais que
haviam conhecido.
Não
demorou para que a Fapesp viabilizasse o link com a Internet. No
início de 1991, o primeiro pacote que usava o protocolo TCP/IP
passou pela mesma linha que rodava a Bitnet. No ano seguinte, a
realização da Eco 92 no Rio de Janeiro obrigou a fundação
a fazer um upgrade em suas conexões para dar suporte à
confebência. “A partir daí a coisa é morro
abaixo”, diz Demi Getschko. À frente da Comissão
Central de Informática (CCI) da USP no período crucial
de explosão da Internet, entre 1994 e 97, coube ao professor
Imre Simon dirigir o amplo projeto de fazer com que a Universidade
entrasse na nova era. “Levamos um ponto de fibra ótica
a cada um dos 500 prédios da USP. Em segundo lugar, colocamos
os mais modernos roteadores e chaves”, conta. “Com isso
ganhamos uma rede de primeira qualidade.” Nessa
época também foi criado o USPonline – hoje integrado
à Coordenadoria de Comunicação Social (CCS)
da USP –, um dos atuais campeões de acesso no mundo
acadêmico de todo o planeta.
Embora
seja coisa de apenas uma década, parece inimaginável
o tempo em que alguns poucos terminais eram utilizados para que
as também poucas pessoas habilitadas operassem uma Internet
sem navegadores e imagens. Hoje são quase 30 mil os microcomputadores
na USP que dão acesso à rede. “A Internet e
os serviços nela disponíveis se tornaram cruciais
para as universidades, provavelmente muito mais do que alunos e
professores possam pensar”, diz o professor Paulo César
Masiero, presidente da CCI desde o final de 1998. “Cada vez
mais, o ensino será apoiado pelas tecnologias de informação,
por exemplo, em ensino a distância com apoio de software gerenciador
de cursos ou aulas e materiais didáticos armazenados em servidores
centrais, que podem ser acessados pelos alunos sob demanda”,
exemplifica.
A revolução
da informática segue acelerada. O professor Imre Simon se
considera privilegiado por participar dela nas últimas quatro
décadas. “Trabalhei com o primeiro computador científico
que chegou no Estado, em 1962. Ele tinha 12 mil bytes de memória,
e a agenda eletrônica que tenho no meu bolso hoje tem 2 milhões.
É uma coisa fantástica. Ver algo assim tão
do começo é provavelmente inacessível para
outras gerações. Tive essa sorte, o que é realmente
muito gratificante.”
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48
anos de
pioneirismo |
Físico
com amplo trânsito no meio acadêmico internacional,
Oscar Sala já em meados dos anos 80 enxergava a importância
das conexões em rede. “Seu papel foi fundamental.
De alguma forma foi o patrono de tudo isso”, afirma
Demi Getschko. Nascido
na Itália em março de 1922, Oscar Sala entrou
na Escola Politécnica em 1938. Desde cedo trabalhou
em importantes centros de pesquisa no mundo todo e liderou
no Brasil o projeto e a construção de equipamentos
que só os países desenvolvidos possuíam.
Um deles é o acelerador de partículas Van der
Graff, da década de 50.
Os
48 anos de trabalho na USP só foram interrompidos,
em 1991, à força de um derrame. “Eu costumo
dizer que o Oscar casou primeiro com a física, e desde
91 comigo”, comenta sua esposa, Rosa, que não
aparenta seus 84 anos de idade. Sobre a implantação
da Internet, em entrevista que concedeu ao Jornal da USP,
o professor atribuiu o mérito à Fapesp: “A
Fapesp é uma instituição fantástica,
e tudo o que temos de desenvolvimento científico se
deve a ela”. A conexão com o Fermilab, recorde-se,
originou-se dos contatos de Sala com o laboratório
de Chicago.
Entre
outros títulos e cargos, Oscar Sala presidiu, nos anos
de chumbo do AI-5, a Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência (SBPC), da qual é presidente de honra
até hoje, e por doze anos foi presidente do Conselho
Diretob da Fapesp. O Instituto de Física da USP homenageou-o
batizando com seu nome o edifício que abriga o acelerador
de partículas Pelletron – outro projeto no qual
Sala se envolveu diretamente nos anos 70.
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