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Cientistas do exterior em reunião de trabalho na USP: excelência da pesquisa brasileira é responsável pela imagem favorável do Brasil nos Estados Unidos e Europa

A USP e o Brasil criam, lapidam e difundem conhecimento científico sem perder de vista a necessidade de aprender mais sobre si. Erram. Acertam. São agentes dessa dinâmica, dessa tensão. Nesse sentido, a percepção de quem vem de fora pode ser valiosa na construção da auto-imagem da pesquisa nacional. Isso fica ainda mais latente nos dias que correm por conta da vertiginosa rapidez de contatos entre pesquisadores de países diferentes, facilitada por recursos tecnológicos que podem permitir a elaboração de uma tese conjunta, em tempo real, via Internet – mesmo que um dos protagonistas do estudo esteja do outro lado do oceano.

Para o professor da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, Samir Bishara, especialista em tratamento ortodôntico, os estrangeiros não são mais “catequizadores” da ciência quando aterrissam em solo alheio. Há 35 anos naquela universidade americana, Bishara assegura que a “pérola” que torna mais rico o conhecimento é justamente a inter-relação com outros povos. “O Brasil, por exemplo, pode ainda estar em processo de desenvolvimento econômico, mas já é rico em produção de ciência e conhecimento.”

Nesse sentido, o professor de Semiótica e doutor em filosofia pela Universidade de Paris, a Sorbonne, Nelson Brissac Peixoto, costuma dizer que “o indivíduo contemporâneo é, em primeiro lugar, um passageiro metropolitano: em permanente movimento, cada vez para mais longe, cada vez mais rápido”. Não é, portanto, de causar estranhamento que o “discurso do outro” influencie tanto. Nem sempre, contudo, essa interação foi bem-vinda.

O historiador Raymundo Campos conta que, para evitar o assédio europeu sobre o rico território brasileiro, Portugal se achou no direito de barrar, de forma oficial, a vinda de estrangeiros até a colônia. Só com a chegada da Corte Portuguesa, já no começo do século 19, o quadro foi revertido. Na prática, ainda que de forma empírica, começava ali uma longa história de acolhimento de outras culturas, em curso até hoje. O processo talhou a silhueta do país-continente – multirracial, multicultural, multirreligiosa... Fato que, em diversos movimentos sociais, já chegou a despertar tanto a ira de nacionalistas, que preferiam o Bracil “autêntico”, quanto os devaneios de cosmopolitas, que acreditaram no conto/mazela que rascunhava o tal “país do futuro” no imaginário coletivo.

O Brasil de hoje é, portanto, resultado dessa mistura ora débil, ora orquestrada, mas sempre intensa, num caldeirão de influências e etnias, paixões e conveniências, oportunidades e oportunismos. Porque, como atestam historiadores, é desse embaralhar de idéias (inatas ou não) que forjou-se o país diverso e completo que desponta como promessa (de novo) para o mundo ocidental.

É o que pensa também o geneticista da Universidade de Minneapolis, nos Estados Unidos, Robert J. Gorlin. Ele conheceu o Brasil na década de 90 pela lente do médico brasileiro e pesquisador da USP Antônio Richieri Costa – um dos expoentes da genética clínica, com publicações em dismorfologia, audição e linguagem. Gorlin fez cerca de dez viagens ao Brasil, todas com destino à cidade de Bauru (SP). Ele garante que Bauru é seu exemplo maior de um “centro memorável”, visto e referenciado por ele e seus pares sempre que o assunto é sindromologia associada a anomalias craniofaciais. A referência diz respeito ao Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da USP, o Centrinho, instituição com mais de 60 mil pacientes cadastrados – um significativo número que possibilita a realização de pesquisas e avaliações aprofundadas sobre as áreas de atendimento.

“Penso sobre quantas síndromes nós descobrimos e descrevemos e que, sem dúvida, têm ajudado outros pesquisadores em suas investigações”, ressalta. As lembranças de Gorlin sobre o Brasil não se limitam à ciência. Ele lembra do quanto os brasileiros são brincalhões e do acolhimento caloroso com que sempre foi recebido.

Antídoto à brasileira – No que se refere à recepção, pesquisadores ligados à Organização Mundial da Saúde (OMS) também não parecem ter do que reclamar. Desde 1998, um grupo que busca respostas na área de prevenção de anomalias craniofaciais vem ao Brasil para troca de informações e análises de casos. Um dos mais entusiastas é o professor da University Dental Hospital de Manchester, no Reino Unido, William Christie Shaw. “É do intercâmbio científico entre os povos que construímos uma ciência mais rica e acessível para todo o mundo”, diz. Sua esposa, Gunvor Semb, pesquisadora da mesma instituição, concorda: “É incrível trocar experiências científicas em outros países e conhecer exemplos como o Centrinho da USP”. O mesmo pensa o pediatra geneticista Jeffrey Murray, da Universidade de Iowa, que também viaja ao Brasil com freqüência. “Há anos nos reunimos com pesquisadores brasileiros. Esse intercâmbio nos proporciona duas importantes conquistas: no aspecto científico, a proximidade de se criar um registro mundial das anomalias craniofaciais, já que a casuística de pacientes nos possibilita estudos precisos; na área pessoal, ganhamos grandes amigos e aprendemos a gostar de uma cultura tão diversificada quanto a brasileira”, afirma.

Se quem constrói a vida no alicerce da ciência pensa assim, qual será a avaliação de quem vive de pesquisar o desconhecido sob o prisma da crença? O padre e pesquisador italiano Ubaldo Terrioni, de Roma, diz que há institutos de ensino e pesquisa da USP e do Brasil que “cumprem à risca” sua vocação humanitária. “De nada adianta produzir conhecimento e não ap|icá-lo em benefício da população”, resume.

Pesquisadora da área econômica, a diretora financeira da Prefeitura de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, a economista Cecilia Limpias também chegou ao Brasil por intermédio da USP. O filho, estudante de engenharia Manuel Cruz, 21 anos, foi além: “Eu amo o Brasil, não tenho vergonha de dizer isso e quero fazer pós-graduação na USP para preservar esse vínculo”.

Para o professor norte-americano Reo Wilhour, do Parkland College, no Estado de Illinois, nos Estados Unidos, tanto entusiasmo com o Brasil e a USP tem uma explicação: “Quando se ouve falar do nível de ensino e pesquisa praticado no Brasil, sempre fica uma ponta de dúvida”, revela. “Mas, quando conhecemos de perto, constatamos que não há exageros com relação à qualidade do que é apresentado, apesar das dificuldades do cenário econômico do País.”

O professor da Universidade da Carolina do Norte, também nos Estados Unidos, e especialista mundial em morfologia oral, fala e respiração nas fissuras palatinas Donald Warren assina embaixo: “Mantenho contato com o Brasil desde 1992 e posso assegurar que a imagem do País só cresce quando se trata em ciência e pesquisa”.

Exótico? – Os números dão a medida dessa evolução: o Brasil forma 6 mil doutores por ano – marca histórica, mas ainda longe dos quase 40 mil doutores por ano nos Estados Unidos –, suficiente para criar uma indesejável massa excedente de pesquisadores de alto nível. O fato, por si só, desanima? “Não é o que sinto quando vou ao Brasil e mantenho contato com jovens talentos da Universidade de São Paulo”, relata o fonoaudiólogo sênior Robert Beecher, do Children´s Hospital, em Wisconsin, nos Estados Unidos. “Falo pelo que conheço e, no Brasil, vejo uma autêntica devoção quando se trata de ensino e pesquisa. É o antídoto brasileiro contra as adversidades.”

O diretor do Departamento de Relações Exteriores da cidade chinesa de Yangzou, Zhang Liansheng, pontua que a ciência e a cultura brasileiras ajudam a reverter estereótipos que costumam carimbar de “exótico” o Brasil aos olhos estrangeiros. “Nós também somos exóticos para os latinos”, salienta. “Nós entendemos que é pela produção de conhecimentos que os preconceitos são demolidos, porque esses mesmos conhecimentos podem ser úteis a outros povos.”

É o caso do Projeto Flórida, de cooperação entre o Centrinho e a Universidade da Flórida, que já dura dez anos e poderá apontar, até 2005, qual entre duas técnicas cirúrgicas é a mais adequada para pacientes portadores de fissura labiopalatal. A iniciativa também envolve estudos paralelos relacionados ao perfil socioeconômico, aspectos psicológicos e desenvolvimento da fala dos pacientes no período pós-cirúrgico. “Temos 20 profissionais que trabalham diretamente no projeto e estamos confiantes sobre o resultado final”, comenta a presidente do convênio de cooperação entre as duas instituições, a fonoaudióloga da USP Maria Inês Pegoraro Krook. “De fato, não há no mundo nenhum lugar que concentre tantos casos similares para avaliação”, destaca o diretor do Craniofacial Center da Universidade da Flórida, William Williams.

“Foi preciso sair do Primeiro Mundo para conhecer o humanismo e a excelência no tratamento de crianças malformadas naquilo que um dia chamaram de Terceiro Mundo.” A declaração, feita por um pesqeisador inglês ao conhecer o trabalho da USP em Bauru, dá a medida e resume qual o “sentimento” alheio em relação ao “Brasil científico”. Mais uma prova de que não só o olhar, mas a ação e interação de colegas internacionais fazem com que o rótulo “estrangeiro” seja até mesmo decadente aos olhos universalizadores da ciência e da cultura.

 

 

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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