Desde
sua criação, a Universidade de São Paulo tem
baseado sua existência em um importante tripé: o ensino,
a pesquisa e a extensão. As duas primeiras pernas desta base
se desenvolvem, basicamente, intramuros, nos laboratórios
e salas de aulas da Universidade, sem no entanto despregar os olhos
para o que acontece no mundo fora dos limites de seu campus. Já
a extensão é a face da relação direta
com a sociedade, propiciando um relacionamento mais estreito e fecundo
com a chamada “comunidade externa”. Esse intercâmbio
pode se dar tanto no aspecto “oficial”, por assim dizer,
por meio de ações patrocinadas pela própria
USP, ou graças à simples existência da Universidade.
Afinal, foi também com a criação da Cidade
Universitária que o Butantã pôde se desenvolver
e, de uma quase zona rural, passar a ser um dos mais ativos bairros
de São Paulo. É isso também o que se espera
para a zona leste, a região paulistana tantas vezes esquecida
e que foi a escolhida para abrigar um novo campus uspiano ainda
este ano. E a USPLeste – como está sendo tratada a
extensão da Universidade rumo a novas plagas – já
começa a cumprir seu papel de colaborar com o desenvolvimento
local (veja box nesta página).
Mas
se o papel de extensão da USP na zona leste ainda está
engatinhando, no Butantã ele é uma realidade. Exemplos
não faltam a esse respeito. E personagens para contar essa
história também não. Se alguém pode
dizer que morou a vida inteira na Cidade Universitária, esse
alguém é Valdemar de Paula Joaquim, caseiro do viveiro
de plantas do Clube dos Professores. Em 1957, Joaquim, na época
com sete anos, mudou-se para a Cidade Universitária com seus
cinco irmãos mais velhos. Eles fariam parte do grande contingente
humano responsável pela construção e manutenção
do campus. “Morávamos
na colônia, que ficava perto do prédio do ICB”,
lembra Joaquim, hoje com 53 anos, referindo-se ao Instituto de Ciências
Biomédicas. Ainda criança, ele nadava, caçava
passarinhos, andava a cavalo e observava os aviões que pousavam
no campo de aviação próximo à raia.
“A vida era ótima”, rememora. Os primeiros anos
de estudos foram completados na escola de educação
fundamental construída perto de onde hoje está o prédio
do ICB IV.
Em
1973, aos 22 anos, Joaquim começou a trabalhar na USP como
eletrotécnico. Um ano depois, casou e mudou-se para um bairro
próximo. Oito anos mais tarde, voltou a morar no campus e
se aposentou como chefe de manutenção da parte elétrica
da Cidade Universitária. Ainda hoje mora em uma casa no Clube
dos Professores. “Meu filho mais novo se criou aqui e hoje
meus sobrinhos é que trabalham na USP”, conta o técnico,
que se orgulha em dizer que inaugurou a raia olímpica em
1975. “Eu vi a região do Butantã crescer em
conjunto com a Cidade Universitária.”
Canteiro
de obras – Tudo começou com um decreto estadual de
1941, que determinou o desmembramento da Fazenda Butantan, até
então ocupada pelo Instituto Butantan para suas pesquisas.
Naquela época, a Cidade Universitária tinha vida apenas
no papel e contava com uma grande extensão de terras. Aquela
fazenda, que no final do século 19 abrigava uma olaria e
o cultivo de cana, veio dar espaço ao campus da USP. Desde
1949, data da construção do primeiro prédio
na Cidade Universitária – o do Instituto de Pesquisas
Tecnológicas (IPT) –, até hoje, quando a Universidade
comemora 70 anos, muitas transformações ocorreram
no campus, em seu entorno e em toda a cidade.
Entre
as décadas de 60 e 70, São Paulo se transformou em
“um grande canteiro de obras”, nas palavras do subprefeito
do Butantã Carlos Alberto da Silva, que estudou na Escola
Politécnica entre 1967 1973 e foi um dos fundadores do Coral
da USP. “A região teve uma situação peculiar
de expansão”, afirma. As rodovias Régis Bittencourt
e Raposo Tavares criaram condições para o seu desenvolvimento.
Além disso, a construção da Cidade Universitária
e das pontes sobre o rio Pinheiros permitiu que aumentasse a ocupação
do outro lado do rio.
Dentro
e fora da USP havia máquinas que funcionavam para construir
a maior cidade da América Latina. No campus, poucas eram
as ruas asfaltadas e faltavam meios de transporte. “Se nós
perdêssemos o ônibus, tínhamos que ir a pé
até Pinheiros”, lembra o professor Henrique Moisés
Canter, diretor da Divisão de Desenvolvimento Cultural do
Instituto Butantan. Em 1961, ele ingressou no curso de História
Natural da USP, cujas aulas se dividiam entre as salas de aula recém-construídas
na Cidade Universitária e os prédios da rua Maria
Antonia e da alameda Glete, no Centro de São Paulo. “Era
uma verdadeira maratona heróica. Amassávamos barro
todos os dias”, conta o professor, lembrando como era a pavimentação
da Cidade Universitária naquela época. As linhas de
ônibus entravam no campus pelo Instituto Butantan. Em volta
da USP, pouquíssimas casas. Canter lembra que enxergava o
Pico do Jaraguá sem o mar de prédios construídos
ao longo dos anos entre o pico e o instituto.
Ruas
de terra – No bairro Butantã City, vizinho à
Cidade Universitária, muitas das casas foram construídas
por professores da USP, interessados em morar próximo ao
trabalho. Na década de 50, a área era considerada
zona rural e foi ocupada por imigrantes e pessoal qualificado que
trabalhava em indústrias. “As ruas eram de terra, não
havia rede de água e esgoto. Íamos buscar água
em uma bica perto de onde fica a ponte Cidade Jardim”, lembra
Carlos Erik Wang, filho de imigrantes dinamarqueses, que mora na
mesma rua, no Butantã, desde 1955. Hoje ele é vice-presidente
da Sociedade Moradores do Butantã, da qual participa há
20 anos. À frente da entidade, batalhou pelo alargamento
do canal do Rio Pirajussara – que em épocas não
muito distantes transbordava e alagava as áreas próximas
ao portão principal da Cidade Universitária. Além
disso, buscou parceria com a Universidade a fim de aumentar a segurança
na região.
Roberto
Akazawa, economista do Sindicato das Empresas de Compra, Venda,
Locação e Administração de Imóveis
Residenciais e Comerciais de São Paulo, conta que os prédios
começaram a surgir no entorno da Cidade Universitária
no início da década de 80. “As incorporadoras
fizeram condomínios de alto padrão ligados ao que
a USP oferecia de área verde. Elas
apostaram no acesso ao campus, que era liberado ao público
nos finais de semana”, afirma Akazawa, referindo-se ao conjunto
de prédios construídos ao lado do ICB.
Mas
a Cidade Universitária não exerceu influência
na construção civil apenas no que diz respeito aos
condomínios vizinhos. Muitos conjuntos residenciais um pouco
mais distantes foram povoados por funcionários da USP, interessados
em residir perto do local de trabalho. Um deles, cuja população
é de esmagadora maioria vinculada à Universidade,
fica no Jardim D’Abril, na divisa entre São Paulo e
Osasco. Trata-se do Condomínio Ilha do Sol, que possui 18
blocos e fica a cerca de dez quilômetros do campus. Marilda
Gifalli, analista de Comunicação Social do Instituto
de Estudos Avançados (IEA) da USP, mora lá há
três anos. “Sempre morei no Centro. Vim para cá
em função da USP”, afirma. Ela trabalha há
dez anos no IEA e sofria com os congestionamentos. “Agora
demoro quinze minutos para chegar no trabalho”, conta.
Mas
essa integração, por vezes, acaba se tornando também
um problema, e não só uma solução. Com
o desenvolvimento da região – e o conseqüente
aumento populacional –, a Cidade Universitária acabou
se tornando uma espécie de corredor de passagem de trânsito
da cidade. “Diariamente, 60 mil veículos cruzam a Cidade
Universitária”, calcula o subprefeito Carlos Alberto
da Silva. Por esse motivo, esse espaço é alvo de preocupação
das autoridades. “Queremos criar uma alternativa viária”,
diz. A idéia é mudar a mão da rua Alvarenga,
de maneira que ela siga em direção à Marginal
Pinheiros, fazer uma rua sobre o córrego do Pirajussara com
sentido para a rodovia Raposo Tavares e, por fim, tornar pública
a via que corre paralela à raia olímpica. “Isso
desafogaria o trânsito”, acredita o subprefeito.
Nas
próximas edições, o Jornal da USP trará
matérias sobre o desenvolvimento que os cinco campi da USP
no interior proporcionaram às cidades onde estão instalados
– Bauru, Piracicaba, Pirassununga, Ribeirão Preto e
São Carlos.
Caminhos
abertos
à zona leste
O
campus da USP na zona leste – a chamada USPLeste –
começou a sair do mundo das idéias e ganhar
vida concreta em março passado, quando o governador
Geraldo Alckmin doou à Universidade um terreno no Parque
Ecológico do Tietê de 1.250.000 metros quadrados.
A intenção é que, já a partir
deste ano, possam ser abertas cerca de 1.000 vagas para a
nova unidade, a Escola de Artes, Ciências e Humanidades.
A criação do novo campus, no entanto, não
propiciará apenas um fôlego renovado ao ensino
superior gratuito na região, sempre tão carente.
O simples fato de a USP se instalar também na zona
leste imediatamente trouxe consigo propostas de melhorias
que só vão ajudar a população
local, hoje estimada em cerca de 4 milhões de pessoas.
Uma
das principais propostas – anunciada por Alckmin quando
da doação do terreno – diz respeito ao
transporte público. O governador pediu à Secretaria
de Transportes que adequasse a região à implantação
do novo campus. Está prevista a interligação
viária da área da USP com as rodovias Presidente
Dutra e Ayrton Senna, com a avenida Jacu-Pêssego e com
a asa sul do Rodoanel.
Além
disso, a linha F da CPTM, que liga o Brás a Calmon
Viana, no município de Poá, será remodelada
com a recuperação dos trilhos e a aquisição
de novos vagões de trens. Isso, sem se falar na criação
de uma nova estação ferroviária, justamente
a USPLeste. Muitas dessas obras já estão em
andamento e outras já foram entregues à comunidade,
como a alça de acesso pela saída 17 da Ayrton
Senna e o asfaltamento da marginal da Penha até o Parque
Ecológico, de aproximadamente seis quilômetros
de extensão. Esse era um desejo antigo dos moradores
locais e que pôde ser implementado a partir da chegada
da USP.
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