Não
há universidade só de professores, porque a universidade
não são os professores. Não há universidade
só de alunos, porque a universidade não são
os alunos. Não será ainda universidade o conjunto
dessas duas coletividades, apenas um canal formal e unidirecional
de comunicação as unir: a universidade não
são os anfiteatros. A universidade integrada pelo continuum
que vai dos alunos mais novos aos professores mais maduros, passando
pelos alunos mais adiantados, pelos estudantes de pós-graduação,
pelos docentes mais jovens, é a convivência dos que
sabem, em diferentes graus, e ainda querem saber.
Esses
atributos não distinguem grupos, mas definem a atitude de
todos os membros da grande coletividade. Para certos fins convém
distinguir entre dois “corpos” da universidade, o docente
e o discente; mas a distinção não é
essencial. A função de toda a universidade é
aprender. Inclusive aprender a aprender, que deve ser o principal
aprendizado do corpo discente; criar e aperfeiçoar condições
para que ele se efetive é a função distintiva
do professor universitário. A pesquisa original, própria
da vida universitária, é a forma mais independente
de aprendizado, leva a aprender o que antes ninguém sabia.
A descoberta, prazer e recompensa do pesquisador, é aprendizado
primicial. Da mesma natureza é a recompensa e o estímulo
que o estudante encontra na redescoberta, isto é, no que
aprende por si, com os meios e o ambiente propício da universidade.
É
lugar comum que os profissionais de formação universitária
terão de estudar sempre, estarão constantemente se
reformando. Isso se torna cada vez mais verdadeiro na medida em
que se acelera o ritmo da renovação, substituição
e ampliação dos conhecimentos científicos e
dos recursos da tecnologia. E quanto mais se conforma essa idéia
à realidade, menos importa a bagagem de conhecimentos particulares
que o estudante recebe durante seu curso, mais transitória
sua valia. O conteúdo factual do aprendizado vai se tornando
cada vez mais um meio de ilustrar a natureza dos métodos
de estudo e os rumos do desenvolvimento de cada campo de conhecimento.
Formação
básica – Médicos que se formaram pela época
da última Grande Guerra talvez tivessem considerado a genética,
a bioquímica, a física, a própria imunologia,
no que fosse além de soros e vacinas, meras distrações
acadêmicas a atrasar seu aprendizado clínico. Hoje,
no ápice de sua carreira profissional, eles dispõem
da análise cromossômica para diagnóstico, devem
compreender uma série de efeitos metabólicos dos esteróides
que usam terapeuticamente, dependem de medidas de radioatividade
para conclusões e indicações precisas, têm
de entender as doenças auto-imunes e compreender como a cirurgia
dos transplantes procura vencer o impedimento que lhe opõe
o sistema imunitário.
O que
hoje, nas escolas médicas, se tem como ciência básica,
que relação terá com os problemas práticos
da medicina que será vivida pelos atuais estudantes? E que
importância já poderão ter nessa medicina disciplinas
ou métodos que hoje nem se consideram pertinentes à
formação básica do médico? A argumentação
vale para outras das profissões tradicionais e, mais ainda,
para novas profissões, cujos campos estão apenas se
delineando por força de novas exigências sociais. O
sentido é que os objetivos profissionais a que a formação
universitária possa conduzir não devem determinar
muito especificamente nem limitar muito estreitamente o campo da
formação básica. Atualizada
e ampla, não balizada pelo imediatismo da aplicação
à prática vigente em cada profissão, é
que essa formação poderá evitar a marginalização
precoce dos futuros profissionais.
Não
será possível, entretanto, obter-se essa formação
adequada na universidade que se veja na contingência de iniciar
os alunos que recebe na mais elementar metodologia e mesmo nos mais
simples conhecimentos científicos. Tal situação,
não seria necessário dizer, é muito nossa conhecida.
A dependência que a formação superior se acha
do nível de preparo secundário fecha-se, em círculo
vicioso, com a dependência em que se encontra o curso secundário
de um renovado e ampliado exército de professores capazes,
que devem vir da universidade. A esta cabe romper o ciclo e não
há dúvida de que, no Brasil, tal papel da universidade
deve ser prioritário. Todos os cursos destinados à
formação de professores secundários deveriam
ter sua capacidade ampliada e suas vagas incluídas entre
as opções abertas a todos os candidatos à universidade,
pressuposta uma ampla seleção vestibular unificada.
Será necessário, paralelamente, revestir de maior
prestígio a posição do docente secundário.
Isso envolve o valor de sua remuneração, mas envolve
também o aparelhamento dos colégios e a reestruturação
dos seus currículos, para que o professor se eleve a si próprio
pela eficiência do ensino que ministre.
A saúde
do nosso povo constou de muito slogan em acampamentos de “excedentes”.
Argumento ilusório. Em nossas condições atuais,
várias coisas mais eficientes que um aumento na produção
de médicos poderão ser feitas pela universidade em
defesa da saúde do povo; uma delas será produzir mais
e muito melhores professores secundários. Não pensamos
aqui apenas em colégios que preparem para a universidade,
mas também na elevação do nível colegial
e no revigoramento, quase diríamos na ressurreição,
das Escolas Normais.
Corpo
docente – Não será possível também
obter-se a formação adequada na universidade desprovida
de amplo e continuamente renovado corpo docente. Não pensamos
em renovação como o resultado de substituição
de pessoas; o jovem docente que hoje inicie sua carreira poderá
ser ainda professor nos primeiros anos do próximo século.
O que
importa é a renovação de cada um, a cada momento.
Condição dessa renovação é a
convivência universitária, em meio a uma população
constantemente jovem, à qual não se iniba a curiosidade
nem se coíbam as aspirações. Essa convivência
não existe onde o professor apenas perpassa pela faculdade,
no estrito cumprimento de obrigações periódicas.
Em
nosso meio, esta é, ainda, a realidade dominante. Primeiro,
pela escassez de pessoal qualificado para o ensino superior, deficiência
mais patente nos últimos anos, quando as escolas de nível
universitário se multiplicaram em todo o País. Segundo,
por uma tradição que fez da função docente
nas escolas superiores uma segunda atividade de profissionais liberais,
chamados para ela em virtude de prestígio pessoal, profissional
ou social, ou que a buscaram mais ou menos açodadamente como
fonte desse mesmo prestígio.
A formação
de um verdadeiro professorado, entendido em si mesmo como uma profissão,
é um grave, urgente e difícil aspecto dos problemas
nas universidades do Brasil. Sem sua solução, que
dinheiro nenhum permitirá obter de um dia para o outro, serão
inoperantes as reformulações e reestruturações
com que, no papel, se busca o aperfeiçoamento das universidades
do País. Será uma profissão em duplo sentido,
um meio de vida e uma profissão de fé. Mas é
necessário que o professor possa viver dela e não
de uma atividade exterior bafejada pelo prestígio da posição
universitária. Assim, desligado de outros interesses e compromissos,
com independência, é que o docente universitário
poderá tranqüilamente contribuir para a revolução
sem a qual não se viverá o século 21.
Esse
papel revolucionário é o de acompanhar os passos da
ciência, ser capaz de contribuir para a atualizada formação
básica dos estudantes, ter tempo, estímulo, recursos
e liberdade de pesquisar e formar novos pesquisadores – em
suma, uma profissão que será aprender e ajudar a aprender,
criando, se possível, e contribuindo sempre para que se crie
conhecimento novo.
Revolução
não sectária – A palavra revolução
pode ser entendida como aceleração crítica
do processo de aperfeiçoamento da sociedade humana. Mas não
adianta que o termo seja definível se não há
acordo quanto ao que seja aquele aperfeiçoamento. Note-se,
como exemplo expressivo, que nos dias correntes há no Brasil
quem escreva Revolução sempre com R maiúsculo,
assim como quem sistematicamente escreve “revolução”,
com minúscula e aspas. Mas a revolução para
a qual a universidade contribui não se confundirá
com episódios políticos; não é inspirada
em doutrinas preestabelecidas, nem será dirigida
por convicções pessoais, cuja força pode se
achar somente no poder ocasional que as pessoas detenham. Ela derivará
da imposição da atitude racional em face de todos
os problemas.
Tente
cada qual levar às últimas conseqüências
a doutrina aparentemente tão inocente com que B. Russel abre
seu ensaio sobre o valor do ceticismo: “A doutrina em questão
é esta: é indesejável acreditar numa proposição
quando não existe razão alguma para supor que seja
verdadeira?”. Compreenderá,
então, que aí estaria a grande doutrina subversiva,
se fosse possível que, de uma geração para
outra, ela passasse a ditar a conduta do homem. Sua aplicação
generalizada “transformaria completamente nossa vida social
e nosso sistema político”.
Na
realidade, a humanidade que se deslumbra com grandes conquistas
científicas, devidas a uma escassa minoria dos cérebros
que ela já produziu, está, em sua grande massa, líderes
e liderados, cumprindo as etapas fatais de uma evolução
que tem exigido o decurso de eras. A razão, que a distinguiu
de outras espécies, é das mínimas forças
que a têm movido. Não se libertou dos mores das comunidades
primitivas, presentes hoje sob a forma de todas as crenças,
mitos e códigos a que o homem subordina sua conduta e pelos
quais luta ou é levado a lutar em defesa de um patrimônio.
Esses
valores sociais, entretanto, têm grande importância
na estrutura de cada comunidade em cada época; sua destruição
violentaria o homem, por isso o respeito a ele se inclui entre os
direitos humanos fundamentais. São das grandes forças
que, em sua interação e sua adaptação
aos imperativos de fatores econômicos, determinam rumos da
evolução social.
O papel
da universidade, impondo ao complexo dessas forças um novo
componente – a racionalidade na compreensão dos problemas
–, é o de desviar a resultante final cada vez mais
para a direção do verdadeiro aperfeiçoamento
social, para o sentido da razão, onde se pode esperar cessem
as lutas, e as energias convirjam para o progresso. Em pacífica
e universal concordância com que já há muito
tempo se aceitam os cálculos astronômicos; ninguém
mais quer negá-los ou combatê-los por considerar que
a previsão de eclipses seja presunção blasfema
de quem queira atribuir-se onisciência própria só
de Deus. A perspectiva parecerá utópica. Mas o mundo
talvez não tenha alternativa: pode ser que esteja condenado
a ser essa utopia ou nada.
O universitário
deve opor-se ao sectário; a universidade, em conjunto, não
pode ser dominada por nenhuma crença ou convicção
religiosa, política ou filosófica, ainda que seja
e exatamente para que possa ser um foco de cogitações
filosóficas. Se absoluta isenção, em relação
a cada indivíduo, é ideal dificilmente atingível,
decorre que na universidade devem coexistir todas as crenças
ou convicções. Nenhuma será motivo para que
as portas se fechem; somente sua coexistência, com respeito
e contenção recíprocos, evidenciará
não estar em nenhuma a essência da condição
universitária.
Pesquisa
– A pesquisa científica já é aceita entre
nós como atividade própria do professor universitário;
é mais ou menos ponto pacífico, em tese. Na prática,
há séria deficiência de recursos espirituais
e materiais para que essa atividade possa realmente exercer-se.
O fato é geral nas universidades brasileiras, o que não
afasta a realidade da existência de núcleos importantes
de investigação original em várias das instituições
mais bem-dotadas, graças a algumas lideranças científicas
autênticas.
Quantas
figuras, potencialmente capazes de idêntica polarização
de ideais e esforços, estiolaram ou foram desencorajadas
pela carência de possibilidades materiais é impossível
avaliar. Certamente, em outros casos, falsas lideranças bloquearam
o surgimento de autênticas, particularmente no vigor do regime
de cátedra, levando à dissipação de
recursos existentes.
De
qualquer forma, a produção científica já
se vai incluindo na expectativa oficial em relação
a cada docente universitário. Se trabalhando em regime de
tempo integral, a produção científica pessoal
já constitui requisito para permanência no cargo e,
em qualquer regime de trabalho, é certamente considerado
o elemento mais ponderável para o acesso às sucessivas
posições de carreira. É possível que
isso, como disposição estatutária, promova
a longo prazo o estímulo desejado ao trabalho científico;
desde logo generalizada poderá obrigar a concessões
de julgamento que desvirtuarão o objetivo, por permitir uma
imagem demasiado pobre do que a instituição aceita
como trabalho científico legítimo.
Por
períodos longos, até alguns anos, conforme circunstâncias
individuais e a natureza das disciplinas, ao docente jovem pode
ser mais importante a formação pessoal, na convivência
ativa com pesquisadores diferenciados, do que uma produção
individual compulsória, suscetível de transformar-se
em papel impresso para só satisfazer à exigência
formal. Por outro lado, seria inconveniente que, como credenciais
para progresso na carreira e valorização da pesquisa,
se acompanhasse de menosprezo às atividades diretamente ligadas
à promoção do aprendizado, à melhor
formação do estudante; uma atividade não deve
impedir a outra, esta mais que aquela contribui para a integração
da coletividade universitária, e ambas são igualmente
necessárias para os objetivos da universidade. Os métodos
do aprendizado, aliás, com as peculiaridades de cada disciplina,
são também legítimo e importante objeto de
pesquisa. O esforço para obter recursos de trabalho vem tendo
melhores perspectivas quando o pesquisador é capaz de justificar
convenientemente seu projeto.
Instituições
oficiais financiadoras se desenvolvem no País, como o Conselho
Nacional de Pesquisa federal e a Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), além
de órgãos estrangeiros que têm sido acessíveis
aos pedidos de subvenção para muito trabalho científico
realizado em nossac universidades. As instituições
universitárias não podem senão considerar bem-vindas
tais ajudas, que suplementam ceus orçamentos naquilo em que
estes são geralmente mesquinhos de recursos para equipamento,
para serviços técnicos, para intercâmbio científico.
Se
essa ajuda contribui para aumentar a satisfação do
professor em sua posição universitária, pode
paradoxalmente contribuir também para afastá-lo dos
objetivos da própria universidade. É que as agências
subvencionadoras exigem prestação de contas, em prazos
predeterminados, não só quanto à aplicação
do valor da subvenção, mas também quanto aos
resultados científicos obtidos. Tal compromisso pessoal,
tacitamente ou explicitamente ratificado pela universidade, é
um vínculo colateral que enfraquece o que liga o pesquisador
à sua universidade; permite ou obriga a que ele se absorva
na atividade de pesquisa comprometida, mesmo em detrimento de suas
funções docentes, por exemplo.
Essa
conseqüência está longe de constituir problema
difuso nas universidades do País, mas ela já está
aí certamente começando a se apresentar. Nos Estados
Unidos, ela é realidade tão séria que constitui
uma das maiores preocupações dos que lá cogitam
do destino das universidades. O problema é de filosofia:
trata-se de um mal, contra que deve ser defendida a Universidade?
O tratamento etiológico seria então fechar a porta
às ajudas materiais vindas de fora, diretamente aos pesquisadores;
mas estas não cresceram exatamente pela insuficiência
das ajudas de dentro?
A seriedade do dilema se encontra também em que o rumo geral
da ciência universitária, a preocupação
dominante, as opções de métodos e de objetivos,
tudo tende a ser dominado pelas agências financiadoras de
pesquisa; são estas, enfim, que decidem da concessão
ou não de qualquer subvenção solicitada. Cada
pesquicador pode continuar com sua liberdade de escolha, mas a obtenção
de ajuda só será provável se sua opção
coincidir com os desígnios determinantes de política
de algumas das instituições que dispõem do
dinheiro destinado à pesquisa. Um dirigismo tende a se aplicar
à ciência por essa forma indireta, mas extremamente
eficaz.
Felizmente,
para satisfação das diversas tendências dos
pesquisadores, aqueles desígnios são em grande parte
a preocupação concentrada em problemas tão
vitais para a humanidade e ao mesmo tempo tão variados como
o controle demográfico, a produção de alimentos,
a utilização de novas fontes ou formas de energia,
o domínio das doenças; mas também podem ser
o atendimento a novos conceitos de poder militar, que o conflito
de mitos políticos ou orgulhos nacionais torna urgente.
Política
– O professor universitário normalmente dedicado à
sua ciência e ao seu ensino poderá ser sempre convocado
para influir na política geral da Universidade. Nesse momento
passa a nível secundário sua formação
especializada, e dependerá de sua formação
humanística e da continuada convivência universitária.
Não poderá exercer a influência desejável
sem uma atitude compreensiva em relação a todos os
demais setores da cultura, por mais distantes que possam ser do
seu. Compreensão quanto ao objeto, quanto aos métodos
gerais, quanto ao papel formativo cultural e também quanto
à sua significação em face do meio em que a
universidade vive.
Se
a ciência não tem fronteira, e toda instituição
de pesquisas serve, em tese, à humanidade, é natural
que cada uma dessas instituições seja particularmente
responsável pelos problemas da parcela da humanidade que
lhe é mais próxima. Não há particularidades
locais quando se trata dos fatos e conceitos da física, da
matemática ou da filosofia, mas elas existem em relação
à patologia, à geologia, à sociologia. É
dívida de cada instituição para com a ciência
universal a pesquisa objetiva dessas particularidades em sua região,
pois aí podem se encontrar elos faltantes na corrente geral
do conhecimento científico; pagando-a poderá estar
também, conforme a natureza dos fatos pesquisados, servindo
à coletividade que a criou e mantém.
Assim,
como centro de pesquisa científica, a universidade não
se alheará do seu próprio meio. Muito menos como instituição
formadora dos profissionais mais qualificados. Como formá-los,
e ao enriquecimento de que profissões dedicar maior ou menor
parcela de seus recursos, são decisões que lhe cabem,
mas que devem refletir a perfeita consciência das necessidades
sociais presentes e a adequada previsão dessas necessidades
no futuro.
O prestígio
tradicional de certas profissões, mal distinta do simples
fascínio do título de doutor, que ainda determina
multidões de “vocações” obstinadamente
específicas, é uma força do passado, não
deve sobrepor-se aos critérios que a própria universidade
pode estabelecer com base na realidade de hoje e na previsão
das necessidades de amanhã. Aquela força não
é má por ser do passado, onde há muito que
recolher, mas porque essa circunstância pode transformá-la
em fator indesejavelmente anacrônico. Tem sido, por exemplo,
causa de inconveniente distribuição numérica
dos candidatos aos vários cursos universitários, tendo-se
em vista as reais necessidades sociais do futuro imediato.
A existência
de “excedentes”, isto é, candidatos não
classificados para a matrícula nos cursos desejados, não
constitui por si razão para que as vagas em tais cursos sejam
desdobradas, ou novas instituições do mesmo tipo,
criadas. Em certos casos, a providência serviria apenas para
transferir da vida pré-universitária para a vida profissional
a mesma condição de excedentes.
Entretanto,
têm-se visto grupos apreciáveis de “excedentes”
à porta de cursos destinados à formação
de mais professores para os nossos colégios ou à diferenciação
de novos membros de outras profissões que, por serem novas
ou por não terem sido sua importância devidamente apreciadas
no passado, encontram-se agora incapazes de atender às crescentes
e diversificadas exigências de serviço próprias
da fase de desenvolvimento que vivemos.
Neste
caso o mais provável é que na própria universidade
resida o anacronismo, decorrente de erro de previsão e provisão,
e não na percepção social dos jovens que vieram
a constituir esses amplos grupos de opções coincidentes.
A universidade, sendo autônoma, assume nesse terreno uma parcela
importante da função política, e carece tanto
do respeito público como do respeito do governo que a mantém.
Para conquistá-lo e preservá-lo, deve basear suas
decisões em continuado estudo da realidade que a cerca. A
idéia da universidade como instituição mantida
pelos cofres públicos, para não poder ser entendida
senão como institeição vinculada ao interesse
público, esteve implícita, obviamente, em toda a precedente
discussão.
Entrevista
prometida
JOSÉ LUIZ PROENÇA
Tudo começava com a “Voz do Brasil” naqueles
tempos recentes do AI-5. As redações já
estavam se acostumando. Era ouvir a “Voz” e sair
correndo atrás da suíte. Foi assim comigo naquele
final de tarde, 28 de abril de 1969, na redação
da Folha da Tarde. Estava redigindo um tanto chocado minha
entrevista feita à tarde com o professor Florestan
Fernandes, ainda atônito com a brutalidade de sua aposentadoria
e tentando falar de seus planos para o futuro: quem sabe aulas
no Canadá. Fui interrompido pelo chefe de reportagem:
“Foca, (não tinha ainda um ano de jornalismo)
anda logo com essa matéria que você vai ter que
falar com o reitor da USP, ele acabou de ser cassado”.
Encerrei a matéria não como queria, mas do jeito
que precisava. Da Barão de Limeira à Cidade
Universitária, mais ou menos 40 minutos. Cheguei pouco
antes das 21 horas. Pediram que aguardasse. Fiquei quase uma
hora na sala de espera. Muitos entravam, saíam, ninguém
queria falar. Por volta das 22 horas, sai o reitor Helio Lourenço
de Oliveira, junto com assessores e colegas. Digo que vim
entrevistá-lo sobre a cassação. Vamos
juntos pelo corredor e ele pondera que não gostaria
de falar ainda. Precisava de mais informações
para saber o que estava acontecendo. Descemos todos pelo elevador
privativo do antigo prédio da Reitoria. E fizemos promessas
de uma futura entrevista que nunca aconteceu.
José
Luiz Proença é professor de Jornalismo da Escola
de Comunicações e Artes (ECA) da USP |
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