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São
Paulo! comoção de minha vida…
Perfumes de Paris… Arys!
São Paulo! comoção de minha vida…
Galicismo a berrar nos desertos da América!
(Mário de Andrade, em Paulicéia Desvairada) |
Enquanto
os salões de festas e de idéias em São Paulo
refletiam luzes francesas, os brados modernistas chocavam em favor
de uma identidade nacional. Uns dos primeiros artistas que defenderam
e resgataram cores, letras e sons brasileiros eram os mesmos que
foram se inspirar na Cidade Luz. E também eram os mesmos
que receberam um “empurrãozinho” de franceses,
chamando-lhes a atenção para a importância da
cultura de seu próprio país. São contradições
como essas que marcam a relação entre brasileiros
e franceses, especialmente no início do século 20.
Nesse
período, o fascínio da bel-le époque se espalhava
por todo o mundo, e não poderia deixar de chegar ao Brasil
e à cidade que crescia, e se internacionalizava, com a exportação
do café. Nas ruas de São Paulo, os vestidos eram art
déco, os móveis remetiam ao estilo Luís XV,
a arquitetura de largas avenidas imitava os boulevards, os livros
eram simbolistas. A língua chic e culta em São Paulo
era, claro, o francês, símbolo de cultura.
É
esse cenário do início do século 20 que a exposição
“São Paulo-450-Paris” – em cartaz no Instituto
Tomie Ohtake, coordenada por Anne Loyout – vem recriar no
local que hoje é a metrópole aniversariante. Mas,
além da aproximação entre as duas cidades feita
pela reverência então comum dos brasileiros a Paris,
a mostra não se esquece da atração brasileira
exercida sobre personagens como o poeta Blaise Cendrars e os estudiosos
Claude Lévi-Strauss e Roger Bastide. O caminho São
Paulo-Paris revela-se ainda mais “bilíngüe”,
ou bilateral, no núcleo contemporâneo da exposição,
com curadoria de Agnaldo Farias, que traz olhares de artistas brasileiros
e franceses sobre as duas cidades. Chegam a ser recados que cruzam
o Atlântico mais uma vez. E nos dois sentidos (leia o texto
ao lado).
O núcleo
de rica pesquisa histórica da exposição, feita
pelo professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA)
da USP Carlos Augusto Calil, percorre o caminho dessa influência
desde o final do século 19 até meados do 20, quando
a presença da cultura francesa no Brasil começa a
esvanecer-se em função do predomínio norte-americano.
A primeira fotografia da exposição mostra que, mal
começava o século 20, no ano de 1906, o futuro “pai
da aviação” atreveu-se – e realizou –
a uma grande façanha: circulou a Torre Eiffel a bordo de
seu Dirigível número 5, à vista de uma multidão
de parisienses. Era Santos Dumont, brasileiro que se mudou para
a capital francesa aos 18 anos e, nas palavras do curador, “um
inventor de ponta, tão francês quanto brasileiro”.
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Os
anos 20 – Depois das fotografias dos aeroplanos de Dumont
encontram-se as fotografias antigas das ruas de São Paulo,
onde não só a arquitetura era de inspiração
francesa, mas os próprios nomes dos hotéis e comércio
estavam na língua falada na Cidade Luz. Um exemplo curioso
é o nome de um dos primeiros bairros residenciais das classes
abastadas em São Paulo, o Campos Elíseos, inspirado
no Champs Elysées. Além do Teatro Municipal, do jardim
palaciano do Museu do Ipiranga – o atual Museu Paulista da
USP – e do casarão de Dona Veridiana Prado, em Higienópolis,
outros prédios paulistanos lembram a arquitetura parisiense.
Arquitetos
franceses realizaram projetos aqui, como Jules Martin, responsável
pelo Viaduto do Chá. Ou ainda o construtivista Le Corbusier,
que previu, ao visitar a cidade, o congestionamento que ela viria
a enfrentar e chegou a sugerir a construção de uma
espécie de viaduto a cem metros de altura. O
detalhe é que ele sugeriu a mesma estrutura para quatro cidades
bem diferentes, Buenos Aires, Montevidéu, São Paulo
e Rio de Janeiro, conforme conta Calil. Na exposição,
fotografias e projetos originais dos próprios arquitetos
ilustram bem isso, acompanhados ainda de textos elucidativos e recheados
de curiosidades históricas acerca da época e de seus
personagens.
E como
eram seus personagens? Uma sala afrancesada burguesa é recriada
na mostra, onde também podem ser vistas imagens de famílias
que, quando não se divertiam em Paris, sentiam-se à
vontade no ambiente paulistano que imitava a capital francesa. Como
a da Coleção Luiz Gonzaga de Azevedo (acervo do Museu
Paulista), filho de Militão Augusto de Azevedo, um dos primeiros
fotógrafos brasileiros. Em exibição, estão
também menus afrancesados da Vila Kyrial e vestidos blasés,
mais curtos e de cintura baixa, que mostram como as paulistanas
seguiam à risca a moda ditada por Paris. Adiante, fotografias
de franceses célebres que vieram várias vezes a São
Paulo. A atriz Sarah Bernhardt chegou a declarar: “São
Paulo é a cabeça do Brasil, e o Brasil é a
França americana”. Suas três passagens por aqui
estão bem registradas na mostra.
Os
modernistas – Um exemplar da primeira edição
de Mon Coeur Balance e Leur Âme (1916) lembra que, antes de
lançar o Manifesto Pau-Brasil, Oswald de Andrade –
o Oswaldo, como preferia ser chamado – publicou com Guilherme
de Almeida peças teatrais em francês bem ao gosto da
época, e nada chocantes como viriam a ser seus futuros escritos.
Sua companheira Tarsila do Amaral, a grande pintora nacional que
ele descreveu como “caipirinha vestida por Poiret”,
aparece assim numa imagem registrada na Cidade Luz e num quadro
que ela pintou da paisagem parisiense. Depois de viver em Paris
até 1922, Tarsila veio conhecer o Modernismo em São
Paulo, quando eclodiu a Semana de Arte Moderna, para então
voltar novamente à França e ter aulas com Fernand
Léger. É desse período a pintura Pont Neuf
(1923), presente na mostra ao lado de Ritmo, de Brecheret (outro
brasileiro que foi estudar arte na França, chegando a ser
premiado nos salões parisienses), e de um retrato de um membro
da elite paulistana pintado por Anita Malfatti.
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Pont Neuf, de Tarsila do Amaral, e retratos
afrancesados típicos do início do século
20 |
Em
Paris, o casal Oswald e Tarsila travou forte amizade com o poeta
francês Blaise Cendrars, que não desistiu de ficar
por aqui mesmo, sendo sempre abordado assim que chegava num lugar,
por não ter um dos braços (mutilado pela guerra).
A primeira edição de um de seus livros, com ilustração
de Tarsila, está na exposição, com outras primeiras
edições históricas, especialmente de autores
modernistas, como Pau-Brasil, de Oswald de Andrade, e Paulicéia
Desvairada e Losango Cáqui, de Mário de Andrade.
“Cendrars
é um dos primeiros que falam no samba carioca para os brasileiros”,
afirma Calil. “Durante o período em que esteve aqui,
ele foi muito importante para chamar a atenção dos
brasileiros para se voltarem para a própria terra. Ele manifestava
a sensação de estar enfastiado de Paris e de vir para
o Brasil para viver uma aventura, e não ser reverenciado
e representar a cultura francesa”, complementa, acrescentando
que Mário de Andrade e Paulo Prado tinham consciência
do patrimônio cultural do Brasil, “mas os outros não”.
Para o professor, os brasileiros precisavam de “uma espécie
de aval estrangeiro de que a nossa arte moderna tinha atualidade,
tinha ascensão. Era importante, para Tarsila, ser avalizada
por Cendrars, era importante para os brasileiros que Brecheret tivesse
sido reconhecido num salão parisiense. Até hoje temos
necessidade desse aval”.
No
entanto, ao mesmo tempo havia a ironia de pessoas como Alcântara
Machado, que no Pathé-Baby inverte o costume brasileiro de
ser visitado e pesquisado pelos franceses, que faziam livros de
anotações e observações históricas,
culturais e botânicas. “Machado viaja à Europa
e faz a mesma coisa, como se eles fossem índios e a terra
deles precisasse ser pesquisada”, afirma o curador.
Além
da influência exercida sobre a arte e os costumes brasileiros,
os franceses foram fundamentais na construção do pensamento
e da Universidade em São Paulo. As primeiras aulas da recém-criada
USP, em meados dos anos 30, eram ministradas em francês. Não
só porque os jovens professores que chegavam ao Brasil eram
Claude Lévi-Strauss, Roger Bastide e Fernand Braudel, mas
também porque os alunos falavam a língua. “Até
a minha geração, era mais importante falar francês
do que inglês, porque o francês era a língua
universal da cultura e da diplomacia”, exemplifica Calil,
contando que mesmo o professor Ungaretti, italiano, dava aulas em
francês.
A passagem
de Lévi-Strauss pelo País também está
registrada na mostra. Mas, se com presenças como a dele o
pensamento e o conhecimento brasileiros ganharam bastante, esses
intelectuais franceses também tiveram saltos positivos em
suas carreiras a partir desse momento. “Para Lévi-Strauss,
foi a definição da carreira dele. Ao vir para cá,
ele não era etnólogo. Foi
a vivência brasileira, com os índios brasileiros, que
deu a ele toda a base que possibilitou ser quem foi”, sentencia
o professor. Por isso Braudel chegou a afirmar que a experiência
que tiveram no Brasil foi o grande momento de suas vidas. Por mais
afrancesado que o Brasil fosse na época, seus expoentes souberam
reinventar o aprendizado com Paris e revisitar sua própria
história.
A
exposição “São Paulo-450-Paris”
fica em cartaz até 7 de março no Instituto Tomie Ohtake
(avenida Faria Lima, 201, com entrada pela rua Coropés, Pinheiros,
São Paulo, telefone 6844-1900). Visitação de
terça a domingo, das 11h às 20h, com entrada franca.
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No
vestuário, na literatura e na arquitetura (ao lado):
marcas da reverência paulistana à Cidade Luz |
Recados
nos dois sentidos
Passear
hoje pelas ruas de São Paulo é ver, em vez dos letreiros
em francês, nomes ingleses para as lojas, os hotéis,
os restaurantes, os estacionamentos, os muitos prédios. Quando
não é mais da França o posto de grande centro
cultural do mundo, como pode ser vista a relação outrora
tão vigorosa entre Brasil e França? Como metrópoles,
Paris e São Paulo certamente apresentam problemas semelhantes,
mas com peculiaridades bastante diferentes. Aqui, constroem-se túneis
para resolver o congestionamento. Lá, o principal transporte
é a vasta linha de metrô. A parte contemporânea
da exposição “São Paulo-450-Paris”
apresenta obras de brasileiros e franceses sobre as duas cidades
e ainda manda recados dos artistas daqui aos de lá.
Uma
sala traz imagens de Paris e de São Paulo feitas pelos artistas
brasileiros Cássio Vasconcellos, Márcia Xavier, Vera
Uberti, Caio Reisewitz, Jurandir Muller e Kiko Goifman e pelo francês
Jean-Claude Ballot. A projeção de Vera Uberti, Refletir
(2003), mostra um cubo espelhado sobre o rio Tietê refletindo
a cidade e a sujeira do rio. “A pureza do cubo se vê
às voltas com a força da história, o peso das
forças produtivas, da destruição, da erosão,
da sujeira”, afirma o curador dessa parte da mostra, Agnaldo
Farias, acrescentando que o rio representa o tempo corrido, a história.
A obra ao lado, de Márcia Xavier, também é
um cubo espelhado, mas em seu interior o visitante pode olhar os
entroncamentos de ruas da cidade, localizadas entre os rios Pinheiros
e Tietê, presentes na fotografia que está no chão
do cubo.
Já
o fotógrafo Cássio Vasconcellos mostra um olhar bem
raro sobre paisagens conhecidas das duas cidades. Os recortes são
tão diferenciados que fica difícil reconhecer a mesma
Marginal do rio Tietê ou a Catedral da Sé, apesar da
constante presença de escombros e detritos. Ele faz as imagens
como que as desenhando com lanternas coloridas. E é também
com muita luz que ele retrata a Torre Eiffel e outros monumentos
da cidade que é, ela própria, um “monumento”,
como a caracteriza Farias. “Paris é monumental e disso
o artista não consegue escapar e nem quer escapar”,
afirma o curador. “Ele traz também a idéia de
organicidade entre natureza e artifício”, mostrando
construções e estátuas em meio a plantas e
galhos de árvores.
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Influências
mútuas
(no sentido horário):
Carandiru,
de Caio Reisewitz,
Série Noturnos: Paris, de Cássio Vasconcellos,
Elevações, de Geórgia Kyriakakis,
e
Série Noturnos: São Paulo,
de Vasconcellos
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Dois
vídeos, um de Dora Longo Bahia e outro de Jurandir Müller
e Kiko Goifman, mostram bairros da cidade. O primeiro traz imagens
em ritmo acelerado de um carro que vai até São Miguel
Paulista, contrapostas à imagem de uma palmeira balançando
com o vento. O outro se concentra nas diversas paisagens da região
da avenida São João, começando num parque de
diversões e terminando num cartaz de filme pornográfico.
O olhar
francês está nas fotografias que Jean-Claude Ballot
fez do edifício Copan. Em vez das curvas de Niemeyer que
são cartão-postal da cidade, ele retratou o interior
do ambiente de trabalho nas grandes cidades brasileiras. Que, aliás,
não deve ser muito distinto do ambiente na França
ou em qualquer outro país. “As pessoas estão
quase anestesiadas. É a fotografia de um nada”, considera
Farias. E mais uma visão bucólica da cidade de São
Paulo aparece na fotografia que Caio Reisewitz fez da represa Guarapiranga.
Para quem vive no centro da cidade, a paisagem não é
facilmente associada à sua urbanidade. Mas é essa
a intenção: lembrar que a paisagem urbana não
engloba somente prédios.
Esse
mesmo princípio guiou a montagem da outra sala da parte contemporânea
da mostra, intitulada “Recados de Sampa para Paname”,
apelidos afetivos para São Paulo e Paris. O trabalho de Raul
Mourão, composto por estruturas de ferro que se assemelham
a prédios e grades, parece empurrar, afastar a natureza representada
na obra Elevações (2001), de Geórgia Kyriakakis,
que são montanhas feitas de pó de ferro. “A
natureza é empurrada para longe, é criada uma paisagem
artificial, só que repentinamente a natureza atravessa essa
muralha construída. Mas, ao mesmo tempo em que ela vem, essa
natureza é pó e se desmancha”, contextualiza
Farias.
No
outro extremo da sala, em frente às montanhas de pó,
uma espécie de garagem ou bar todo vermelho, montado por
Dora Longo Bahia, dispõe de fones de ouvido para que cada
visitante ouça, sozinho, uma trilha sonora. Para os que se
atreverem, os instrumentos estão colocados no chão,
no meio da sala, e dessa maneira pode ser quebrada a solidão,
tão presente nas metrópoles. O curador lança
seu próprio recado, em forma de pergunta. “Não
há um encontro, cada um entra numa catarse individualista.
Mas a fonte sonora está aqui para as pessoas se exprimirem,
aqui há uma possibilidade de vazão. Agora,
quem explora? Quem tem coragem para isso?” Um diálogo
a ser construído entre os habitantes das metrópoles,
seja ela Sampa, seja ela Paname.
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