Na
manhã ensolarada de 19 de fevereiro passado, 350 jovens com
idade entre 16 e 20 anos, oriundos de vários bairros da cidade
de São Paulo, foram diplomados pelo Projeto Formação
Cidadã – Capacitação Ocupacional e Aprendizagem
em Atividades de Utilidade Coletiva no Município de São
Paulo. Com o objetivo de fornecer noções de cidadania
a jovens paulistanos, o projeto é resultado de parceria entre
a Faculdade de Saúde Pública da USP – através
do Centro de Estudos, Pesquisa e Documentação (Cepedoc)
Cidades Saudáveis –, a Prefeitura de São Paulo
e a Unesco. A cerimônia de diplomação ocorreu
no Ginásio de Esportes da Associação Paulista
de Cirurgiões-Dentistas, em Santana, zona norte de São
Paulo.
Realizado
de agosto de 2003 a fevereiro passado, o curso oferecido pelo Formação
Cidadã aos 350 jovens foi dividido em dois módulos.
O primeiro deles, básico, apresentou temas como ética,
cidadania, relações de emprego e geração
de renda.
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Através
de diferentes atividades, entre elas a música, o teatro
e visitas a museus, o projeto forneceu aos jovens participantes
novas visões da vida e da cidade |
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Já
o segundo módulo levou os jovens a participar de uma importante
iniciativa em favor da saúde pública. Percorrendo
os bairros, eles fizeram o cadastramento dos moradores para que
estes pudessem receber o cartão do Sistema Único de
Saúde (SUS), que dará acesso aos serviços básicos
de saúde oferecidos pelo Município. O objetivo da
Secretaria Municipal da Saúde é que todos os cidadãos
tenham o seu cartão.
Além
de percorrer os bairros, os jovens participantes do Projeto Formação
Cidadã – que também foram cadastrados para receber
o cartão – tinham a missão de colocar os dados
no computador, que ficaram à disposição da
Secretaria da Saúde. “A idéia era que os jovens
se cadastrassem e ajudassem a realizar o cadastramento em seus bairros.
Com isso eles aprenderam a utilizar o banco de dados, a visitar
e conhecer melhor a própria comunidade”, comemora Cláudia
Maria Bógus, secretária-executiva do Cepedoc Cidades
Saudáveis e uma das coordenadoras do projeto.
Durante
o curso, os jovens receberam 480 horas de formação,
distribuídas em 20 horas semanais. Com bolsas de estudos
de R$ 76,00 mensais, cedidas pela Prefeitura, os jovens podiam freqüentar
o curso sem se preocupar com trabalho. O cadastramento para obtenção
do cartão do SUS foi o mote para abordar temas como a atitude
para o trabalho, a questão emprego-trabalho, direitos e deveres,
qualidade de vida e direitos humanos, entre outros. A partir disso
os monitores desenvolveram atividades lúdicas, com dinâmicas
adequadas, para despertar o interesse dos bolsistas pelos temas.
Divididos por regiões, os jovens participaram de atividades
esportivas e culturais e tiveram a oportunidade de visitar museus
de São Paulo, conhecer projetos sociais e assistir a sessões
de cinema, entre outras atividades, sempre acompanhados de monitores
especializados. “Duas vezes por semana os jovens tinham atividades
práticas que incluíam a capacitação
para o cadastramento e a participação em alguma atividade
definida pela coordenadoria de saúde onde estivesse ocorrendo
o cadastramento”, diz Cláudia.
Ao
Cepedoc coube a coordenação dos monitores, que se
deslocavam às comunidades para trabalhar os temas do projeto
com os jovens. Os monitores eram graduados em diversas áreas
do conhecimento: entre eles havia psicólogos, geógrafos,
biólogos, assistentes sociais, relações públicas
e engenheiros. O curso envolveu 17 coordenadorias de saúde
no Jaçanã/Tremembé, Ermelino Matarazzo, Parelheiros,
Itaim Paulista, Sé, Vila Maria, Lapa, Cachoeirinha, Grajaú,
Campo Limpo, Pirituba, São Miguel Paulista, Jardim São
Luís, Itaquera, Cidade Líder e Cidade Tiradentes.
As aulas aconteceram em vários locais da capital. Muitos
deles foram cedidos pela subprefeitura, ou pela paróquia
do bairro e até mesmo pelo posto de saúde local.
O programa
não teve a intenção de capacitar profissionalmente,
mas ser um espaço onde o jovem pudesse ao mesmo tempo ter
rendimento financeiro, aprender novos conteúdos, participar
e discutir temas em ambiente propício, com orientação
adequada. “Embora
o bolsista não saia habilitado para uma profissão,
ele passa a conhecer melhor a sua cidade, porque para fazer o cadastramento
do seu bairro ele estudou o mapa da região, viu as diferenças
entre os bairros, aprendeu direitos e deveres e percebeu como se
relacionar e se apresentar em uma entrevista de trabalho, que é
uma preocupação constante entre os jovens para futuramente
conseguir emprego.”
Novas
experiências – “Meu olhar sobre as coisas mudou
muito”, conta Adalberto Aparecido Monteiro de Souza, de 21
anos, morador do Jardim Riveira, um dos jovens selecionados. “O
aprendizado foi enriquecedor. Conheci gente nova, entendi os problemas
que o sistema de saúde enfrenta e o porquê de tanta
deficiência, falta de verbas e demora no atendimento.”
Entusiasmado,
Souza diz que até seu caráter mudou. “Antes
tinha um olhar preconceituoso sobre as pessoas e os bairros. Com
as visitas que realizei durante o cadastramento, vi muita gente
em situação pior que a minha. Bairro sem nenhuma infra-estrutura.”
Souza
não pretende parar por aí. Quer que mais pessoas da
sua idade possam aprender como ele. Para isso, pensa em ser multiplicador
desse aprendizado. “Vou tentar passar tudo o que aprendi e
mostrar o quanto é difícil administrar um sistema
de saúde, por exemplo. Vou tentar mudar e correr atrás
de melhorias para todos”, planeja.
Para
Adriano Souza dos Santos, 21 anos, do Jardim Ibirapuera, na zona
sul paulistana, a participação “valeu”
muito. “Aprendi a me vestir e a me comportar numa entrevista
de emprego. Fiz muitos amigos. Tenho um pouco mais de segurança
para falar e questionar as coisas que quero entender melhor”,
pondera.
Cláudia,
do Cepedoc Cidades Saudáveis, ressalta que, embora não
dê para afirmar que os jovems mudem seu comportamento durante
o curso, é possível dizer que algumas experiências
novas, nunca antes experimentadas, passaram a compor o universo
deles. “Fizemos vários passeios pela cidade de São
Paulo. Visitamos o Masp, a Pinacoteca, conhecemos o Projeto Pomar
do rio Pinheiros e a Usina de Compostagem da Vila Leopoldina, lugares
onde a maioria nunca esteve antes, nem mesmo havia saído
do bairro”, afirma Cláudia. “Talvez possamos
dizer que propiciamos uma diminuição na desigualdade
de pertencimento da cidade. A intenção era ensinar
a como utilizar as oportunidades que a cidade oferece.”
A cerimônia
de encerramento teve um caráter peculiar. Foi a primeira
vez que todos os jovens se reuniram no mesmo local e horário.
“Os próprios bolsistas solicitaram esse encontro para
que todos pudessem vivenciar as diferentes experiências”,
conta Daniele Sacardo, uma das coordenadoras do Cepedoc.
Para
ela, além de ser uma proposta de capacitação,
o curso permitiu que os jovens reconhecessem seu território
ao construírem mapas, sempre em atividades coletivas. Nelas,
o programa procurou enfatizar as questões grupais dentro
de uma perspectiva solidária, mais do que de competitividade.
“Do ponto de vista social, dá para reconhecer que o
projeto abriu portas e diminuiu distâncias entre o que era
inacessível para uns e acessível para outros. Possibilitamos
vários encontros com a cidade, com os equipamentos de cultura
e lazer. Tentamos minimizar o grau de alienação discutindo
questões como desigualdade social e globalização”,
ressalta.
A monitora
Jeniffer Tonato, psicóloga e arte-educadora, gostou muito
da intensa troca de experiências de vida e conhecimento vivida
com o seu grupo de 22 jovens, que realizou uma série de projetos
comunitários, como teatro, esporte, biblioteca na comunidade
e cinema, entre outros. “Não foi só ensinar.
Aprendi muito também.”
A
serviço
da sociedade
O
Centro de Estudos, Pesquisa e Documentação (Cepedoc)
Cidades Saudáveis foi formado em 2000 por um grupo
de pesquisadores integrantes da Oficina Permanente de Cidades
Saudáveis, organizada na Faculdade de Saúde
Pública da USP. O centro visa a divulgar informações
sobre qualidade de vida nas cidades e a apoiar municípios
e comunidades a ingressar no Projeto Cidades Saudáveis.
Esse apoio se dá por meio de eventos e a promoção
de cooperação entre cidades e instituições,
além de documentação sobre o assunto,
intercâmbio de experiências, cursos de formação
e ajuda profissional para organizar metodologicamente a estrutura
do movimento em cada cidade parceira. Hoje, as cidades de
Lins, Motuca, Itaoca, Ribeira, Bertioga e a subprefeitura
paulistana da Capela do Socorro participam do Movimento Cidades
Saudáveis por meio da proposta do Cepedoc. Mais informações
sobre o centro podem ser obtidas na página eletrônica
www.cidadessaudaveis.org.br.
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