De
Sérgio Buarque de Holanda deve-se falar com a mesma alegria
que ele sempre manteve. Nunca houve homem mais sábio, nunca
houve homem mais erudito, nunca houve homem de maior seriedade intelectual.
Mas também nunca houve ninguém mais brincalhão,
alegre e até moleque, quando fosse o caso (Antonio
Candido em Sérgio Buarque de Holanda: vida e obra,
Secretaria de Estado da Cultura, Universidade de São Paulo,
1988)
Erudito,
mas ao mesmo tempo irreverente. Intelectual, mas ao mesmo tempo
brincalhão. Dedicado ao trabalho, mas ao mesmo tempo boêmio.
Essas peculiaridades são mostradas em Raízes do Brasil,
uma cinebiografia de Sérgio Buarque de Holanda, dirigida
por Nelson Pereira dos Santos, que toma emprestado o título
do clássico publicado em 36, para retratar também
as raízes daquele que tentou compreender a alma brasileira.
Um jornalista, crítico literário, sociólogo,
historiador e catedrático que criou, em 1962, o Instituto
de Estudos Brasileiros da USP, como órgão interdisciplinar
de pesquisa e documentação sobre a história
e cultura do País. Um homem que vivia submerso em livros
no seu escritório, mas de portas abertas para saber o que
acontecia fora daquele universo só seu. Sérgio Buarque
de Holanda (1902-1982) ganha homenagem cinematográfica para
celebrar o centenário de seu nascimento, completado em 2002.
O primeiro
filme, com 74 minutos, é baseado em depoimentos da
família, como o de sua mulher Maria Amélia (Memélia),
que rouba a cena com seus relatos emocionantes de como ele era e
se comportava, contando que “Sérgio quando escrevia
ficava possuído, parecia uma febre”. Como diz Zeca
Buarque, neto do historiador, é um depoimento de vida, de
uma viúva de 94 anos, que lembra momentos marcantes da vida
familiar. Mostra
também a visão dos seus sete filhos, como a de Sérgio
Buarque Filho, economista, que tem recordações do
pai no escritório, ou de Miúcha, cantora e compositora,
que se lembra das festas, da casa aberta aos amigos e da boemia.
Ainda aparecem relatos de imagens conflitantes da figura solene
e do brincalhão, como conta Ana Buarque, que tem uma foto
dele com uma peruca fora de lugar e charuto. E ainda de Chico Buarque,
Cristina Buarque e dos amigos Antonio Candido (profundo conhecedor
da obra do historiador) e Paulo Vanzolini (que trabalhou no Museu
de Zoologia da USP – ainda hoje é pesquisador lá
–, bem próximo ao Museu Paulista, onde Sérgio
Buarque de Holanda foi diretor). Para ilustrar, foram gravadas imagens
nas casas de sua família, bares e ruas do Rio de Janeiro,
além de várias fotografias pessoais e de arquivo.
|
Vida
e obra de Sérgio Buarque de Holanda são levadas
ao cinema, mostrando que o historiador também tem um
lado brincalhão. Ao lado, foto da praça com
nome do seu primeiro livro, um clássico publicado em
1936 |
Raízes
do Brasil – No segundo filme, de 72 minutos, sua trajetória
é narrada a partir dos apontamentos que ele mesmo fez junto
com a mulher, rememorando os fatos mais importantes em ordem cronológica.
Essas anotações foram feitas no final da década
de 70, a pedido de um editor venezuelano que queria publicar seu
livro Visão do Paraíso, e precisava de dados do autor.
Nota biográfica que foi parar nas mãos do diretor
Nelson Pereira dos Santos, que viu seu roteiro pronto. A partir
dessa ordem, o filme mostra sua infância, seus pais, a adolescência,
a juventude, as amizades com Mário e Oswald de Andrade, Manuel
Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e muitos outros. Mostra também
o início da carreira de jornalista no Rio de Janeiro, sua
atuação como colaborador de O Jornal, dirigido por
Assis Chateaubriand, e suas muitas viagens nacionais – em
Minas Gerais, onde conheceu Drummond, e Espírito Santo, dirigindo
o jornal O Progresso – e internacionais, como à Alemanha,
onde passou um ano como correspondente antes da Segunda Guerra.
Os
apontamentos são narrados pelas filhas Ana de Holanda e Miúcha,
enquanto aparecem muitas imagens de arquivos pessoais conseguidas
junto a familiares e amigos, até os da faculdade, além
de cenas históricas do Brasil, como os anos Getúlio
Vargas, a agitada vida intelectual dos modernistas brasileiros,
as andanças de Jânio Quadros e o comício de
João Goulart, ao som de músicas da época, entre
elas Apesar de Você, de Chico Buarque. Ainda são intercalados
trechos de Raízes do Brasil, seu primeiro livro, que inaugurou
a Coleção Documentos Brasileiros, da Editora José
Olympio, dirigida por Gilberto Freyre, lidos pela neta Silvia Buarque,
e textos da sua juventude, como críticas literárias
da década de 20 ou de quando era correspondente na Alemanha,
e também de Manuel Bandeira, pelo neto Zeca Buarque.
É
mesmo um retrato de um historiador que procurou desvendar o Brasil
para os brasileiros, chegando à conclusão de que:
“A cordialidade... a lhaneza no trato, a hospitalidade, a
generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que nos
visitam, representam com efeito um traço definitivo do caráter
brasileiro” (Sérgio Buarque de Holanda, Raízes
do Brasil).
Raízes
do Brasil, uma cinebiografia de Sérgio Buarque de Holanda
entra em cartaz em circuito nacional na sexta. Produção
de Regina Filmes, VideoFilmes e RioFilme, com patrocínio
da Petrobras.
|