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O embrião humano
é, desde a fusão dos gametas, um sujeito humano com identidade bem definida,
não um simples amontoado de células
Para reparar tecidos lesados, é possível utilizar outras fontes
de células-tronco que não as embrionárias humanas, como demonstram pesquisas

 

 

A finalidade deste artigo é trazer mais uma contribuição ao debate que se está travando, nos âmbitos da literatura científica e ética e da opinião pública, sobre a produção e a utilização de embriões humanos e das células estaminais embrionárias em pesquisas científicas e em outros procedimentos ditos terapêuticos. Devido à crescente relevância que tem assumido tal debate, impõe-se uma reflexão sobre seus limites e licitude. Nesse sentido, o Jornal da USP (edição 677, de 8 a 14 de março de 2004), prestou um grande serviço à nossa comunidade ao inaugurar, entre nós, esse debate em larga escala.

O verdadeiro debate acadêmico não pode deixar de considerar todos os aspectos da realidade. A fé e a razão, como a fé e a ciência, não estão em contradição. Constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Assim, todas as correntes de pensamento devem poder se manifestar, de forma livre e abrangente.

Não me pareceram suficientes, por exemplo, os comentários atribuídos ao padre Márcio Fabri dos Anjos – com quem, no passado, compartilhei bancada na Câmara Técnica Interdisciplinar de Bioética do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) –, chamado a se manifestar na referida edição do Jornal da USP enquanto representante do pensamento católico, quanto à posição assumida pela Igreja Católica sobre o estatuto do embrião humano, independentemente da fase – mesmo que inicial – em que se encontre.

A Pontificia Academia Pro Vita (PAV) do Vaticano afirma categoricamente, com base no Magistério da Igreja e numa correta e completa análise biológica, que o embrião humano vivo é, desde a fusão dos gametas, um sujeito humano com identidade bem definida que, já naquele momento, inicia seu desenvolvimento próprio, coordenado, contínuo e gradual, de forma tal que em nenhum estágio posterior poderá ser considerado um simples amontoado de células.

A PAV, nascida em 11 de fevereiro de 1994, tem a missão de “estudar, informar e formar acerca dos principais problemas de biomedicina e de direito, relativos à promoção e à defesa da vida, sobretudo na relação direta que eles têm com a moral cristã e as diretrizes do Magistério da Igreja” (conferir João Paulo II, Evangelum Vitae, 98.)

A PAV produziu vários documentos sobre a produção e o uso de ESC (Embryo Stem Cells) em pesquisa científica e terapêutica (“Dichiarazione sulla produzione e sull’uso scientifico e terapeutico delle cellule staminali embrionali umane”, L’Osservatore Romano, venerdì, 25 de agosto 2000, p. 6) e outros assuntos, tais como clonagem, aborto, ética da pesquisa científica, xenotransplantes, reprodução assistida etc. São assuntos interligados que não podem ser discutidos de forma estanque, até porque, além de envolverem os mesmos referenciais antropológicos e técnicos, também contemplam interesses mercadológicos.

Em recente capítulo de livro que escrevemos com pesquisadores da Unifesp sobre o tema da clonagem “terapêutica”, afirmamos nossa concordância com o referencial antropológico emanado nos documentos da PAV: “O embrião, mesmo com algumas horas de existência, já é um ser humano. A partir desse fundamento, as pesquisas que envolvam o sacrifício de embriões humanos, eufemisticamente denominadas de ‘clonagem terapêutica’, são inaceitáveis, pois desvirtuam o próprio sentido da investigação científica. Aceitamos que existem limites éticos para a pesquisa científica e admitimos que é legítimo buscar as soluções para os males que comprometem a humanidade – paraplegia, diabetes, Parkinson etc. – e que os cientistas devem se empenhar nessa busca, mas não admitimos que tudo se justifica para que se atinja a maior felicidade do maior número de pessoas.

Justapomos a essa idéia de sacrifício de alguns para a felicidade de todos a outra posição do materialista Sartre – “É impossível fazer o bem a todos”, como ele procura demonstrar em sua peça O diabo e o bom Deus. Assim, reafirmamos que, para reparar tecidos lesados, é possível utilizar outras fontes de células-tronco que não as embrionárias humanas, como demonstrado em nossos resultados experimentais” (Ferreira, A. T., Eça, L. P. M. e Ramos, D. L. P. , “Clonagem terapêutica”, em Eça, L. P. M., Biologia molecular – guia prático e didático, Rio de Janeiro, Revinter, 2004, 1a edição).

Independentemente de serem aceitos esses referenciais antropológicos, o fato concreto é que, ao tratar desse tema, não podemos ingenuamente desconsiderar os outros temas interligados (aborto, ética da pesquisa científica, xenotransplantes, reprodução assistida etc.) e os interesses econômicos que despertam, quer no âmbito da pesquisa, quer no âmbito dos serviços de saúde.

Por que, em muitos dos debates sobre esses temas, veiculados pela mídia, procura-se criar um clima cultural que favoreça a condenação de todos aqueles que levantam prudentes objeções àquelas pesquisas que, supostamente, necessitam de embriões para obter resultados científicos tão almejados por todos? Estes últimos passaram a ser rotulados de “moralistas retrógrados”, “fundamentalistas” ou “dogmáticos”. Assim, os verdadeiros realistas – aqueles que apenas desejam que todos os fatores da realidade sejam considerados em prol do benefício de todos – são apresentados como os vilões da história, pois estão “engessando” a ciência.

Mas a quem, então, interessa a liberação do uso de embriões humanos nessas pesquisas?
Hoje, no Brasil, podem existir entre 10 e 20 mil embriões humanos congelados, excedentes dos processos de reprodução assistida. Alguns falam em até mais de 100 mil. Essa superpopulação de embriões gera despesas e constitui um problema sem solução, a não ser que se “legitimize” – moral e legalmente – seu uso. Pior ainda, “legitima-se” também o aborto, fonte de embriões e células fetais.

Essa legitimação, além dos conseqüentes benefícios financeiros para aqueles que custosamente precisam manter congelados embriões excedentes e que passariam a ter como escoar seus estoques, também representaria um incentivo indireto para a prática da reprodução assistida, uma vez que deixariam de existir objeções à utilização dessas técnicas devido ao incômodo moral ou sentimental da produção dos embriões excedentes, o que aqueceria o mercado que oferece essas técnicas.

Finalizando, faço minhas as palavras do doutor Daniel Serrão (“Estatuto do embrião”, Bioética, volume 11, número 2, 2003, p. 109-114), que preside o Grupo de Trabalho do Conselho da Europa, que prepara um instrumento legislativo sobre a proteção do embrião e do feto. Para ele, o estatuto ético do embrião humano é, nas sociedades modernas, um sinal de contradição, suscita debates apaixonados e emocionais, porque todos sabemos que também fomos, um dia, embriões vivos aos quais foi assegurado o direito ao desenvolvimento. Não são propriedade dos progenitores, é certo, mas também não são propriedade do laboratório de pesquisa, nem do médico que pratica a reprodução assistida. Os embriões humanos in vitro pertencem a um projeto de parentalidade. É esse o seu estatuto biológico e ético e é por ele e nele que devem ser protegidos, com autonomia e responsabilidade..

Dalton Luiz de Paula Ramos é professor de Bioética da Faculdade de Odontologia da USP, coordenador do Projeto Ciências da Vida do Núcleo Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e membro correspondente da Pontificia Academia Pro Vita do Vaticano.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Biossegurança

Li o número dedicado ao assunto (“A ciência e a ética em discussão”, edição 677, de 8 a 14 de março de 2004, disponível no endereço virtual www.usp.br/jorusp), em especial as duas opiniões na página 2, e vai aí meu apoio à segunda matéria. Com relação à primeira, penso, contrariamente ao que se diz, que o embrião é vida, e vida humana. O respeito a essa vida nascente não é uma questão religiosa ou de grupos religiosos, mas fundamentalmente ética. Se a ciência, que tem seu âmbito de autonomia, não tiver limites éticos, acabará sendo um instrumento a serviço de governos e ideologias, com funestas conseqüências, como mostra a história da humanidade. O cientista não deve afastar-se da moral, como prega o professor Renato Janine Ribeiro em outra matéria, mas sim procurar ativamente discernir, em cada época, quais são os valores ou convenções perecíveis daqueles imutáveis, como é o direito à vida.

Jorge Pimentel Cintra, professor de Filosofia da Ciência e da Técnica da Escola Politécnica da USP

 

 

Parabéns pela edição sobre ética e ciência. Sugiro que sempre se aprofunde o tema com vários autores comentando um mesmo assunto, como nessa edição. Posicionando-me sobre o tema, acho atrocidade desenvolver um embrião, mesmo que por apenas uns cinco dias, para depois destruí-lo, aproveitando-lhe apenas uma parte. É assassinato. Se um argumento a favor desse crime é o tamanho do embrião, basta considerar que somos proporcionalmente menores que ele em relação ao sistema solar.  Por menor que seja, a célula ovo é um ser vivo, um ser humano se vinda de um homem e uma mulher.

Vander de Paula, aluno do curso de Licenciatura em Matemática do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP

 

 

Gostaria de cumprimentá-los pela excelente edição do Jornal da USP, que, como sempre, evidencia um jornalismo dinâmico, positivo, inteligente, presente nos diversos setores e pensamentos acadêmicos. Aproveito para agradecer-lhes pela oportunidade de colaborar com minha opinião em tão polêmico e atual assunto de bioética.

Sylvia Mendes Carneiro, pesquisadora do Laboratório de Biologia Celular do Instituto Butantan, de São Paulo

 

 

 

 

Calouros

Muito interessante e correto o ponto de vista da pró-reitora de Graduação, professora Sonia Penin, expresso na coluna Opinião, sob o título “Desafios” (edição 676, de 1o a 7 de março de 2004, página 2), porém na prática as coisas têm sido diferentes. Destacada numa caixa, uma frase da autora nos diz: “A sociedade investe pesadamente na Universidade para que você, calouro, se torne um profissional de elevada competência e senso ético”. E, em outro destaque, mensagem de igual conteúdo: “Estudar na USP implica reconhecer o enorme sacrifício feito por toda a sociedade para que os alunos estudem num ambiente tão diferenciado”. Seria bom que essa mesma Universidade tratasse de lembrar a certos alunos que há prazos a serem cumpridos. Há quem se gabe de estar na USP fazendo “hora-extra” como aluno, desfrutando dos privilégios de almoçar quase de graça nos “bandejões”, de ter academia grátis no Cepeusp (Centro de Práticas Esportivas da USP) e pagar meia entrada nos cinemas e passes de ônibus e metrô. Não deveria ser essa a motivação para alguém descumprir seus prazos de formatura, agarrando-se a uma faculdade e evitando ao máximo o título de bacharel (o qual costuma ser motivo de orgulho), especialmente quando sabemos que a vida lá fora é quem paga a festa.

Glauco França, arquiteto formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP

 

 

Cartas para esta seção devem ser enviadas para o endereço eletrônico jornausp@usp.br

 




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