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As pessoas que embarcaram naqueles trens, no dia 11 de março, não imaginavam o destino que as aguardava: explosões, sangue, mortes. A cidade de Madri parou, chocada com a magnitude das explosões em três estações que resultaram em 201 mortos e mais de 1.600 feridos. A três dias das eleições – que se realizaram no domingo, dia 14 –, o governo do primeiro-ministro José Maria Aznar não pensou duas vezes antes de acusar o ETA, grupo separatista basco, pelo ocorrido. Ao mesmo tempo, descobriam-se evidências de que a autoria seria da Al-Qaeda, ou de algum grupo islâmico extremista. A oposição – que sairia vitoriosa nas urnas – declarou uma suspensão na campanha política e organizou várias manifestações populares, pedindo esclarecimentos ao governo.

Para analisar os acontecimentos que mudaram os destinos de um país e – quem sabe – do mundo, o Jornal da USP conversou com o professor Braz José de Araujo, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e coordenador do Núcleo de Análise Interdisciplinar de Políticas e Estratégia (Naippe) da USP. Firme em sua posição, o professor não tem medo de ser polêmico e admite que, talvez, seja o único intelectual brasileiro a apoiar abertamente a política do presidente norte-americano George W. Bush, no que se refere ao combate ao terrorismo. “Aqui as pessoas não estão acostumadas a pensar como estrategistas”, diz. “O que significa atuar estrategicamente? Significa que, em última instância, vale até mesmo o uso da repressão e da força para atingir os objetivos”. E vai além: “Estamos vivendo uma guerra contra o terrorismo.

E, em uma guerra, algumas liberdades e direitos individuais precisam ser temporariamente sacrificados.”

 


Instabilidade política

Os atentados acabaram se tornando uma arma contra o governo do primeiro-ministro Aznar. A população compareceu em massa às urnas e, em uma virada histórica, o Partido Socialista Operário Espanhol chegou ao poder por meio de seu secretário-geral e atual premiê José Luis Rodríguez Zapatero. “Quem elegeu Zapatero foram aqueles que estavam traumatizados com os fatos, ainda muito recentes”, analisa o professor Braz Araujo. “É só olhar os números: em 2000, 68,71% dos espanhóis compareceram às urnas. Em 2004, esse porcentual foi de 77,21%. Esse aumento de quase 10 pontos percentuais, formado por setores que normalmente optam por não participar do processo político, foi o responsável pela vitória da esquerda. E essas pessoas votaram porque estavam traumatizadas.”

O professor ainda destaca o fato de que, se os conservadores tentaram usar os atentados politicamente, acusando o ETA por sua autoria, a esquerda fez a mesma coisa: “Os socialistas disseram que estavam suspendendo a campanha, mas começaram a fazer manifestações contra o governo por todo o país. No fim, é como se acusassem o governo pelos atos dos terroristas.”

Para o coordenador do Naippe, os atentados conseguiram alterar o curso natural das eleições, que apontava, até então, para uma vitória dos conservadores. “Isso é ruim para a Espanha, é ruim para a Europa. Esses acontecimentos representam um fator de instabilidade na política mundial”, explica. Por que instabilidade? Porque, segundo análise do professor Braz, com a vitória dos socialistas, a Espanha tem grande chances de formar uma coalizão anti-Estados Unidos com países como França e Alemanha. “O mundo está ficando bipolarizado novamente”, lamenta. Para ele, o principal problema é a ameaça à democracia que esses atentados representam, e a reação de recuo que os países europeus estão tendo a isso. “É como se os terroristas dissessem: se vocês não apoiarem os Estados Unidos, nós não atacamos vocês. Mas se vocês apoiarem, serão atacados. Então, ninguém apóia.”

Sob o comando de José Maria Aznar, a Espanha apoiou a política do presidente George W. Bush, chegando a enviar tropas para o Iraque. O abrandamento dessa posição é, para o professor Braz Araujo, uma maneira de aceitar a chantagem dos terroristas. “Isso é perigosíssimo. Essa posição da social-democracia não só espanhola, mas européia, coloca a democracia refém do terrorismo.” Nisto, o professor da USP está de acordo com a opinião expressada pelo ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, Jack Straw, que rejeitou o argumento de que os países que adotam posições mais brandas estão mais seguros. Em entrevista à BBC, no dia 14 de março, Straw disse que “ninguém deve acreditar que de alguma forma podemos nos retirar da guerra contra os extremistas islâmicos. A idéia de que, de alguma forma, exista um certificado de exclusão para essa guerra é absurda”.

 

Estamos em guerra

O que o professor chama de “fraqueza dos europeus”, ou seja, o fato de os países da União Européia não fecharem uma posição de apoio aos Estados Unidos, é, para ele, um fator de perigo para o mundo. “Não podemos esquecer que a ONU vive hoje uma crise de legitimidade. E, não bastasse isso, ainda está sofrendo acusações de corrupção que envolvem até mesmo o filho do secretário-geral. Ora, os Estados Unidos pagam 22% das contas da ONU. Será que o contribuinte norte-americano vai querer dar dinheiro para uma instituição que não leva seus interesses em conta, e que ainda é corrupta?” E Braz Araujo chama de “inocentes” aqueles que acreditam que uma eventual vitória democrata nas eleições norte-americanas pode mudar essa visão de mundo dos Estados Unidos. “Tanto Bush como Kerry sabem quais são os interesses dos Estados Unidos. O democrata Kerry já chegou a afirmar que a presença dos Estados Unidos no Iraque é fundamental. O que diferencia democratas e republicanos, nesse caso, é o método de ação. Um prefere o discurso, o outro, a ação, custe o que custar.”

No que se refere aos métodos de combate ao terrorismo, o professor Braz Araujo vê um paradoxo na posição espanhola. “Eles sabem muito bem como combater o terrorismo dentro de casa”, lembra. Entre esses métodos estão a não concessão ao terror e a união geral das forças democráticas. “Os socialistas espanhóis sabem disso e atuam dessa maneira em relação ao ETA. Mas esse raciocínio, para eles, não é válido no nível internacional.”


E é por essa diferença de método que o professor Braz apóia abertamente a reeleição do atual presidente George W. Bush. “Por mais paradoxal que isso possa parecer, acredito que a vitória de Bush interessa mais ao Brasil. Não podemos esquecer que fomos aliados dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial, na Segunda Guerra Mundial e durante toda a Guerra Fria. E sempre fomos vitoriosos por isso. Por que desta vez seria diferente? Estamos em guerra contra o terror e isso deveria unir as democracias do mundo, não separá-las em dois blocos antagônicos.”

 

Mas, e o Brasil?

Dentro desse quadro de alianças e antagonismos, o coordenador do Naippe vê a atual posição brasileira com preocupação. “Devíamos apoiar claramente os Estados Unidos, estar ao seu lado”, defende. Para o Brasil, a situação atual é ruim, afirma o professor, uma vez que o interesse maior do nosso país é manter a paz. “Por isso não podemos ceder ao terrorismo de nenhuma espécie. Mas nosso governo está inativo em relação a isso. Um exemplo? A União Européia e os Estados Unidos dizem que as Farc são terroristas, mas o Brasil fica calado. A Venezuela está à beira de uma guerra civil, mas eu não sei o que nosso governo está fazendo para evitar que aquele demagogo populista (o presidente Chávez) cause esse conflito civil.”

Segundo o professor, esse quadro é resultado de um dilema que sempre perseguiu o Brasil: sem uma estratégia clara para atingir os interesses do País, o governo não consegue se posicionar de maneira firme. “E o atual governo é a continuidade dessa nossa realidade. Sabe pouco de estratégia. O Brasil não tem cacife nem competência para liderar o Terceiro Mundo. E por quê? Porque não sabe seu próprio caminho.”

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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