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No silêncio transparecem os sentimentos
escondidos nos diálogos vazios

Um dia após o outro, o cotidiano é o mesmo, as fugas das pessoas são as mesmas e as esperas também são as mesmas. Espera-se pelo próximo dia, que provavelmente não será muito diferente do presente. É sempre “mais um dia que acaba”, conforme a fala de um dos personagens da peça O nome.

Marcada pela rotina angustiante, o espetáculo conta um trecho da história de uma família comum nos dias de hoje, em que pais frustrados ignoram os filhos, já nascidos ou por nascer. Escrita em 1995 pelo dramaturgo contemporâneo Jon Fosse, ela entra em cartaz num novo espaço cênico do Sesi, enquanto o Teatro Popular passa por reforma. É a primeira vez que o norueguês, já consagrado e premiado em seu país, inclusive por esse texto, é encenado no Brasil.

A peça é um recorte no dia em que uma das filhas chega grávida e com o namorado na casa dos pais, onde vai buscar abrigo. Entretanto, é onde encontra sua mãe reclamando das dores na perna e rindo histericamente. Onde vê o pai se queixando do excesso de trabalho, da insônia e do cansaço. Onde pai e mãe praticamente não conversam. Onde a própria jovem não se relaciona mais com o pai do bebê do que com sua irmã e seu amigo de infância. E o bebê? Está prestes a nascer, mas ainda sem nome.

“É um teatro muito contemporâneo, que tem uma dramaturgia extremamente sucinta, porque as pessoas falam pouco e sobre nada. E mexe com as pulsões atuais, pessoas que comem muito, bebem muito, se drogam muito, compram muito”, analisa a diretora Denise Weinberg, bastante conhecida por seus trabalhos como atriz. “O texto do Fosse tem um vocabulário pobre, repetição, frases curtas, é como a gente fala hoje em dia, principalmente a juventude. Os personagens conversam sobre o nada, sobre o tempo, estão sempre fugindo para não resolver o problema”, continua.

O ator Alain Brum, que interpreta o pai do bebê, conta que, quando leu o texto, não achou que lhe “dissesse respeito”. “Achei que fosse uma lente de aumento do nosso mundo. Depois descobri que está muito mais próximo de mim do que eu imaginava, porque retrata exatamente o nosso mundo de hoje, o individualismo, a falta de afetividade, o egoísmo.” Ele é um dos seis jovens atores do elenco, formado ainda por Alex Gruli, Alexandre Kirchmayer, Bruna Longo, Dinah Feldman e Morgana Souza, do Núcleo Experimental do Sesi, projeto coordenado pela professora da USP Isabel Setti.

Formato moderno

Não só a história e o autor são contemporâneos, mas a montagem e a música também. Três atos são divididos por dois entreatos, trechos compostos apenas pela trilha sonora e pelos movimentos coreografados dos atores. Sem falas, essas partes deixam transparecer o que as palavras dos diálogos superficiais não conseguem apreender. Na música eletroacústica criada por Eduardo Agni, repousam os sentimentos de angústia e solidão, o tempo que passa ou não passa indiferente. Os batimentos cardíacos, as batidas de um relógio e o barulho de água compõem a impressão do interior de um útero logo no início da peça. Esses sons tocam enquanto o público entra na sala e passa em meio a muitos bebês de plástico, numa instalação bem diferente do cenário realista da peça, assinado por Alexandre Tenório, que também fez a tradução.

A sensação provocada na entrada é explicitada num diálogo da protagonista com o pai do bebê. “O autor diz que existe um lugar onde essas crianças ficam antes de nascer, falando a sua língua e esperando saber para onde serão mandadas. Uma que quer ir para cidade acaba indo para o campo. Para ele, nós não temos o poder de modificar completamente aquilo que gostaríamos”, conta Denise Weinberg. Esperando um filho ou esperando para nascer, é a espera pela vida, num útero que pode nem sempre servir de abrigo. Quando conversas vazias tomam o lugar dos problemas mais incômodos, as angústias permanecem no silêncio ou no escuro, incomunicáveis e... sem nome.

O nome estréia nesta sexta, inaugurando um novo espaço cênico no mezanino do Centro Cultural Fiesp (av. Paulista, 1.313, tel. 3284-3639). Em cartaz de quinta a sábado, às 20h, e aos domingos, às 19h, até 13 de junho. Entrada franca, com retirada de ingressos uma hora antes.

 




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O Jornal da USP é um órgão da Universidade de São Paulo, publicado pela Divisão de Mídias Impressas da Coordenadoria de Comunicação Social da USP.
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